Semana passada, fui procurado por uma repórter de um jornal de Brasília para falar sobre um certo “novo folk” brasileiro. Aproveito para estender mais o assunto e repassar ao leitor meus pensamentos. O “folk” americano tem letras típicas de canções de protesto, como “Blowin’ in the Wind”, de Bob Dylan, ou histórias de fatos ou personagens, como “Joe Hill”, de Joan Baez. São simples melodias e harmonias, seguidos por instrumentos como violão de 6 ou 12 cordas e gaita de boca, principalmente. “Folk music” refere-se à música folclórica norte-americana, e, assim como nos EUA, em cada lugar e época a seu modo, o gênero está presente na cultura de todos os povos, como parte de seu folclore (de “folk lore”: “sabedoria do povo”), e abrange toda uma cultura em seu sentido mais amplo: tradições culinárias, artesanato, arte, causos e estórias, lendas, mitos e superstições. Villa-Lobos pesquisou a música folclórica brasileira (exemplo é seu “Guia Prático”, canções por ele coletadas), e assim como ele, o húngaro Bela Bártok (1881-1945), recolhia músicas de camponeses para inspirar suas criações clássicas. Já esse “folk” norte-americano de que se fala foi um ressurgimento, em pleno século 20, de práticas do passado, executadas com voz, kazoo (instrumento rudimentar de sopro), tábua de lavar (“washboard”), harmônica de boca, banjo e violões de 6 ou 12 cordas. Esse renascer da música “folk” dos anos 1960 é conhecido como “segunda onda”, e representado por Bob Dylan, Joan Baez, Arlo Guthrie (filho de Woody Guthrie, vovô “folk” dos anos 1920). Essa “segunda onda” tinha um pé dentro do “pop” e do rock’n’roll, tendo conquistado grande projeção pela repercussão mundial do histórico festival pop de Woodstock (1969).
Há até quem procure alguma possível influência desse novo “folk-rock” sobre nosso “sertanejo”. De início, é preciso fazer uma distinção básica sobre de qual sertanejo falamos: seria o sertanejo de raiz ou o “sertanejo” urbano, gestado a partir das construções paulistas, principalmente, e que é uma mistura de influências caipiras, nordestinas e da Jovem Guarda, com direito a “banho de loja” norte-americana: cinto de fivelão, bota decorada, jeans de grife e chapéu de caubói do Texas. Se no sertanejo caipira não há nada, no “sertanejo da TV”, há pouco a ver com o “folk” americano.
Conheci Almir Sater e sou dele grande admirador. É uma pessoa culta, chegou a estudar direito, não é um primitivista (“naïf”): faz uma música suave, bem feita, canta bem, traz na bagagem o folclore brasileiro e mesmo latino (como quando canta guarânias, como “Chalana”), gênero do vizinho Paraguai, perto de seu Mato Grosso do Sul. Usa uma “pitada” da cultura musical americana cá e lá, não muito mais do que isso. Tinoco conheci também aqui em Tatuí, em 2011, e era uma pessoa agradabilíssima que ainda fazia shows, apesar da idade avançada. Quando a dupla Tonico e Tinoco era viva, duvido que tivessem sequer ouvido falar em Joan Baez, Bob Dylan e trupe. A dupla sempre foi castiça, mais ligada ao chão de barro, à porteira da fazenda e à moda de viola paulista. Trabalharam juntos por mais de 60 anos – muito antes, portanto, desse “new folk” norte-americano.
O “sertanejo universitário” é um gênero tipicamente urbano e de classe média, e sofre influência direta da chamada “country music”, porém muito pouco do que podemos entender como “folk”. O “universitário” tem apenas alguns ingredientes folclóricos das tradições de certas regiões sulinas dos EUA (na Georgia de origem, Texas e Louisiana, entre outros). O “country” empregava “fiddles” (violinos rudimentares) e, mais tarde, violinos modernos, gaitas de boca e o “slapping bass” (contrabaixo acústico tocado com o músico percutindo a mão direita sobre as cordas). O gênero vem desde Jimmy Rodgers (anos 1920), depois Roy Acuff e o lendário ator Roy Rogers, caubói cantador, surgidos um pouco antes dos anos 1940 – portanto, mais uma vez, muito antes do “folk” dos tempos de Woodstock. A influência da “country music” sobre o sertanejo universitário é óbvia, principalmente a terceira geração do “country”, que veio na esteira do cantor e apresentador de TV Johnny Cash.
No Brasil, Sá, Rodrix e Guarabira (depois a dupla Sá e Guarabira) tinham algo a ver com a “folk music” de raiz, aquela coisa campesina, a singeleza, melodias simples e lindas como “Casa no Campo”, imortalizada por Elis Regina. Apesar disso, acredito que era apenas por inspiração, sem vínculo maior com o “folk” americano. Talvez a novíssima Paula Fernandes seja mais “folk”, aliada ao melhor “brega” americano, como o excelente The Carpenters, e faz com que a imagem da lendária Karen Carpenter surja em sua voz simples, suave e sedutora. Até os cenários de Paula lembram Karen, como quando canta sentada em um balanço sustentado por cordas ornadas com flores.
A música popular universal torna-se cada vez mais vulnerável a influências daqui e dali, com o advento de mídias e tecnologias como a TV e a internet. Por isso, a nova onda do “folk” brasileiro, como nas bandas “Doutor Jupter” e Vanguart, observa as características instrumentais de origem da “country music” e guardam influências do “folk” americano. Trata-se, no caso, de transposições (como diria Mário de Andrade) à nossa música. Mas são interlocuções sadias, juvenis, bem-vindas, em contraposição ao que toca nas ruas e lares, principalmente nos finais de semana, nas TVs abertas, que abrem alas para passar em sua sala sem lhe pedir licença.