O novo espetáculo do grupo teatral “Garagem e Cia”, “A Falecida” tem um duplo desafio pela frente: repetir o sucesso de público e crítica registrado na montagem anterior, o infantil “Quem Casa Quer Casa”, e garantir uma encenação impecável do “texto do visceral” de Nelson Rodrigues.
A montagem conta com elenco de 16 atores e será encenada neste sábado, 9, e no domingo, 10, às 20h, no CEU (Centro de Artes e Esportes Unificados) “Fotógrafo Victor Hugo da Costa Pires”. O espaço fica na rua Ana Rosa Monteiro, 475.
O texto do dramaturgo pernambucano radicado no Rio de Janeiro é considerado um “grande marco” na carreira do autor. Nela, Rodrigues explora o emaranhado psicológico de cada personagem, em meio ao turbilhão de acontecimentos e desgraças nas vidas dos personagens. Tudo isso com a bela, porém, problemática paisagem carioca.
O desafio da trupe – e da diretora teatral Paulinha Flash – começou na escolha do texto dramático. Depois da montagem de um musical infantil, os atores queriam algo adulto e que mostrasse o amadurecimento do trabalho teatral em cena.
Como a maior parte da equipe é formada por homens, a dificuldade maior foi a escolha de uma peça em que as mulheres fossem minoria. A diretora disse que, ao contrário de “antigamente” quando havia mais mulheres no teatro do que homens, atualmente, há o inverso. “No elenco tem somente duas mulheres”, contou.
Pesquisando os textos do dramaturgo, Paulinha encontrou “A Falecida”. O trabalho representou “o único o qual a trupe conseguiu adaptar” por ter mais homens que mulheres.
Desde fevereiro, a peça está sendo ensaiada, alternadamente, no Centro Cultural Municipal e no CEU das Artes. Para se desvencilhar do espetáculo anterior, o elenco passou por diversas dinâmicas de grupo e pelos chamados jogos teatrais.
O elenco também usou, como meio para se ambientar ao drama, a leitura de textos, pesquisa e análise de filmes, como os do próprio Rodrigues. Também conheceu trabalhos do diretor e roteirista espanhol Pedro Almodóvar.
“Eles sofreram bastante com esses jogos, foram bem pesados, mexeram muito no último grau da ferida. Nelson é isso, mexe com o câncer da sociedade”, disse Paulinha.
O mesmo texto de Rodrigues serviu de base para a adaptação ao cinema, sob a direção de Leon Hirszman. A película foi usada pela trupe para que os atores pudessem ter ideia de como se passa a encenação.
A diretora ressalvou que o espetáculo a ser encenado no CEU é “bem diferente do filme”. Além das diferenças de atuação entre cinema e teatro, a direção proposta por Paulinha “é bem visceral, tendo em comum somente o texto”.
“É mais a questão da ambientação, que é bastante interessante, o sotaque carioca, nos anos 1950, não era diferente de hoje. O sotaque e a ambientação foram bastante interessantes”, disse.
A história se passa nos anos 1950 no subúrbio carioca e conta o drama de Zulmira, representada por Paulinha, que interpreta uma mulher obcecada pela morte. Apesar de viver na penúria, a protagonista faz o marido, um homem desempregado, prometer que fará um grande e luxuoso enterro.
A obcessão de Zulmira não é só pela morte. Depois de uma visita a uma cartomante, ela é aconselhada a tomar cuidado com uma “mulher loira”. A personagem pensa, então, que será traída por Glorinha, a prima dela que também é loura.
Depois que Zulmira morre, o marido da personagem procura um político rico para que ele o ajude pagando o funeral. A partir daí, o viúvo descobre quem realmente era a esposa e tem grandes revelações.
Esta será a primeira vez que a diretora teatral dirige e atua na mesma montagem. Será, também, a primeira vez que Paulinha Flash atuará como mulher desde que assumiu a transexualidade. “Vai ser bacana”, prospectou a diretora.
Para vencer o desafio de dirigir a si própria, Paulinha afirmou que fez filmagens da própria atuação para saber em quais pontos ela poderia melhorar. A poucos dias de estrear a peça, a intérprete de Zulmira afirmou que está se “desligando” da função de diretora, para que se concentre na atuação.
Na última semana de ensaio, a direção afinou a atuação do elenco, a iluminação do cenário e a sonoplastia. “Na hora do espetáculo tenho que me desligar de tudo e ser só atriz. Então, estou nesse momento de deixar de ser diretora e deixar esse olhar crítico, e focar na estreia”, contou.
A nova peça gera expectativas da trupe em relação a premiações. A última montagem, “Quem Casa”, conquistou 17 prêmios e nove indicações em festivais realizados em Quadra e Taquaritinga, ambas cidades do Estado de São Paulo.
A categoria de teatro adulto é mais concorrida nas mostras, porém, ainda assim, a diretora teatral crê que a equipe possa ganhar premiações. “Com ‘A Falecida’ é diferente. É uma peça mais densa. Temos grandes chances de entrar em mostras e festivais de teatro, é o nosso objetivo, e que venham mais prêmios com essa peça”, disse.
A trupe surgiu em agosto do ano passado e é formada por alunos de teatro do CEU. Recentemente, a diretora resgatou o nome de um antigo grupo formado em 2006 da qual tinha feito parte. Junto com o nome “Garagem” vieram alguns participantes da antiga formação. São 22 integrantes, entre atores e técnica, além do grupo infantil, que somados, totalizam 40 participantes.
Segundo Paulinha, o objetivo da trupe é aumentar o número de participantes e ter, até o final deste ano, quatro peças em cartaz: além de “Quem Casa” e “A Falecida”, o grupo apresentará uma peça cômica e o espetáculo “O Pequenino Grão de Areia”, que será estrelado pelo corpo infantil da trupe.