Talvez o ódio não seja decisivo nas eleições

A ideia de se posicionar “contra tudo isso que está aí”, há dois anos, acabou sendo determinante ao sucesso eleitoral não apenas do presidente Jair Bolsonaro, mas de toda uma plêiade de então candidatos que souberam tirar melhor proveito do ódio em ebulição entre os eleitores.

Ódio à crise econômica, que extinguiu as poucas conquistas materiais de grande parte da população; ódio à corrupção, que dilapida os recursos públicos, e, assim, também empobrece ainda mais a nação.

Ainda, um ódio artificial a inimigos imaginários, particularmente a uma alucinante conspiração “esquerdista” global, pronta a dominar o mundo por meio da educação, da cultura, das ONGs, do meio ambiente e, até – incrível! –, dos direitos humanos…

Daí, muito provavelmente, toda a aversão ainda resistente a essas áreas – o que permite, inclusive, o Pantanal queimar sem maiores protestos da população.

Para completar a receita de desagregação – senão de degradação – a envenenar não só a sociedade em geral, mas a própria democracia, conseguiu-se o impressionante mérito de se convencer grande parte da nação de que a imaginária conspiração tinha por objetivo maior “destruir as famílias”.

Em que pese o fato de todo ser humano ter “família” – independentemente de sua religião, raça, preferências ideológicas e sexuais -, o desejo de punir o PT (maior responsável pela crise econômica) junto à crença equivocada de se estar defendendo os interesses maiores da nação e da família “tradicional” acabaram por unir boa parte das denominações de fé e das Forças Armadas em favor de um projeto político baseado no ódio.

Interessante – no mau sentido – é o fato de todo esse movimento ocorrer em nome “do bem”, como se fosse algo verdadeiramente “bom” – ou “cristão” – pouco se importar com a homofobia, com o racismo, com a misoginia, com o xenofobismo e, entre outros “ismos”, por fim, com a morte antecipada de dezenas de milhares por um vírus inesperado – senão incentivar tudo isso com gritante e oportunística omissão.

Mas, a política é pragmática e, assim, costuma atentar muito mais para as tendências do momento que pelo tal “bem comum”. Não que ela seja necessariamente “do mal” (até por ser isto ilusão de imberbes inocentes), apenas que, pela vitória, vale (quase) tudo.

Neste contexto, as tais fake news se tornaram os maiores instrumentos de trabalho da então política bem-sucedida, habilmente disseminadas pelas redes sociais. E o ódio, então, atingiu o ápice e parece ter colhido suas maiores maçãs envenenadas.

Pelo menos, isto a se considerar recente pesquisa da Ipsos, pela qual um antídoto contra o ódio vislumbra-se para o futuro próximo – talvez…

A Ipsos é uma empresa de pesquisa de mercado independente, presente em 90 países. A companhia, que tem globalmente mais de 5.000 clientes e 18.130 funcionários, apura dados e análises sobre pessoas, mercados, marcas e sociedades.

Maior empresa de pesquisa eleitoral do mundo, ainda atua nas áreas de marketing, comunicação, mídia, “customer experience”, engajamento de colaboradores e opinião pública.

“A Ipsos avalia o potencial do mercado e interpreta as tendências. Desenvolve e constrói marcas, além de testar publicidade e medir a opinião pública ao redor do mundo”, segundo divulga.

A Ipsos realizou a recente pesquisa para o Fórum Econômico Mundial, a qual apontou o desejo de mudança dos brasileiros – e da sociedade como um todo – para “um mundo mais sustentável e equitativo e uma vida pessoal diferente” no período pós-Covid-19.

A cada dez pessoas no Brasil, praticamente nove anseiam por uma mudança em larga escala. Assim responderam positivamente 89% dos entrevistados brasileiros frente à frase: “Eu quero que o mundo mude significativamente e se torne mais sustentável e justo, em vez de voltar a ser como era antes da crise de Covid-19”.

O estudo foi conduzido com 21 mil pessoas, a partir de 28 países. Globalmente, 86% querem um mundo diferente ao fim da crise sanitária.

As nações cujos participantes mais desejam mudança são, majoritariamente, latinas: Colômbia (94%), Rússia (94%), Peru (93%), Chile (93%) e México (93%).

Por outro lado, Coreia do Sul (73%), Alemanha (78%), Holanda (79%), Estados Unidos (79%) e Japão (82%) são os que menos concordam com a afirmação, embora os índices também sejam altos.

“Em consonância com o desejo de um novo mundo, mais justo e sustentável, está a vontade dos brasileiros em traçar novos caminhos na vida pessoal”, conforme declarado pela Ipsos.

Segundo dados do levantamento, 83% querem que suas vidas mudem “significativamente”, em vez de voltarem a ser como eram antes da pandemia. Na média global, 72% compartilham desse desejo.

Os entrevistados que mais querem alterações significativas são: mexicanos (89%), colombianos (88%), sul-africanos (86%), peruanos (86%) e sauditas (86%).

Já na Holanda (51%), Alemanha (51%), Coreia do Sul (56%), Japão (57%) e Suécia (57%), pouco mais da metade dos ouvidos gostariam de mudanças de vida ao fim da crise.

A pesquisa foi realizada com 21 mil adultos de 28 países, sendo mil representantes brasileiros, entre os dias 21 de agosto e 4 de setembro. A margem de erro é de 3,5 pontos percentuais.

Diante dos números, fica um alerta aos novos cruzados da política, que já conquistaram grandes territórios na base da estratégia de terra arrasada pelo ódio – de que o horizonte pode estar mudando –, tal como uma esperança a quem, realmente, busca viver mais comprometido com a paz, a justiça e o bem-estar. Em um mundo, afinal, mais familiar!

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