SP vai usar caso local como exemplo para combate ao tráfico de pessoas





Arquivo O Progresso

Foto mostra ambiente de convivência entre travestis aliciadas em Tatuí

 

A operação denominada “Arco-Íris”, deflagrada pela Polícia Civil de Tatuí, será utilizada como exemplo para o combate ao tráfico de pessoas. A informação é do delegado titular do município, José Alexandre Garcia Andreucci.

De acordo com ele, a Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo escolheu o caso local para integrar trabalho de combate ao tráfico humano.

Andreucci explicou que o flagrante, realizado no dia 11 de setembro, em Tatuí, será usado na elaboração de estatísticas e perfis da temática.

O delegado informou que a secretaria incluirá informações do inquérito policial sobre como era feito o aliciamento e em que circunstâncias as pessoas eram atraídas para o esquema que envolveu prostituição na cidade.

“Os dados ajudarão a pasta estadual a construir uma ação que deverá nortear as políticas públicas relacionadas ao tráfico de pessoas no país”, disse Andreucci.

A operação que desbaratou esquema de tráfico interno de pessoas para fins de exploração sexual ocorreu por conta de denúncias recebidas pelos setores de inteligência dos governos estadual e federal.

Conforme o delegado, o caso chegou ao conhecimento do Ministério da Justiça, que determinou a apuração.

Em Tatuí, as informações foram repassadas aos investigadores, tendo sido os trabalhos acompanhados por Andreucci e pelo delegado assistente, Emanuel dos Santos Françani.

Ambos destacaram equipes para monitorar as ações e fazer campanas no local, uma casa na rua Senador Laurindo Minhoto, 580.

Depois de obter a confirmação das denúncias, Andreucci e Françani representaram junto ao Judiciário por mandado de busca e apreensão, que culminou na prisão da suposta aliciadora, Paola Bayton, travesti de 36 anos que comandaria o esquema no município.

De acordo com a PC, Paola explorava sexualmente as travestis, que eram mantidas na residência. Elas seriam obrigadas a dar uma parte do valor que conseguiam com programas sexuais como pagamento de dívidas contraídas.

Batizada como Claydson Alan Marques, Paola “tem fama de se relacionar com pessoas influentes”, conforme informado pela PC.

A Civil afirma que ela cuidaria pessoalmente da vigilância e da transformação física dos travestis que estavam sendo explorados. A maioria tinha dívidas aumentadas por conta da colocação de próteses de silicone e aplicação de hormônios.

As investigações apontaram que Paola estaria atraindo travestis por meio da internet. Ela prometia transformação física (com tratamentos e cirurgias) e cursos de manicure e pedicure.

Para tornar as ofertas mais atraentes, a PC informou que o travesti oferecia passagens aéreas, ou de ônibus, às supostas vítimas.

Utilizando-se desse “mecanismo”, Paola teria atraído para Tatuí travestis dos Estados do Ceará, Bahia e Rio de Janeiro, além de São Paulo (Baixada Santista e Guarujá).

Quando chegavam ao município, os travestis receberiam convites para realizar cirurgias estéticas (colocação de próteses de silicone) e tratamentos hormonais e a laser (para a eliminação de pelos pelo corpo e de barba).

“As contas eram todas superfaturadas, logicamente, o que fazia com que elas ficassem trabalhando para Paola, na cidade, para pagar das dívidas”, disse Andreucci. O pagamento era feito com o dinheiro obtido nos programas sexuais.

De acordo com informações obtidas pelos investigadores, os encontros eram monitorados por seguranças que seriam mantidos pelo travesti suspeito de comandar o esquema e no pátio de um posto de combustíveis., na rodovia Antônio Romano Schincariol (SP-127)

Os travestis seriam monitorados, também, na casa em que residiam. O imóvel teria sido alugado por Paola, que manteria um forte sistema de segurança.

“A perícia constatou que ela (Paola) montou sistema com câmeras instaladas no interior e exterior da casa para controlar as travestis”, disse Andreucci.

Conforme ele, 18 câmeras de monitoramento foram instaladas na casa. O delegado informou, ainda, que Paola continua presa, respondendo pela acusação de tráfico interno de pessoas e favorecimento à prostituição.

“O MP (Ministério Público) de Tatuí ainda acabou denunciando a acusada por rufianismo, que é ter lucro com a exploração da prostituição alheia”, completou.

O resultado da operação está sendo analisado pelo núcleo de prevenção e enfrentamento ao tráfico de pessoas, da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo. Andreucci recebeu a notícia por meio de ofício encaminhado nesta semana.

No documento, o órgão elogia o serviço realizado pelos policiais do município e informa que o caso será levado a conhecimento “de outras esferas da PC para ser usado como modelo, como forma de atuação contra esse crime”.

O delegado afirmou que o caso em Tatuí mostrou que o tráfico de pessoas é real e que pode acontecer dentro do próprio país, até mesmo de cidade para cidade.

Disse, também, que nem sempre é preciso haver esquema de segurança para manter as vítimas como reféns de uma determinada situação.

No caso do município, os travestis eram aliciados “por meio de promessas que os permitiram realizar sonhos”. “Se formos analisar as pessoas trazidas do Ceará, por exemplo, elas eram humildes. Além disso, há o fato de que a sociedade local não aprova comportamento sexual diferente, o que faz a pessoa ficar na condição da exploração, mesmo sendo esta ruim”, analisou o delegado.

Também segundo ele, muitas pessoas vinham atraídas pela possibilidade de realizar desejos que estariam fora de seus alcances, como viajar de avião ou chegar a uma metrópole como São Paulo.

“É algo muito significativo para quem não via a possibilidade disso acontecer. Tem gente que nunca andou de táxi. E as travestis, quando chegavam a São Paulo, eram trazidas de táxi a Tatuí”, argumentou.

A vontade de poder “se transformar” também é um dos atrativos apontados pelo delegado como responsáveis por fazer o “serviço de aliciamento funcionando”.

Conforme Andreucci, muitas pessoas acabam aceitando se prostituir para realizar o sonho de se transformar em mulher.

“Não é que ela é tirada contra a vontade da cidade dela, mediante violência. Só que, depois, a pessoa vai cair num mundo de prostituição e numa condição quase escrava”.

Durante as investigações, a PC recebeu informações de que “violências muito graves aconteciam com as travestis mantidas em Tatuí, que se recusavam a permanecer na cidade”.

Denúncias extraoficiais apontavam que uma delas –não encontrada na residência – havia tido as próteses de silicone arrancadas contra a vontade em uma cirurgia clandestina.

Os investigadores não conseguiram localizar a suposta vítima para confirmar o fato. Entretanto, Andreucci disse que violências psicológicas eram frequentes.

Também destacou que o ponto de prostituição que funcionava no pátio do posto de combustíveis teve “movimento reduzido drasticamente”.

A PC já relatou o inquérito ao MP, que decretou a prisão preventiva de Paola. “Ela deve aguardar pelo julgamento presa”, descreveu o responsável pelo caso.

Andreucci informou, ainda, que os travestis que ocupavam o imóvel alugado (já devolvido aos proprietários) voltaram para seus Estados de origem.