Sem lugar para poeira no trem da história de Tatuí

No momento, muito provavelmente, o espaço da antiga Estação Ferroviária de Tatuí é o patrimônio imóvel a despertar maior interesse em sua preservação e uso como bem cultural no município.

Claro, excetuando-se o complexo da antiga Fábrica São Martinho, que “encanta” mesmo quem não conhece sua história, porém, muito além disso, gera comoção naqueles que compartilham desse espaço magnífico por laços afetivos, ou de trabalho mesmo, sejam pessoais ou familiares.

É profundo e antigo o desejo de se testemunhar a revitalização e o consequente uso do complexo em favor do interesse público, sobretudo na área cultural. Até o momento, desejo sistematicamente frustrado, a despeito de também antigas promessas e hipotéticos projetos.

Importante lembrar, contudo, que o patrimônio material da extinta fábrica é de propriedade particular, porquanto impondo limites à autonomia do poder público.

Em outras palavras, não seria possível a municipalidade meter o pé nas portas dos imóveis da São Martinho e torná-los, de repente, centros culturais ou de eventos – aparelhos que seriam maravilhosos, daí porque, muito compreensivelmente, tanta gente gostaria de uma ação mais ostensiva das autoridades.

Enquanto se desenrola a história do complexo – não sem a natural deterioração -, ao menos o espaço já está tombado desde 2007 no âmbito estadual, pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) e, no momento, segue em processo para o reconhecimento na instância federal.

Um dia, portanto, caso ainda tenha condições “concretas” de ser reformado, poderá vir a ser um dos mais significativos e belos patrimônios históricos e culturais do país – sem exagero!

Enquanto isso, de maneira também francamente positiva, cresce o clamor pela revitalização da Estação Ferroviária, a qual parece ser bem menos complicada.

Conforme noticiado na edição do final de semana passado por O Progresso de Tatuí, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico e Artístico de Tatuí (Condephat) e a prefeitura realizaram, de forma híbrida (presencial e online), reunião com a concessionária Rumo Malha Sul, dia 31 de agosto.

O objetivo foi reforçar o pedido de cessão do prédio da Estação Ferroviária e cobrar medidas de conservação. O prédio é de responsabilidade da concessionária.

Foi apresentada, aos responsáveis pelas áreas e prédios da União, a situação preocupante da antiga estação, apontada como “abandonada” e acumulando sujeira e mato alto, além de “estar sendo invadida diariamente por pessoas para utilização indevida”.

De acordo com os representantes da prefeitura e do Condephat, “o abandono está causando problemas de saúde aos moradores próximos, pois há sinais de infestação de ratos e outros animais nocivos”.

“Tal abandono também compromete a segurança de todos, sendo necessárias rondas diárias da Guarda Civil Municipal (GCM) para minimizar o problema”, acrescentaram.

O presidente do Condephat, Antônio Celso Fiúza Júnior, alertou que o edifício possui valor histórico significativo, fato pelo qual o colegiado do conselho instaurou processo de tombamento visando à proteção.

Além disso, sustentou, fora a possível depredação pela vulnerabilidade do local, por não existir vigilância e pela falta de manutenção, “foram realizadas intervenções pela concessionária no prédio sem a devida autorização do Condephat, conforme determina a legislação vigente”.

Também foi lembrado, aos representantes da Rumo Malha Sul, que, há anos, as autoridades políticas tentam, junto aos responsáveis, conseguir a cessão de uso do prédio histórico, com o intuito de implantar atividades culturais e realizar eventos que desenvolvam o turismo no município.

O Condephat e a prefeitura aproveitaram a reunião para ressaltar que o prefeito Miguel Lopes Cardoso Júnior reiterou a solicitação de cessão do imóvel, por meio de ofício, entregue pelo vereador Antonio Marcos de Abreu (PSDB) ao DNIT, em maio.

A concessionária Rumo Malha Sul afirmou que “analisará” os pedidos refeitos pelo município.

“Esperamos que tenham ficado sensíveis às nossas reivindicações, mas não quiseram adiantar nenhuma ação que irão tomar”, afirmou Fiúza Júnior.

“Relataram alguns projetos que a empresa está planejando que alcançam Tatuí, e que vão levar aos setores internos para avaliar os assuntos tratados na reunião”, acrescentou.

Em 29 de junho deste ano, o representante do DNIT Arnaldo Bernardo veio a Tatuí analisar o estado do conjunto de prédios que compõem a antiga estação para determinar a adequação dele como sede de um museu ferroviário.

Outra intenção é fazer da estação a principal atração do polo gastronômico e de lazer formado pelas avenidas Salles Gomes e Firmo Vieira de Camargo, que vêm se consolidando nos últimos anos nessas áreas.

Isso se daria através da implantação definitiva das Zeicts (zona de especial interesse cultural e turístico) – a primeira delas seria justamente no entorno da estação. As zonas já constam do Plano Diretor.

As Zeicts levam em consideração a vocação cultural de Tatuí e a necessidade de regulamentação dos espaços públicos e privados, em conformidade com a política de desenvolvimento cultural e turístico da cidade.

Elas têm como características, de acordo com a legislação já aprovada pela Câmara, “estarem em áreas urbanas centrais associadas com a valorização do patrimônio histórico, em conformidade com a política do Condephat”.

Prevê, como objetivos: “dar função social às áreas, promover o desenvolvimento cultural e turístico regional, promover a cultura e o lazer de interesse coletivo, consolidar eventos e espaços com o título de Capital da Música e valorizar a paisagem urbana e a paisagem natural”.

Entre as três Zeicts previstas, a do tipo “dois” envolve as áreas públicas ou particulares, terrenos e edificações subutilizados ou não utilizados, localizados na área onde se encontra o conjunto ferroviário – a ser destinada para a implantação de infraestrutura para mobilidade urbana ligada à cultura e ao turismo.

A Estação Ferroviária de Tatuí foi inaugurada em 1889 como ponta de linha de ramal. Em 1932, ganhou ainda mais importância para o município, quando houve uma reforma e o estabelecimento de uma nova estação, maior que a anterior, que se tornou símbolo de progresso para a região.

O conjunto é tombado pelo Condephaat do estado desde 2020 como bem cultural de interesse histórico, arquitetônico, artístico, turístico e ambiental.

Tal a São Martinho, a Estação Ferroviária, como se observa, é de imenso interesse da população, transportando, há gerações, um patrimônio também imaterial incalculável, de apreço e memórias afetivas.

Mais até: é um dos poucos marcos materiais restantes do passado da cidade – ou, posto de outra maneira, mais evidente – de sua própria identidade. Preservar esse patrimônio já seria um ganho tremendo; torná-lo espaço cultural, então, motivo de magnífica celebração!

Diferentemente da fábrica, porém, que neste caso os planos se concretizem. No sentido contrário, como se diz, o trem da história pode passar, ir embora e só deixar poeira e caco para trás.