Mostra em São Paulo homenageia cineasta tatuiano Expedycto Lyma

Pesquisador criado em Tatuí exibe filmes e lança livro sobre produtor

Da reportagem

Felipe Abramovictz nasceu em São Paulo e se mudou para Tatuí aos oito anos. Aos 18, voltou para a capital, mas, como a família é daqui, divide a semana entre as duas cidades até hoje. Quando pequeno, conheceu Expedycto Lyma (nome artístico de Expedito Lima, cineasta amador radicado no município).

De uma amizade, surgiu um grande projeto, que ganha a Cinemateca Brasileira, em São Paulo, dos dias 23 a 26: a “Mostra Cinema É Sonho – O Superoitismo Sertanejo de Expedycto Lyma”.

Filmes serão exibidos, haverá exposição do acervo do artista – com cenografia de Jaime Pinheiro, de Tatuí -, bate-papo com o próprio Expedycto e pesquisadores, lançamento de livro e até cururueiros tatuianos apresentando-se.

No dia 23, às 18h, acontece a abertura e visita aos objetos de acervo do artista em exposição no foyer. Em seguida, às 18h30, há a exibição do longa “A Víbora Humana” (1978-1979).

Às 20h, será a vez de “Sentimento Mortal” (2001-2002), seguido de um bate-papo com Expedycto, o autor do livro, elenco dos filmes e Verônica Tamaoki.

No dia 24, será a vez de, após abertura com exibição de trailers da Explym Produções (a produtora de Expedycto Lyma), “Na Trilha do Ódio”, de 1979-1980, e “O Misterioso Senhor Moretti”, de 1980 (20h), seguido por um bate-papo com os organizadores da mostra.

No dia 25, acontece o lançamento do livro “O Cinema é Sonho”, de Abramovictz, com distribuição gratuita, às 16h. A abertura será com intervenção musical de cururueiros de Tatuí. Às 17h, ocorre a exibição de “Dois Nós Cegos no Oeste” (1980-1981), e, no encerramento, um bate-papo com Sheila Schvarzman e Abramovictz.

Às 18h30, a plateia vê “O Filho de Dioguinho” (1981), para depois, às 20h, assistir à sequência “Dioguinho Volta para Matar” (1981). Na abertura, o documentário “Bloco de Carnaval da Explym, o Vai Quem Quer do Dioguinho” (1981).

No dia do encerramento da mostra, 26, está programada uma maratona, com “Estigma da Violência” (1980-1981) e “Gosto Amargo da Vingança” (1982) na sequência, sessão marcada pra começar às 16h.

Às 18h, começa “Um Inesquecível Amor” (1982) e, depois, “O Despertar de um Pesadelo” (1983).

Amizade
“Tenho uma grande amizade e admiração pelo Expedycto”, diz Abramovictz. “Convivemos muito até hoje, assistimos filmes juntos, temos longas conversas e trocas de experiências”, conta.

Abramovictz é artista de vídeo, montador e pesquisador do cinema brasileiro. É doutorando em multimeios pela Unicamp, mestre em comunicação audiovisual (PPGCOM-UAM) e graduado em comunicação e multimeios pela PUC-SP. É coordenador, autor e pesquisador do projeto sobre Expedycto.

“Minha amizade com ele e meu trabalho são complementares. Por isso surgiu tão naturalmente o projeto de doutorado em ‘superoitismo’. Até porque Expedycto é o maior realizador de filmes de ficção em super-8 no Brasil”, afirma.

“Sem falar em toda a sua ligação com o cine-teatro, o que é muito popular. Além disso, é um poeta de mão cheia sobre a cultura caipira e tem um repertório cinematográfico fantástico. Seu cinema é de gênero, mas ele adapta tudo de um jeito muito pessoal, muito dele”, completa.

Na pandemia, Abramovictz e Expedycto conviveram praticamente todos os dias. “Visitamos os lugares em que ele passou com o circo, com o cinema, entrevistamos pessoas. Foi muito rico”, lembra o pesquisador.

Abramovictz conta ter muita vontade de trazer a mostra e lançar o livro em Tatuí, e pretende iniciar conversas sobre isso em breve. “Seria um prazer imenso”, confessa.

História
Expedycto Lyma (nome artístico de Expedito Lima), 83 anos, nasceu em 1939, em Tietê, mas radicou-se em Tatuí. Era conhecido como “Expedito Cineasta” na cidade, por seus populares filmes produzidos com câmera super-8 e, depois, em VHS.

Realizou mais de 20 filmes, dez deles em super-8 (entre 1979 e 1984), o que o torna o maior produtor do país na bitola em longas-metragens de ficção.

Com extensa trajetória no circo-teatro, foi dono de companhia, ator, dramaturgo, atuou como palhaço (quando recebeu as alcunhas de “Alemão” e “Polaco”) e exerceu a profissão de marceneiro, para garantir o sustento.

A exibição dos filmes acontecia num “pavilhão” metálico construído por ele para, de forma circulante, exibir seus filmes em bairros distantes do centro urbano. Essas sessões eram por vezes precedidas de números cômicos, nos quais o próprio Expedycto entrava em cena.

