“Paulista” não deveria aceitar ser maltratado

Significativo e oportuno o debate ocorrido na sessão da Câmara Municipal sobre os serviços da Sabesp em Tatuí, na semana passada. Opiniões divergiram, naturalmente, e isto pode ser notado como algo positivo.

Em suma, representa questionamento sobre privatização versus estatização – ou, melhor dizendo, iniciativa privada versus estado –, embora seja mais fácil e simples tomar o caso como motivo de confirmação para as conclusões – e crenças – maniqueístas de um imaginário mundo em preto e branco, certo e errado, do “bem” e do “mal”.

Por mais que a história em geral demonstre o contrário, em mais esta situação, persevera o extremismo – no caso como se “toda” privatização fosse eficaz e “boa para o povo”, por um lado, e “toda” empresa estatal fosse necessária e “boa para o povo”, de outro.

Nessa sessão ordinária da Câmara, não obstante, houve bela oportunidade para comprovação de que o mundo é colorido, tendo os trabalhos de reparo asfáltico realizados pela Sabesp sido o principal dos assuntos discutidos em tribuna.

José Eduardo Morais Perbellini (Republicanos) apontou como “falta de qualidade dos serviços prestados pela concessionária de abastecimento” o remendo da malha asfáltica na rua Teófilo Andrade Gama, na altura do número 1.279.

Ele alegou que, após ter sido realizada a manutenção da rede de esgoto, a empresa teve que, por três vezes, retornar ao local para reparar o trabalho “mal feito”.

Ele justificou apoio à privatização da estatal, dizendo que os serviços fornecidos pelas empresas terceirizadas da Sabesp “deixam muito a desejar”.

Também declarou ser inaceitável a cobrança da taxa mínima a partir de dez metros cúbicos de uso da rede, mesmo sem ter sido utilizada.

Leandro de Camargo Barros (Cidadania) apoiou o requerimento de Perbellini sobre a cobrança da taxa mínima, ao mencionar que sempre teve de pagar pelos dez metros cúbicos, mesmo utilizando-se de apenas quatro, no máximo.

Argumentou, ainda, que a Sabesp realiza diversas campanhas de economia de água destinadas ao consumidor, no entanto, “não oferece nenhum tipo de bônus aos que economizam”. “É inconcebível a Sabesp fazer isso com a população que mais sofre e que economiza de verdade”, disse.

Por sua vez, o presidente da Câmara, Eduardo Dade Sallum (PT), rebateu as justificativas dos parlamentares ao dizer que a Sabesp atende atualmente 95% do saneamento básico de cidades do estado de São Paulo sob a concessão dela.

E reforçou que nenhuma empresa pública da América Latina e do mundo tem a capacidade que a estatal tem de fornecer serviços fundamentais para o desenvolvimento socioeconômico.

“Tem pessoas que querem fazer com que água vire mercadoria. Se está ruim da maneira como está, imagine com a privatização”, questionou. Ele também comparou os serviços da atual concessionária de energia Enel, que atende a cidade de São Paulo e fora desestatizada durante o governo Mário Covas, em 1998.

“Faz mais de um mês (naquele momento) que tem centenas de milhares de famílias sem energia em São Paulo. E é a mesma coisa que o governador Tarcísio (de Freitas) quer fazer com a Sabesp”, sustentou.

Procurada pela imprensa em geral, a concessionária – “privada”, que então deveria ser mais eficiente – não se posicionou sequer sobre como ficarão os prejuízos com a perda de bens materiais causados de forma generalizada com a falta de energia.

Sallum concluiu apontando que os únicos beneficiados pela privatização de uma “empresa que dá lucro e dividendos para o estado seriam os amigos do governador”.

“Coincidentemente”, nessa mesma semana, o jornal O Progresso de Tatuí teve informação de que consumidores da Neoenergia foram lesados, aqui no município, a partir de acesso ao site da empresa.

O caso ocorria quando o consumidor, ao acessar a área do site da empresa para obtenção da segunda via das contas, era direcionado a uma troca de mensagens por WhatsApp e, nela, levado a efetivar pagamentos a estelionatários e não à Neoenergia.

Diante disso, a reportagem de O Progresso de Tatuí buscou contato com a assessoria de comunicação da empresa desde a quarta-feira da semana anterior, 22 de novembro, recebendo resposta nesta segunda-feira, 27.

A intenção, obviamente, era saber se a empresa iria divulgar algum comunicado a seus consumidores, de forma a alertá-los sobre os golpes. A resposta foi que, em outras oportunidades, a concessionaria já havia emitido relises (notas à imprensa) alertando sobre os golpes.

Avaliando a reação de forma objetiva, por consequência, a Neoenergia reconhece estar sofrendo ataques em seu portal de serviços, entretanto, sequer publica um banner em sua própria home alertando os consumidores sobre o perigo…

Tampouco efetiva alguma ação de divulgação ampla, no intuito de atingir o máximo de pessoas, resguardando-as quanto a possíveis perdas financeiras.

A precaução se resume a notas à imprensa, naturalmente contando com a boa-vontade dos veículos em publicar o comunicado “graciosamente”, na camaradagem com a grande empresa privada, como se cuidar do interesse público fosse somente dever dos jornais, rádios, TVs….

Ainda não deixa de ser interessante observar, no caso da Sabesp, terem sido os serviços a gerar reclamações prestados por empresas terceirizadas, como bem disse o vereador. Ou seja, não são do estado, mas da iniciativa privada.

A verdade é que, sim, toda empresa existe em função de lucro, e sem problema desde que não preste deliberadamente um serviço deficitário para o povo com o único propósito de lucrar mais, a despeito do “mal” que possa causar à população.

No mesmo sentido, não é maduro esperar que as empresas concessionárias de serviços públicos, por si mesmas, “decidam” ser legais com seus consumidores – com as pessoas – meramente por princípios outros que não o lucro.

Isto é ainda mais concreto quando inexiste a tal concorrência, na situação em que a empresa atua sozinha em sua área, sustentando concessão que pode garantir-lhe a tranquilidade de um monopólio por décadas.

Em tal posição, qual o interesse em investimentos na melhoria dos serviços? Os quais, aliás, extrapolam, por exemplo, a oferta de água e luz, devendo também levar em conta o “atendimento ao cliente” – tão caro e fundamental na chamada livre concorrência?

A se levar este particular a sério, pode-se pensar com seguro grau de confiança que, no caso, cabe ao estado, quando vai privatizar um serviço, impor regras muito claras para o concessionário, pré-determinando os investimentos a serem efetivados ao longo de todo o tempo da concessão.

Caso contrário (novamente), seria ingenuidade supor que as empresas, antes de lucro, iriam buscar bater recordes de performance correndo em uma pista sozinhas…

Uma saída razoável, portanto, seria previamente impor as metas a serem alcançadas pelas empresas concessionárias e, por consequência, claro, as devidas sanções em caso de falhas, insucesso e perdas dos consumidores.

Mais que isso, porém, é preciso que o estado, quando verdadeiramente “tenha” de renunciar a um seu patrimônio (o qual não é dele, na verdade, mas do povo), pelo menos obrigue as concessionárias a levarem mais a sério seus clientes – no mínimo, dando-lhes resposta quando acionadas por suas falhas.

Ser indiferente ao cidadão, seja um vereador ou um consumidor “comum”, é nada mais que um deboche. Pelo menos isto deveria ser unanimidade entre os paulistas, consumidores de energia tanto quanto de água e outros bens fundamentais.