Esta história faz parte do nosso futebol amador. Tatuí sempre teve vários times (e ainda tem), cada qual em um bairro. Tinha, por exemplo, o “Vermiculite”, “Itaperí”, “Pindorama”, ”São Cristóvão”, “Jaboticabal”, “Valinho”, “Ferroviário”, “Acadêmica”, “Primavera”, “Mangueiras”, “Tiro de Guerra”, “Alpargatas”, “Corintinha”, “São José”, “Operário”, “Turma X” etc.
Acontece que, nesse tempo, coisa de 50 anos, havia um time bastante diferente dos outros: tratava-se do “Paulistinha”. Seu elenco era composto por jogadores vindos de todos os outros times da cidade, uma verdadeira seleção.
Jogador se desentendia com seus pares ou com o juiz ou o dono da bola, não dava outra: se apresentava no Paulistinha… e arrumava uma vaguinha. Era só falar com o Chico Vaca ou o Gino, que eles, generosamente, davam um jeito!
Era muito popular esse time; jogava em amistosos em todas as cidades da região: Guareí, Torre de Pedra, Cesário Lange, Porangaba, Capela do Alto, Bofete. Enfim, o Paulistinha não tinha parada, tinha partida.
Todo domingo, a reunião dos atletas acontecia na Concha Acústica, a partir do meio-dia. Muitos dos esportistas deixavam de ir ao jogo porque faltava condução. Às vezes, faziam uma vaquinha e pagavam para o Atacílio levar a gentarada, em seu caminhão, até o local do encontro esportivo.
Atacílio também jogava no time, era o impenetrável goleiro. É bom notar que, nesse tempo, o jogador não ganhava nada para participar; chegava a pagar, como nesse caso, de alugar a condução.
Na vizinha cidade de Porangaba, havia um bairro (talvez ainda exista) chamado Serrinha, onde o campo de futebol era bastante ruinzinho, tinha até cupim no meio e muita “tiririca”, uma praga de capim e político.
Mas, o time era teimoso, não gostava de perder. Quando começava a perder, estendia o jogo até, no mínimo, empatar, mesmo que avançasse noite adentro.
Foi nesse clima que o Paulistinha aceitou participar de um amistoso, num ensolarado domingo à tarde. E lá foram os jogadores tatuianos empoleirados no caminhão, com poeira até os olhos.
Começa a peleja: no primeiro tempo, tudo bem, tudo calmo, 0 a 0; intervalo para descansar e tomar umas talagadas. Começa o segundo tempo e, no final… pênalti… Alguém dá uma botinada na canela de um jogador “pé vermeio”. Já era finalzinho de jogo, tudo calmo, e o esperto juiz faz de conta que não viu.
Como não viu? O tatuiano sai com a canela toda torta. Ameaça de briga, discussão, empurra-empurra… E o juiz, amedrontado, confirma o pênalti. Clima de guerra, quem chutaria a gol? Pedro Corvo! Só que ele queria chutar a gol mesmo, não queria fazer de conta pra acabar tudo bem.
Vai daí que o dono do time e também dono da “venda” que ficava ao lado do campo do Serrinha entrou na parada e disse para o Pedro:
– Se o meu time perder, não tem cerveja e não pago a “joia” (dinheirinho utilizado para ajudar na condução e para mandar lavar os uniformes).
Nova ameaça de briga, empurra-empurra e discussão.
Pedro, muito bravo, joga a bola no chão e desiste de cobrar o pênalti:
– Para o bem das cidades e para a felicidade geral dos times, digo aos jogadores que desisto!
Foi, então, escolhido outro batedor, o Chicão, irmão do Gino, que, mais politizado, fez corpo mole e chutou a bola muito fora do gol, fazendo-a cair no meio de uma centena de pés de mamonas (que nesse tempo não eram assassinas).
O dono da venda, do campo e do time ficou contente, pagou a joia e ainda deu uma dúzia de cervejas quentes para a galera. Ficou bom para os dois times e para o Chico Vaca, que levou uns trocados para os “pés vermeios”.
Quem jogou nesse dia? Lembro-me de alguns: Marcial, Nedino, Flávio, Batata, Breda, Gordinho, Miltinho, Corrêa, Gino, Pedro Corvo, Chico Vaca e Paçoca; na substituição, Virgilio e Coró.
“Em jogo de futebol, só não pode mexer no bolso do cartola, o resto pode tudo.”