Dia desses, veio-me à cabeça a ideia de fazer uma pesquisa sobre a preferência popular na música de concerto. Depois de muito elucubrar, resolvi que a consulta deveria ser realizada entre três compositores bem diferentes, que representem seus próprios apreciadores. Escolhi Bach, Mozart e Beethoven, donos de estilos e gêneros distintos.
Logo, passei a especular onde poderia ser feito esse levantamento: no Conservatório de Tatuí, claro, talvez aqui no salão menor, o Villa-Lobos, ou o da Unidade II, ambos para coisa de até 200 pessoas. Daria para entrevistar todos os presentes, mas o universo de pesquisa seria ínfimo para um levantamento de abrangência nacional. Isso porque o público da cidade é bem homogêneo e diferenciado, acostumado que está a um número enorme de concertos. Porém, o resultado ainda não representaria o universo dos ouvintes brasileiros. Pensei, então, no nosso Teatro “Procópio Ferreira”, com mais de 400 lugares – mas isso não excluiria boa parte da população, que ainda vê ali, infeliz e equivocadamente, uma coisa de rico?
Ousar não custa: e se essa pesquisa fosse feita na imponente Sala São Paulo, um programa inteiramente dedicado a Bach, Mozart e Beethoven? Acostumada com um repertório bastante variado, a plateia de 1.500 pessoas opinaria sobre sua preferência com determinação, já que se trata de um extrato de público refinado, no mínimo bem iniciado no assunto. Mas se a pesquisa for feita entre os que compram a assinatura da temporada inteira, ela vai refletir um gosto bem mais genérico, o do público que gosta de música clássica de todos os gêneros. E se indagarmos em uma das séries de concertos? Ah, talvez a estatística já nasça contaminada pela preferência desse público mais seletivo. E deveria ser entrevistado o pessoal das filas dos fundos, meio ou frente? Para ouvir música de Bach com cravo e pequena orquestra, eu mesmo prefiro os assentos fronteiriços ao palco. Para a música de Mozart, em formação típica do classicismo, desejaria o requinte dos detalhes, e as fileiras do meio do auditório seriam suficientes. Já Beethoven, com os sopros dobrados e grande orquestra, em sinfonias como as de nº 5 e 7, e, claro a 9ª, o concerto poderia ser ouvido com grande clareza em toda a Sala. Portanto, a localização dos assentos seria também mais uma condicionante da pesquisa. Mesmo assim, difícil imaginar que o levantamento representaria uma parcela sequer da preferência do brasileiro quanto à música de concerto.
Imaginei depois um grande estádio de futebol, mas isso dependeria da região escolhida, e novamente já estaria comprometido o levantamento: a ingressos baratos ou gratuitos, haveria os que desgostassem de todas as obras, ou os que prefeririam a massa mais audível de Beethoven. E mesmo se a pesquisa fosse feita em diversos estádios brasileiros cheios – coisa que ainda espero ver em vida! -, não chegaria a representar a preferência de parte significativa dos brasileiros.
Durante a campanha eleitoral do 1º turno neste ano de 2014, diversas pesquisas, feitas com número reduzido de eleitores – 1.800, 2.000 – mais serviram para estimular intenções do que realmente como instrumento de aferição confiável. “A margem de erro é de apenas 2% para mais ou para menos, e a confiabilidade de 95%!” (diz com segurança o âncora da TV que divulga os números, e com a mesma verve afirma que uma pesquisa similar repetida cem vezes “traria resultado igual em 95 delas!”).
Um desses institutos (responsável por pesquisas de grande aceitação) é ligado a um importante jornal, conhecido por abrir espaço para críticas – seja de uma pessoa contratada para isso (o “ombudsman”), ou de convidados (“ombudsman por um dia”). Pois o jornal teve a honestidade de expor suas próprias feridas em “mea culpa” na edição de 7 de outubro. Em ao menos sete Estados do Brasil, entre eles três dos maiores colégios eleitorais – São Paulo, Minas e Rio -, conclui-se por questionar a confiabilidade até das proféticas entrevistas realizadas na véspera, portanto supostamente passíveis de mínimos erros: foram 11 resultados, ao menos, de 4,5% para cima, bem ao largo do final proclamado pelo TSE. A saber: em São Paulo, Padilha, terminou com 5,22% a mais do que a previsão; no Rio de Janeiro, “Pezão”, + 4,57% (Crivella, – 4,74%); no Paraná, Richa, com + 4,44% (Requião, – 4,44%); em Minas Gerais, Veiga, + 4,89%; No Rio Grande do Sul, a “barrigada”: Sartori obteve 11,4% a mais do que o previsto na véspera – vale o ditado: peru não morre de véspera (e já Ana, – 7,21%); em Pernambuco, Câmara surpreendeu com 7.08% para cima (Monteiro, – 5,94%), e no DF, discretamente mas também fora da curva, Frejat, com 3,97% a mais. Pior ainda, ouvidas 18 mil pessoas, na votação maior, para presidente, a mesma pesquisa pecou pelos 7,55% recebidos a mais por Aécio e 4,45 para menos por Marina – uma escorregadela de 12% sobre a disputa pelo lugar ao sol no segundo turno! O jornal expôs sua ferida, mas e esses números? A grande pergunta que não cala é: se eles não refletem com a tal “metodologia científica” a real opinião (como se fosse possível), não se prestam essas pesquisas, mesmo que não intencionalmente, mais a induzir opiniões, a cabalar votos para fulano ou cicrano?
Não acredito em duendes, com todo o respeito aos que cultuam esses simpáticos entezinhos. Quanto à música, declaro-me indeciso e anulo o voto: adoro tanto Bach quanto Mozart e Beethoven, e esta seria uma pesquisa que aplaudiria de pé se o placar terminasse empatado.