No dia 18 de maio de 1973, Araceli Cabrera Crespo tinha oito anos quando foi raptada, drogada, estuprada, morta e carbonizada, no Espírito Santo. O desaparecimento da menina completou 45 anos na sexta-feira, 18, e tornou-se símbolo no combate ao abuso infantil.
Tatuí realizou, nesse dia, atividades destinadas a marcar o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescente, as quais tiveram como tema “Lembrar é Combater”.
Pela manhã, ocorreu a terceira edição da Caminhada de Mobilização, que saiu da Prefeitura, seguiu pela rua Coronel Aureliano de Camargo e terminou na Praça da Matriz.
O ato contou com a participação de OSCs (organização da sociedade Civil), PLP (Promotoras Legais Populares) e membros da Secretaria Municipal do Trabalho e Desenvolvimento Social.
No mesmo dia, às 19h, no Nebam (Núcleo de Educação Básica Municipal) “Ayrton Senna da Silva”, aconteceu um ciclo de palestras sobre o tema.
Elas foram apresentadas por Carolina Vieira Lopes de Oliveira, advogada atuante em direito de família, em Itapetininga; e Mariana da Silva Ferreira, médica legista e sexóloga criminal de São Paulo, responsável pelo Prodigs (Projeto Social de Prevenção ao Abuso Sexual e Promoção da Dignidade Sexual).
A reunião contou com a presença do secretário municipal do Trabalho e Desenvolvimento Social, Alessandro Bosso; da secretária da Educação, Marisa Mendes Fiusa Kodaira; do vereador Miguel Lopes Cardoso Júnior; do gestor municipal de assistência social, Edmar Pereira; e do presidente do CMDCA (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente), Cláudio Bertolacini Batista.
Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, em 2017, foram registrados 44 estupros em Tatuí. Destes, 28 de vulneráveis, os quais envolvem menores de 14 anos, enfermos e deficientes mentais. Somente nos três primeiros meses de 2018, houve outros 13 estupros, sendo nove de vulneráveis.
Segundo a advogada, os casos têm aumentado consideravelmente na região de Tatuí. A profissional disse não ser possível definir se há aumento no número de pedófilos ou se as pessoas estão tendo mais coragem para denunciar os abusos.
Outro fator que contribuiu para o crescimento nos números, segundo Carolina, foi a última reforma do Código Penal, no qual o artigo 217, que trata do estupro de vulnerável, absorveu também o atentado violento ao pudor. “Na nova lei, qualquer outro ato diverso da conjunção carnal se intitula como estupro”, explicou.
O dia nacional tem a intenção de mobilizar e convocar a sociedade a participar do enfrentamento e prevenção à violência sexual contra crianças e adolescentes. Os abusos podem ocorrer dentro da família, entre pessoas que tenham laços afetivos ou com desconhecidos.
A exploração sexual caracteriza-se pela utilização sexual com a intenção de lucro ou troca, seja financeiro ou de qualquer outra espécie.
As denúncias devem ser feitas através do disque -denúncia nacional, da Secretaria dos Direitos Humanos, pelo número 100; pelo disque-denúncia do Estado de São Paulo, pelo número 181; ou no Conselho Tutelar de Tatuí, pelo 3251–4505.
Carolina sustenta que, na prática, a nova legislação, ao invés de tutelar o direito da criança, está levando o juízo criminal a absolver muitos pedófilos. Isso porque há grande dificuldade de se comprovar o ato de atentado, por ser um crime que, dificilmente, deixa marcas físicas na criança. Muitas vezes, o dano maior é psicológico, ela aponta.
“A sociedade ainda não está preparada para lidar com esses assuntos. Sempre ouvimos das pessoas: ‘Se for com o meu filho, eu mataria’”, observou a especialista.
“Acredito que não é o ódio, nem a vingança (as melhores formas de combate), e sim que o importante é a indignação diária sobre o assunto. Não adianta criarmos ‘hashtags’ para vereadoras mortas e não lembrarmos que temos crianças estupradas”, comentou.
A advogada lembrou que o dia 18 de maio é uma data importante, mas salientou que “todos os dias é preciso lembrar que uma criança está sendo abusada em algum lugar do Brasil”.
Carolina completou parabenizando a iniciativa da Prefeitura de Tatuí. “Me sinto honrada e orgulhosa de fazer parte desse evento. Precisamos de mais prefeituras indignadas para, realmente, proteger essas crianças”, concluiu.
Fazendo parte do programa “Bem Me Quer”, que atende vítimas da região metropolitana de São Paulo, Mariana conta que os números de abusos têm aumentado anualmente.
“Nossa demanda já é grande por natureza, mas, todo ano, aumenta um pouco mais. Aumentaram as denúncias e não o número de abusos. Eles sempre existiram, as pessoas estão mais encorajadas e informadas”, argumentou.
Mantendo contato diário com mulheres de todas as idades e jovens de até 14 anos, a médica conta que algumas das crianças violentadas chegam bastante machucadas, com muitas lesões e emocionalmente abaladas.
Segundo ela, na maioria das vezes, os abusadores têm preferência por práticas sexuais menos invasivas, por meio das quais as crianças, dificilmente, apresentam sinais físicos ou laboratoriais.
“Esse é um grande problema e uma grande preocupação nossa, porque não significa que ela não tenha sido abusada e não esteja sendo abusada. A perícia é que não consegue identificar”, defendeu.
A médica lembra que a perícia tenta passar, aos responsáveis pelos inquéritos, que, mesmo o exame não constatando nada físico ou laboratorial, a vítima pode estar sendo abusada.
“Nós temos muitas técnicas específicas para identificação da autoria, desde as mais frequentes, que são as pesquisas de espermatozoide, até a busca por cromossomo Y, pelo DNA, que fica no corpo da vítima. Mas, isso ainda é limitado”, comentou.
Mariana explicou que a perícia tem procurado buscar outras formas de comprovação dos abusos, sendo necessário prestar mais atenção à saúde mental dos pacientes.
“Existe uma ferramenta para que se faça o diagnóstico de abuso, em casos que não há evidência física ou laboratorial, através da avaliação psicológica ou psiquiátrica”, contou.
Para a médica, é fundamental, para os profissionais que trabalham com vítimas de abuso, as realizações feitas no dia nacional. Sendo importante a mobilização, em grande número de pessoas, atraindo a visibilidade da imprensa e atingindo pessoas que desconhecem o tema.
Em 2017, a Câmara de Tatuí aprovou as leis municipais 5.102, que criou o Dia Municipal de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, e 5.202/2017, que instituiu a Semana Municipal de Combate à Pedofilia e ao Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes.
Professor e vereador, Cardoso Júnior, autor das leis aprovadas, conta que a propositura foi projetada após uma palestra no Dia Internacional da Mulher e, posteriormente, de uma investigação de dois casos de abusos, na escola onde trabalhava.
“Os casos são muito mais comuns do que imaginamos. Precisamos juntar forças e buscar estratégias para colaborar com essas questões. É preciso desenvolver ações, buscar parcerias e, de alguma forma, ajudar esse processo”, encerrou Cardoso Júnior.