Em Tatuí, apelido é mais forte que o próprio nome. Pouco adianta pais e mães pesquisarem nomes para batizar seus filhos, pois o que vai valer mesmo será o apelido.
Muito tempo atrás, na fila do Cine S. Martinho, brinquei com o Fábio Del Fiol, chamando-o de Piavinha, diminutivo do apelido de seu pai. Ele, irritado, respondeu:
– O nome do meu pai é José Mauricio Del Fiol! – enfatizou.
Há poucos anos, conversando com seu pai, ele contou que, no dia em que nasceu, alguém foi conhecer o bebê e disse:
– Ei, o menino parece uma piava!
Pronto. Antes mesmo de receber seu nome, já tinha apelido.
Edson Kodaira, quando jovem, frequentou um seminário. Depois de algum tempo, percebeu que não tinha a devida vocação para o sacerdócio. Mas ganhou um apelido: Padre.
Como é uma pessoa muito solícita, agradável, conquistou inúmeros amigos. Quase todos o chamam pelo apelido.
Certo dia, recebeu uma ligação do doutor Benê, seu amigo:
– Padre, tudo bem? Estou aqui em Boituva cortando o cabelo! Venha aqui para conversarmos e aproveite cortar seu cabelo aqui. O barbeiro é muito bom! – foi mais ou menos o teor da conversa.
Como estava sem compromissos no momento, Edson resolveu ir a Boituva encontrar-se com o doutor Benê e aproveitar cortar o cabelo. É importante lembrar que o Edson sempre se veste de um modo comportado, evitando calças jeans, bermudas ou camisetas, preferindo roupas mais tradicionais.
Pegou a estrada e, em poucos minutos, estava em frente à barbearia. Entrou, olhou em busca do amigo e não o encontrou.
– Bom-dia, o doutor Benê não se encontra mais aqui? – perguntou ao barbeiro.
– Ah, o senhor é o Padre? – o barbeiro respondeu, perguntando.
– Sim! Ele me convidou para vir aqui encontrá-lo e aproveitar para ajeitar os cabelos! Ele me disse que o senhor é um barbeiro muito bom! – explicou.
– O doutor Benê tinha um compromisso no centro de Boituva e saiu agora há pouco. Mas, padre, o senhor quer cortar os cabelos? – o barbeiro, educadamente, conversava com o Edson,
– Sim! Como já está um tanto comprido, vou aproveitar cortar! Disse, sentando-se na cadeira.
Realmente, o barbeiro era um profissional muito bom. Como um católico praticante, conhecia diversos padres da região e, enquanto cortava os cabelos do Edson, e ia especulando:
– O senhor conhece o padre Isaac?
– Sim! – respondeu o Edson, completando com alguns detalhes sobre esse padre, que passou por Tatuí.
– E o padre fulano?
– Conheço também! É meu amigo particular! Estivemos juntos no seminário! – explicou Edson.
E a conversa continuou sempre versando sobre sacerdotes católicos.
Terminado o corte dos cabelos, Edson levantou-se e fez menção de pegar a carteira. O barbeiro não deixou, dizendo:
– O senhor não tem que pagar nada! – muito simpático, explicou ao Edson.
– Ah, o Benê já deixou pago? – Edson perguntou ao barbeiro.
– Não! Sou eu que não quero receber. Foi um prazer conversar com o senhor, padre! – delicadamente o homem negou-se a cobrar o corte de cabelo.
Dali, Edson foi ao centro da cidade encontrar-se com o doutor Benê, e foram até um local junto com outros amigos.
Algum tempo depois, precisando cortar novamente seus cabelos, Edson resolveu ir outra vez naquele simpático barbeiro boituvense. Lá chegando, foi muito bem recebido pelo homem, que, ao final do corte, mais uma vez não cobrou pelo serviço.
Poucos dias depois, doutor Benê foi ao barbeiro e este lhe contou que o “padre” havia cortado seus cabelos por duas vezes lá.
– Eu achei que ele é um sacerdote muito abençoado, pois é calmo e muito educado! – disse ao doutor Benê.
– Ah, mas ele não é sacerdote. É apenas o apelido dele! Realmente, ele esteve em um seminário, mas não prosseguiu! – explicou doutor Benê.
O homem engoliu em seco e ficou chateado. Doutor Benê percebeu e evitou aumentar o assunto. Chegando em Tatuí, comentou com o Edson a respeito de sua conversa com o barbeiro e que havia esclarecido a situação.
Edson achou melhor não ir mais cortar seus cabelos por lá, pois formou-se uma situação constrangedora.
E o tempo passou.
Pouco tempo atrás, Edson foi a Boituva almoçar no Gauchinho, que fica a poucos metros daquela barbearia. Ao atravessar a rua, o barbeiro, percebendo quem era, falou bem alto:
– Ei, vai dar o cano aí também?