Os jovens, a verdade e a era da incerteza





Alethea, em grego, significa “verdade”. Em diversas línguas, entre elas o inglês, é também um nome feminino cujo significado se revela bastante forte. Uma operação policial recente foi batizada Aletheia (com “i”), a exemplo de outras investigações, ora inspiradas na língua grega, ora em Platão ou na mitologia. Esse título serviu como codinome de uma ação mantida em segredo até ser deflagrada.

Há um nítido contraste entre dois lados, sendo um a taxa de desemprego que se aproxima de 20% entre jovens em idade de trabalhar ou procurar serviço (18 a 24 anos) ou até subemprego. Trato dos que necessitam trabalhar. Dividem agora com suas famílias, desde cedo, o sustento e ajudam dentro de casa, especialmente entre os chamados “três milhões que ascenderam à classe média”, bordão com que maquiaram uma realidade sem ter sustentação mais profunda e com frágil prazo de validade, fora as panaceias sociais que já começam a cambalear. “O sonho acabou, quem não dormiu no ‘sleeping-bag’ nem sequer sonhou”, cantou Gilberto Gil em sua melhor fase. O outro lado da moeda é a deterioração da sociedade por mais do que uma simples radicalização, há uma polarização que tende a assumir contornos de embate único entre dois lados, e só eles. O senso crítico foi para o espaço, porque polarizações são cegas, corrompem mentes e criam patrulhas. E o clímax desse fenômeno são o descrédito e o ceticismo que pairam sobre todas as instituições republicanas. 

Temos uma “contribuição sindical” (no Brasil, contribuição não quer dizer em primeiro lugar colaboração, como em inglês, e sim tributo) disposta entre artigos 578 a 610 da CLT de Getúlio Vargas, inspirada na “Carta del Lavoro” de Mussolini. Taxam-se com essa “contribuição” todos os trabalhadores empregados, quer sejam ou não sindicalizados em suas categorias, pois é livre a associação sindical no país (art. 8º da Constituição Federal). Boa parte do que é arrecadado vai para as centrais, federações e confederações, e sustenta alguns grupos poderosos que apoiam, desde que governantes defendam a manutenção dessa verba por interesse político. Esse grupo será um dos principais atores a partir de agora.

Do outro lado, os que acham que têm o direito de se manifestar sobre seu futuro da forma que entender correta, longe de patrulhamentos. Difícil será evitar os embates e mesmo combates de consequências imprevisíveis em uma massa cada vez mais revoltada. O balão de ensaio será neste domingo, 13 de março, dia de manifestações.

Essa crise sem precedentes recai com grande vigor sobre aqueles a quem foi oferecida a ilusão e o sonho de repartir o “biscoito fino” social: os mais pobres ou menos favorecidos. Os que cederam ao “canto da sereia” e se veem na iminência de se chocarem contra os penhascos, tal como a Lorelei fazia com os pescadores dos barcos nas reentrâncias dos rochedos do rio Reno. O som do vento, principalmente na parte alemã do rio (que atravessa seis países) cria uma espécie de canto sensual, cuja “prima donna” os navegantes pensavam ser uma linda sereia, e em busca dessa visão inebriante iam de encontro aos rochedos, espatifando-se. Agora, desculpe-me o Raul Seixas (na verdade, é um pensamento de Mao-Tsé-Tung, ideologias à parte): o sonho que se sonhou junto não se tornou realidade, “foi tudo ilusão passageira, que a brisa primeira levou” (Chico). Vivemos a “Era da Incerteza”, livro de John Kenneth Galbraith (1977), que recomendo.

Eu tinha 18 anos de idade e um Fusca que dividia com minha irmã – ela de dia, para ir à faculdade, e eu à noite ou fins de semana. Saindo com amigos, exatos oito meses depois de obtida minha carteira de habilitação, envolvi-me em um acidente em um cruzamento em Ipanema. Um carro acertou em cheio meu Fusca, e eu praticamente derrubei um pequeno muro em um predinho de esquina enquanto o outro veículo foi parar encostado em um poste, de lado. A cena, inicialmente, parecia trágica. No entanto, ficamos aliviados porque apesar de ferimentos leves (“por intercessão divina”, diriam muitos), não houve vítima fatal. Isso, claro, levou a um processo na Justiça, após passagens para depor na Polícia Civil, consequência natural que apuraria eventual dolo para uma das partes. Ao receber a intimação, fiquei apreensivo com o aviso de que deveria comparecer, e se não o fizesse haveria “condução coercitiva”. Meu pai havia sido secretário de imprensa da Presidência da República e à época do acidente – e até se aposentar – era oficial de distribuição da Justiça do Rio de Janeiro. Ele dava o exemplo, então nada o faria tentar um “pulo do gato” – mesmo porque esse costume era privilégio da repressão na ditadura Médici, que imperava à época -, até hoje costume arraigado ao interminável leque de vícios brasileiros, como a “carteirada”. Eu era – e sou – um cidadão comum, e fui à audiência prestar depoimento espontaneamente, evitando a “condução”. Ambas as partes terminaram absolvidas, e o velho juiz arrematou a sentença com uma frase poética: “Não se deve jogar pedras no caminho da juventude, e sim flores”. É nosso dever abrir estradas para o futuro dos jovens, cuidar de mostrá-los opções, e trazer-lhes a paz, não como sinônimo de acomodação, e sim a espada – não a da luta, mas a da justiça, a exemplo das palavras de Cristo (Mateus, 10:34). A história se arrasta com enorme lerdeza, e nossas vidas são muito curtas para nossa missão. Como cantou angustiado George Harrison em “My Sweet Lord”: “Mas demora tanto tempo, Senhor”!