José Renato Nalini *
Num país em que à maioria não se propiciou a educação de qualidade a que todos os humanos têm direito – é preceito constitucional – fica difícil conceituar o que seja um intelectual.
Recorro a Umberto Eco, para quem é fácil constatar um debate entre intelectuais profissionais – ou que assim se autoproclamam – mas é difícil observar o verdadeiro exercício da função intelectual.
Mesmo porque, praticamente impossível definir “função intelectual”. “Esta consiste em distinguir criticamente aquilo que se considera uma aproximação satisfatória do próprio conceito de verdade – e pode ser exercida por qualquer um, até mesmo por um marginal que reflete sobre sua própria condição e, de alguma maneira, a expressa, do mesmo modo como pode ser traída por um escritor que reaja aos acontecimentos de modo passional, sem impor a si mesmo a decantação da reflexão”.
Como se ouve uma ladainha de absurdos nestes dias polarizados! Proferida por doutores, pós-doutores, pensadores consagrados. Numa ideologização fanática, reiteram argumentos, dão como verdadeiras afirmações inconsequentes propaladas pelas redes – manipuladas por quem está diretamente interessado no futuro próximo da República. Não se pejam de propalar leviandades.
Quando a função insubstituível do formador de opinião “é justamente escavar as ambiguidades para trazê-las à luz. O primeiro dever do intelectual é criticar os próprios companheiros de estrada (‘pensar’ significa representar o papel do Grilo Falante). Pode acontecer que um intelectual escolha o silêncio porque teme trair àqueles com quem se identifica, pensando que, apesar de seus erros contingentes, eles perseguem, no fim das contas, o bem máximo para todos”.
Essa é uma escolha confortável, mas trafica. É feita por aqueles que “pensavam que não se pode barganhar a lealdade com a verdade. Mas a lealdade é uma categoria moral e a verdade é uma categoria teórica”.
Os intelectuais têm uma obrigação moral de se posicionarem. Essa opção é inafastável. Quem se cala, perante o dever de tentar aclarar as dúvidas de quem acredita nele, peca gravemente. Não existe céu para o pusilânime ou para o falso. E é por isso que o inferno está repleto de intelectuais.
* Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022.