Com um projetor no porta-malas, levou suas produções para os pontos mais distantes da zona rural do estado de São Paulo, onde exibia seus “bangue-bangues sertanejos, mas meio djanguescos”, comédias, dramas, histórias de aventuras, policiais, enredos com pitadas de terror, assim como alguns filmes nos quais o erotismo se fez “bastante presente”, na época da pornochanchada.

Produtor, poeta, roteirista, diretor, ator, diretor de arte, técnico de efeitos especiais, trilheiro, divulgador, bilheteiro e todas as funções onde se fazia necessário, voltou a filmar em VHS no fim dos anos 1990.

Teve de buscar novas maneiras de viabilizar a produção devido à decadência do super-8 e ascensão dos vídeos, conta o artista. Sempre contou com auxílio de amigos, entusiastas de seu cinema e antigos parceiros de cena dos tempos do circo.

O projeto

O projeto “Cinema é Sonho” propõe um percurso pela trajetória de Expedycto Lyma. Dedica-se à publicação de um livro (em versão impressa e e-book), escrito pelo pesquisador Felipe Abramovictz, a uma série de eventos em torno de sua obra (como leituras dramáticas, exibições, lives, debates com pesquisadores e parceiros) e a uma exposição concebida a partir dos objetos de acervo pessoal.

Segundo Abramovictz, ainda contempla uma catalogação completa e um trabalho de recuperação e digitalização de arquivo do artista em película, vídeo e de seus manuscritos, que incluem poesias, letras de música e, especialmente, peças teatrais, materiais que estarão integrados ao livro.

“Trata-se de um raro documento da obra de um criador popular que percorreu o estado de São Paulo com seu circo-teatro (entre o fim da década de 1960 e os anos 1970) e com seu cinema ambulante (após 1979)”, afirma o autor do livro e curador da mostra.

“Cinema é Sonho” foi concebido tendo como base de pesquisa as entrevistas realizadas por Abramovictz com Expedycto Lyma e seus colaboradores.

A pesquisa no acervo pessoal do artista, para além dos filmes, resultou em mais de 5.500 arquivos. Somente de sua dramaturgia, foi possível localizar inúmeros roteiros e 33 textos teatrais completos, escritos originalmente para serem encenados no “Circo-Teatro do Alemão” ao longo da década de 1970, alguns deles nunca levados ao palco, os quais foram pela primeira vez transcritos, publicados e disponibilizados, por meio de leituras dramáticas.

Além disto, integram o projeto filmagens feitas pelo amigo e pesquisador Abramovictz com o artista na casa dele, nos locais onde Expedycto montou cinema ambulante e no circo-teatro, assim como em alguns cenários de seus filmes (material que totaliza mais de 70 horas).

Para o livro, Abramovictz parte dos relatos orais de Expedycto, que são reescritos em primeira pessoa, entremeados com referências de suas obras (ilustrações de próprio punho, cartazes, fotos).

“Todo este conjunto faz parte do projeto de pesquisa desenvolvido junto ao programa de multimeios da Unicamp, como parte da minha tese de doutorado”, conta.

“Pretendi investigar como a produção na bitola super-8 caracteriza-se como fenômeno cultural de resistência da maior importância ao longo da abertura política (1974-1985), momento no qual a produção atingiu seu ápice em termos de difusão e teve seu gradual decréscimo”, observa.

Essas câmeras, lançadas em 1965, de acordo com Abramovictz, chegaram ao Brasil no contexto de 1968, momento marcado por grandes mobilizações populares nas ruas e efervescência (política e artística). O super-8, então, atinge o ápice de popularização no fim da década de 1970,

“É um equipamento com facilidade técnica de ser manipulado, já com fotômetro integrado, zoom elétrico, um sistema de revelação por meio de cartuchos, que poderiam ser facilmente substituídos e com um preço acessível para setores da classe média-alta”, cita.

É nessa bitola – um meio menos regulado pela censura, pelo qual, na maioria das vezes, os filmes circulavam em cópias únicas levadas pelos realizadores a cada exibição – que emergem novas formas de produção audiovisual à margem dos meios de produção e distribuição tradicionais, permitindo que realizadores como Expedycto Lyma pudessem filmar.

“Este caráter despretensioso do ‘superoitismo’, que se aproxima do fazer não profissional e, por excelência, mais livre, frequentemente incluía uma falta de compromisso com uma viabilidade econômica da produção que reverbera em um conjunto de obras que flerta com o amador”, afirma.

“Seja nos ‘pavilhões cinematográficos’ ou mesmo na maneira como ele, levando o projetor no porta-malas, exibia nos rincões da zona rural seus filmes, Lyma se destaca, sobretudo, como um artista popular do interior paulista, que, apesar de pouco conhecido para além das redondezas, fascinou seu público durante décadas”, aponta o pesquisador.

“A iniciativa de dar visibilidade a suas obras, anteriormente inacessíveis, pretende ser o ponto de partida de um trabalho de resgate de sua trajetória da dramaturgia do circo-teatro de um autor profundamente ligado às raízes dele, cujo acervo estava se deteriorando e, agora, foi catalogado, digitalizado e disponibilizado ao público”, completa.

Serviço
A “Mostra Cinema É Sonho – O Superoitismo Sertanejo de Expedycto Lyma” acontece de 23 a 26 de fevereiro, na Cinemateca Brasileira (largo Senador Raul Cardoso, 207, vila Clementino, São Paulo).