Na semana anterior, este espaço tratou sobre a violência doméstica, observando de maneira geral a situação do país, mas com alguns aspectos relativos ao município.
Na mesma semana, coincidentemente, a Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo divulgou os números de registros de estupros em Tatuí, os quais também indicaram aumento.
Mais detalhadamente, apresentou-se estudo sobre os principais motivos a levarem muitas mulheres, mesmo sofrendo agressões, a seguirem com seus parceiros. A principal razão, segundo a avaliação, é o chamado “relacionamento abusivo”.
Basicamente, esse processo mantém a mulher como uma “refém emocional” do homem, levando-a crer que depende dele e, entre outras consequências, que seria a própria culpada pela violência sofrida…
Disso para outros tipos de abuso ainda mais cruéis e covardes não custa muito, chegando aos estupros – quando não aos crimes de morte. Este último não ocorreu em Tatuí, mas, em compensação, no ano passado, mais ocorrências do primeiro acabaram registradas.
Conforme a SSP, houve aumento de 48,84% nos casos em 2023, em comparação ao ano anterior. Somente em dezembro, foram 64, frente a 43 no mesmo mês de 2022.
Os crimes sexuais registrados em Tatuí contra as vítimas com até 14 anos e que, portanto, não têm condições de consentir ao ato – o chamado estupro de vulnerável -, aumentaram 42,11%, de 38 em 2022 para 54 no ano seguinte.
Em nota solicitada pelo jornal O Progresso de Tatuí, a pasta afirmou que “o crime de estupro é o que tem o maior índice de subnotificação” e “o aumento de registros indica que agora as vítimas possuem mais confiança para procurar a polícia e denunciar os agressores”.
Ainda de acordo com a pasta, o crescimento de registros desse crime ocorreu em todo o estado de São Paulo. Em 2023, houve 14.504 estupros, contra 13.240 no ano anterior, contabilizando aumento de 9,55%. Contra vulneráveis, o crescimento chegou a 8,40%.
Para a pesquisadora da Organização Não Governamental (ONG) “Sou da Paz” Mayra Pinheiro, “apesar de o crescimento das notificações ter impacto na mensuração de crimes sexuais, é necessário que gestores, tanto do estado quanto de municípios, invistam com seriedade em políticas públicas baseadas em evidências preventivas e educativas contra a violência sexual”.
Em nota, o instituto indica que o ano de 2023 foi marcado pelo crescimento recorde dos casos de estupros em geral – pela primeira vez, ultrapassando, no estado, 13 mil em 12 meses.
“É sabido que esse crime afeta prioritariamente pessoas vulneráveis – crianças ou pessoas sem condições de se defenderem. Além disso, geralmente, acontece entre pessoas com relação de proximidade e no âmbito doméstico”, observa.
“E, justamente por sua complexidade, demanda um conjunto de ações que envolvem diferentes pastas, como educação, saúde, assistência social e segurança pública”, sustenta a ONG.
Para a SSP, além da maior confiança para efetivar as denúncias, uma das explicações para o aumento dos casos nos últimos anos se deve à “conscientização das vítimas”.
Além disso, afirmou que “a DDM está integrada em outras esferas governamentais, participando de operações nacionais e mantendo parcerias com a Secretaria de Políticas para a Mulher”.
Observou, ainda, que grande parte das vítimas dos crimes são menores vulneráveis. E corroborou com a afirmação de que os casos ocorrem, na maioria das vezes, em contexto privado, praticados por pessoas conhecidas.
Contudo, a pasta destacou que, para combater os crimes, o estado oferece 140 unidades territoriais da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM). Além disso, há a DDM online dentro da plataforma da delegacia eletrônica, no www.delegaciaeletronica.policiacivil.sp.gov.br.
No entanto, no site, só é permitido o registro de casos de violência doméstica. Para os de estupro, a vítima tem de comparecer em uma das delegacias do município. Em Tatuí, o atendimento presencial ocorre na Delegacia da Mulher das 8h às 18h. Após o expediente, acontece na Delegacia Central.
Uma das ações também criadas para combater a violência contra a mulher é o “S.O.S. Mulher”. Desenvolvida pela Prodesp (empresa de tecnologia do estado) e administrada pela Secretaria da Justiça e Cidadania, a plataforma www.sosmulher.sp.gov.br tem como principal objetivo apoiar mulheres em situação de vulnerabilidade, com conteúdos sobre segurança, saúde e independência financeira.
Em Tatuí, o Botão do Pânico é o aliado das mulheres que sofreram algum tipo de violência e têm a medida protetiva concedida pela Justiça. O aplicativo é instalado no celular da vítima e, caso o agressor não mantenha distância mínima garantida pela Lei Maria da Penha, pode-se acionar a GCM por meio do dispositivo.
Para usá-lo, a interessada deve baixar a ferramenta, de forma gratuita, pelas lojas virtuais Google Play e App Store. O cadastro dos usuários se dá por meio da Justiça Restaurativa, que fornece as informações do banco de dados das ações protetivas.
As medidas são impostas após a denúncia de agressão, cabendo ao juiz determinar a execução desse mecanismo em até 48 horas após o recebimento do pedido da vítima ou do Ministério Público.
Apesar de não haver um painel indicativo específico de casos de violência contra mulher em Tatuí, o aumento pode ser observado pelos números de boletins de ocorrência registrados na Delegacia Central.
A advogada Ana Lúcia Camargo Oliveira Villar reforça que, na cidade, vítimas de violência contam com o apoio e proteção da Justiça Restaurativa.
No entanto, observa que a população, por falta de conhecimento, entende que o órgão “restaurativo” atua somente em casos em que a mulher já tenha sofrido agressão física. Ela esclarece que, por meio dos conselhos, é possível ampliar esse conhecimento, para que não se chegue ao estágio de violência extrema.
“A vítima é encaminhada à Justiça Restaurativa com a efetivação da violência física, mas o órgão age como medida protetiva atuante, contando com uma equipe multifuncional, que orienta sobre a violência psicológica que envolve os problemas femininos”, acentua.
A advogada tem plena razão ao ressaltar a importância da informação para a defesa da mulher – em última instância, até de sua própria vida. Infelizmente, nem todos os órgãos de segurança compartilham dessa convicção, sendo praticamente indisponibilizadas mais informações sobre os crimes contra elas em Tatuí – a pretexto de sigilo.
Óbvio que nenhum veículo de comunicação minimamente responsável tem interesse em expor as vítimas, mas resguardar as informações da comunidade, na prática, acaba favorecendo justamente os agressores, a partir do desconhecimento sobre seus crimes.
Por este motivo, aliás, o jornal teve de procurar a Secretaria de Segurança do estado para se manifestar a respeito – o que denota o tanto a ainda se conscientizar localmente sobre as formas mais contundentes de combate à violência contra as mulheres – entre as quais, a informação ampla, clara e irrestrita, como sempre, é uma das melhores.