O japonês de Hiroshima e a comida por quilo

Mouzar Benedito *

Quando morava em Campinas (SP), eu costumava almoçar quase todos os domingos num restaurante pequeno, bom e barato, em que o dono tinha o maior prazer em preparar a comida.

Um dia, ele chegou à mesa em que eu e um grupo ocupávamos e falou com cara triste que só aos domingos ia ter comida “à la carte”, porque muitos clientes vinham reivindicando que ele transformasse seu estabelecimento num restaurante de comida por quilo. Estava triste por isso.

Gostava de preparar cada prato com dedicação, para entregar ao cliente uma comida especial.

Mais uns domingos, lá veio ele, de novo, com a cara mais triste ainda. Naquela semana, um sujeito foi se servir e chegou com um prato para ele pesar. No mesmo prato, misturou lasanha, feijoada e peixe. Ficou horrorizado e decidiu fechar de vez o restaurante. No domingo seguinte não nos serviria mais. Fecharia naquela semana mesmo.

Muita gente acha estranho, de mau gosto, misturar todo tipo de comida no mesmo prato. Mas o que vou contar aqui, e tem um pouco a ver com isso, é sobre um sobrevivente da bomba de Hiroshima.

Não que ele estivesse na cidade quando os gringos lançaram a bomba atômica: era jovem e tinha viajado às vésperas para Tóquio, onde iria estudar. De todo mundo com quem se relacionava, sobraram só ele, a irmã e o cunhado.

Já tinha quase 90 anos numa das vezes que veio ao Brasil. Foi quando conheceu esse tipo de restaurante, e achou uma maravilha. É que ele tinha uma espécie de guru, de quem seguia orientações até para se alimentar. E esse guru lhe disse que ele tinha que comer no mínimo 30 tipos de comida por dia. Podia ser só pouquinho de cada uma.

No Japão era difícil fazer isso. Era sopa de peixe no café da manhã, peixe ou outra carne, arroz e legumes em cada refeição.

Comia frutas também, mas juntar 30 tipos de comida por dia era muito difícil.

No Brasil, só no café da manhã já comia frutas bem variadas, café com leite, pão, manteiga, geleia… Uns dez tipos de comida ou mais. No almoço, no restaurante por quilo completava as 30 e até ultrapassava. Uma rodela de tomate, uma folha de alface, poucas ervilhas, um pedacinho de palmito, arroz etc.

Antes de jantar, já tinha completado sua cota.

Então, ruim ou péssimo para uns, ótimo para outros, né?

* Escritor, jornalista e contador de causos


Livros do Mouzar Benedito pelas editoras Boitempo, Limiar e Terra Redonda.

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