Claudia Saad *
Bem se expressa o pedagogo Rubem Alves quando diz que o saber sem prazer é como a comida sem sabor. Vem dele a inspiração desta metáfora que envolve escritores e cozinheiros: “Só aprende quem tem fome”. Por certo, alguém comeria uma refeição que não lhe desperta o paladar com pouca motivação. Arrisco dizer que, da mesma forma, alguém ficaria entusiasmado em provar algo que lhe estimule outros sentidos, como o olfato ou a visão – talvez daí venha a expressão “comer com os olhos”.
Curiosa pelas novidades da cozinha, li dias atrás sobre a neurogastronomia e um estudo sobre como o cérebro estabelece o gosto – apontando, inclusive, que os fatores sociais influenciam nessa percepção. Mágico, não é? Um convite a pensar sobre quanto da relação “saber e sabor” está presente no ato de aprender. Afinal, aprendemos o tempo todo e aprendemos mais e de forma mais significativa e duradoura quanto mais encantados e provocados a experimentar e “saborear” estivermos.
Vamos refletir sobre um momento bem específico desta relação… a volta às aulas. Quem teria animação em voltar às aulas se não espera ter experiências agradáveis sobre o ensino? Quem de nós retomaria a essa rotina após dias cheios de tranquilidade, liberdade e despreocupações? Com certeza, para que tenhamos motivação e vontade de retomar essa rotina, precisamos de muitos estímulos.
Para que o retorno ao ano letivo seja prazeroso a pais, crianças e educadores, é necessário haver preparação de todas as partes. Diria que o planejamento dos professores para as primeiras semanas de aula seria o ato de aguçar o paladar dos alunos. Um envolvimento mútuo, que inclui responsabilidade e criatividade. Uma boa dose de participação coletiva que acrescentará um tempero especial ao ensino, despertando o sabor do aprendizado logo nas primeiras aulas do ano. Começar bem um prato não é garantia de sucesso, mas já nos dá uma boa perspectiva de que teremos algo delicioso para provar no final.
Pensando assim, o cuidadoso planejamento deste retorno, a escolha dos melhores ingredientes, os mais coloridos, mais saborosos para essa retomada, requer preparação, cuidado e muito amor. A escola inicia esse processo muito tempo antes. Enquanto os alunos ainda estão curtindo suas férias, a equipe de gestores precisa se mobilizar a fim de receber seus professores e organizar as primeiras receitas (semanas de aula); criar um ambiente acolhedor e prazeroso, pensar no cardápio do ano e escolher os melhores elementos para produzirmos os pratos saborosos.
Da mesma forma, do outro lado, os pais e alunos devem se dedicar à preparação para uma nova rotina, diferente da falta de rotina das férias. Todos engajados na cerimônia e nos preparativos para tornar a ocasião a mais especial possível. Importante também nesse contexto é o papel da família em amenizar as dificuldades que os meninos e meninas enfrentam no retorno ao ano letivo. É verdade que, nas férias, não é conveniente impor-lhes os estudos. É momento de relaxar, conhecer lugares e pessoas, fazer novas descobertas. Porém, com a proximidade da volta às aulas, é preciso ficar atento para que a rotina de férias seja, sim, flexível, mas não imprópria.
O sabor prazeroso do saber é uma responsabilidade de todos os envolvidos no processo de construção do conhecimento. Esse conjunto determina o rito de preparo dos pratos e sua forma de apresentação à mesa. Do começo ao fim do ano letivo é necessário que os participantes da produção do saber estejam comprometidos. Só assim, a escola será mais do que prédios, salas, quadros, programas, horários e conceitos. A escola será, sobretudo, gente. Gente que trabalha, que estuda, que se alegra, se conhece e se estima. Gente que tem fome de “descobrir”, ávida por sentir o sabor agradável da educação.
* Coordenadora pedagógica do Sistema Positivo de Ensino.