Pesquisador com “base” em Tatuí abre mostra em SP

“Cinema de Pele e Osso” foca no trabalho do cineasta Otoniel Santos Pereira, no dia 26, na Cinemateca Brasileira

Cartaz da mostra “Cinema de Pele e Osso” (foto: Divulgação)
Da Reportagem

O artista de vídeo, montador e pesquisador do cinema brasileiro Felipe Abramovictz nasceu em São Paulo e se mudou para Tatuí aos oito anos. Aos 18, voltou para a capital, mas, como a família é daqui, divide a semana entre as duas cidades até hoje.

Tendo Tatuí como uma de suas “bases”, voltou seu trabalho recentemente para o cineasta amador da cidade Expedycto Lyma. Agora, lança mais um trabalho, a “Mostra Otoniel Santos Pereira – Cinema de Pele e Osso”, em cartaz nesta quarta-feira, 26, às 19h, na Cinemateca Brasileira, em São Paulo.

A mostra irá concentrar-se na obra cinematográfica do também jornalista e poeta Otoniel Santos Pereira, 83 anos, “destacando a trajetória de um cineasta cuja filmografia respondeu diretamente ao momento histórico através de alegorias do arbítrio, trazendo à tona um olhar para a situação repressiva do país na ditadura, evocada por meio de personagens reféns de situações sufocantes, sem nenhuma saída”, como define Abramovictz a O Progresso.

A mostra reúne a exibição de filmes de Pereira e uma homenagem ao artista. A programação irá contemplar sua produção em diferentes bitolas, com cópias recém-digitalizadas por Abramovictz, que também é organizador e pesquisador do projeto.

Na programação, às 19h, acontece a homenagem a Otoniel Santos Pereira, com a leitura de alguns de seus poemas. Os convidados são Paula Plank (atriz dos filmes) e Malu de Alencar (fundadora do Grife – Grupo de Realizadores Independentes de Filmes Experimentais de São Paulo -, do qual Pereira fez parte).

Em seguida, serão exibidos “O Pedestre”, de 1966; “Declaração”, de 1974; “Rua da Paz”, de 1974; e “Saara”, de 1974-1975. No encerramento, um bate-papo com os organizadores e convidados.

Abramovictz conta que a ideia do projeto surgiu em 2019, quando Pereira lhe concedeu uma entrevista. Na ocasião, o pesquisador perguntou ao cineasta se podia ter acesso aos filmes que ele realizou, e Pereira prometeu que iria buscar nas caixas que guardava em sua casa o material original em película.

“Alguns meses depois, soube que os filmes tinham sido localizados. Ou, pelo menos, parte deles, o que mais uma vez nos mostra a importância de que ações de preservação do nosso patrimônio audiovisual são fundamentais para garantir com que obras de cineastas tão relevantes, como é o caso de Otoniel Pereira, não se percam para sempre em caixas esquecidas”, afirma.

“O Otoniel Pereira para mim é uma referência, de uma forma de fazer cinema, que eu também acredito, criado no calor do momento, com os recursos possíveis e guiado pelo desejo de transformar a urgência do discurso em poesia”, diz o pesquisador.

“Ele, como um artista que sempre caminhou lado a lado na carreira de cineasta, jornalista e poeta, traz no seu cinema as formas de pensar que caracterizam esses domínios: a precisão, a síntese e a clareza do discurso do jornalismo, a abertura para novas subjetividades da poesia e a experimentação com as formas de discurso do cinema moderno, aquele que mais influenciou sua geração”, define.

Mais uma vez, Abramovictz se volta às bitolas cinematográficas alternativas, diretamente ligadas à sua pesquisa de doutorado, cujo foco é a produção na bitola super-8.

Otoniel Pereira, de acordo com o pesquisador, tem uma filmografia extensa em super-8, com quatro filmes produzidos na bitola: “Homem Aranha Contra Dr. Octopus” (1973), vencedor do 1º Super Festival do Grife de 1973.

Há ainda, segundo ele, “Rua da Paz”, com o qual ganhou o festival do ano seguinte, obra ambientada em um cinema no qual todos os espectadores são estrangulados durante uma sessão. “Aqui a questão da banalidade da violência em meio ao momento mais repressivo da ditadura militar vem à tona”, analisa Abramovictz.

Ele cita ainda “Saara”, cujo título, alegoria política da situação pós-AI-5, mostra a perseguição de um jovem, que, mesmo após ter fugido do país, seria morto em uma nação estrangeira.

E, também destacado pelo pesquisador, “Declaração” (1974), na qual a leitura da Declaração Universal dos Direitos do Homem é alternada a cenas cotidianas que fazem menção ao contexto autoritário da época da ditadura.

Abramovictz aponta a ligação da obra de Otoniel Santos Pereira com o período da ditadura. “Ele dirigiu algumas das obras mais contundentes do período mais duro da repressão. É interessante pensar que – no cinema – sua trajetória limitou-se a esse momento, do pós-golpe de 1964 até os anos de chumbo, movido pela urgência de reagir àquele momento tão difícil”, diz.

“Em comum, suas obras trazem alegorias do arbítrio, que metaforizam a repressão e a censura. Isso já desde seu primeiro trabalho, “O Pedestre”, quando se aproximou do núcleo central que daria origem ao dito “cinema marginal”, mas principalmente nos filmes em super-8, produzidos no auge da repressão – o que justifica a escolha da bitola, que ficava à margem da censura”, sustenta.

O pesquisador conta que a própria câmera foi comprada no exílio – após sair da prisão, acusado de colaborar com colegas que resistiram à repressão. “A mostra, ao exibir esses filmes, contará um pouco dessa história”, garante o realizador.

Abramovictz pretende trazer o evento a Tatuí, assim como “Expedycto Lyma Cinema É Sonho”, sobre o cineasta amador radicado em Tatuí, que será uma das atrações da Semana Paulo Setúbal neste ano. “Agora com novidades na expografia, a cargo do Jaime Pinheiro, cenógrafo do projeto”, adianta o pesquisador.

A Cinemateca Brasileira fica no Largo Senador Raul Cardoso, 207, São Paulo. A entrada, a partir das 19h, é gratuita.