Surdos de Tatuí vivem isolados por falta de pessoas que ‘sabem Libras’

Assistidos por entidade dependem de disseminação de ensino de linguagem de sinais para ter autonomia

Pouco mais de 0,25% da população de Tatuí não fala utilizando sons. Embora com limitação física, os surdos do município – estimados em, aproximadamente, 300 pessoas – não têm problemas em se comunicar, conforme explicou a professora de Libras (Língua Brasileira de Sinais) Eleonides Bertolaccini.

Tili, como é conhecida, revelou que o problema vivido em Tatuí pelos surdos, no momento, é outro. Depois de anos ensinando a comunicação por sinais – para deficientes e não deficientes –, ela viu o número de pessoas habilitadas em Libras aumentar. Mas, não em número suficiente para garantir o direito de livre expressão e a comunicação dos surdos em sua plenitude.

A professora argumentou que a cidade “não está falando a mesma língua que os surdos”. “Nem dentro de casa eles se comunicam. Os surdos falam, por sinais, mas dentro das comunidades deles. O que falta é Tatuí se comunicar com eles. Faltam pessoas habilitadas para esta interação”, destacou.

Uma das fundadoras da AST (Associação de Surdos de Tatuí) “Lúcia Arruda Bertolaccini”, Tili leciona Libras na cidade há oito anos. O trabalho começou em 2009, quando ela formou a primeira turma. Gerou, como frutos, a ampliação da entidade, uma das várias frentes de disseminação de Libras. Em Tatuí, há turmas específicas formadas, ainda, por denominações religiosas.

O resultado é que, conforme a professora, grande parte – senão a totalidade – dos surdos mapeados pela instituição está habilitada em Libras. A própria AST atende a 200 pessoas com deficiência. Outras cem estão espalhadas pela cidade. Todas, no entanto, não conseguem se expressar como gostariam.

De acordo com a professora, faltam pessoas preparadas para se comunicar com os surdos em vários setores. As dificuldades vão desde as consultas médicas, na rede municipal e particular, até para depoimento em audiência no Judiciário.

Tili sustentou que a escassez de pessoas habilitadas em linguagem de sinais abrange não só os serviços públicos. “Não necessariamente. Nas lojas, supermercados, farmácias ou empresas da cidade não existem pessoas que possam entender o que os surdos que falam Libra estão dizendo”, alegou.

Neste ponto, a deficiência “troca de mãos”. Passa do surdo, que consegue falar Libras, para a pessoa que atua na prestação de serviços, em repartições particulares ou públicas, mas é muda do ponto de vista da língua de sinais.

Segundo a professora, a questão é tão séria que as empresas obrigadas a contratar pessoas com deficiência têm dificuldades em realizar processos seletivos. O entrave causa ainda mais transtornos para os surdos, que, sem conseguirem ser entendidos pelo recrutador, perdem posições no mercado de trabalho.

“O emprego é o ponto mais crucial para os surdos. Eles não estão passando necessidades em Tatuí, mas, muitas vezes, temos de tentar ajudá-los a pagar uma ou outra conta, porque eles foram dispensados do trabalho em função da crise”, contou Tili.

Como não conseguem ser totalmente autossuficientes, porque dependem da professora para passar em entrevista de emprego, os surdos perdem oportunidades.

Um dos muitos trabalhos que Tili realiza com os surdos é o auxílio no atendimento a acidentes. A professora conta que, sempre quando há uma questão envolvendo um deficiente auditivo, ela precisa ser chamada para fazer uma “ponte” entre a vítima surda e o profissional que vai realizar o atendimento.

Além de Tatuí, a professora é requisitada para atuar como intérprete de Libras por empresas de Boituva, Iperó e Itapetininga. Na maioria das vezes, como voluntária. Como a demanda é grande, Tili não consegue dar conta das solicitações. A última delas, feita por servidores do Fórum “Alberto dos Santos”.

“Tem vezes que passo o dia todo lá. Neste ano, porém, eu disse que não tinha mais condições de ir. Aí, mandaram duas pessoas para aprender Libras”, relatou.

Nos oito anos de curso, porém, Tili disse que nenhum profissional do Judiciário havia se voluntariado a aprender a linguagem, mesmo a AST tendo disponibilizado bolsas. O curso é pago para não surdos e gratuito para deficientes.

De modo geral, a procura por Libras no Brasil aumentou a partir da regulamentação da lei 10.436. Datada de abril de 2002, a legislação reconhecia a Língua Brasileira de Sinais como “meio legal de comunicação e expressão”.

Em 2005, com a regulamentação, a Libras foi instituída como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores e incluída na capacitação de servidores de órgãos públicos. A exigência passou a valer em 2006.

Em Tatuí, diversos profissionais, entre policiais civis, militares, bombeiros e funcionários públicos, já se capacitaram por meio da iniciativa da AST. A maioria deles, professores. Entretanto, Tili destaca que ainda faltam pessoas habilitadas.

“Acho que tinha de haver uma lei obrigando pelo menos uma pessoa de todos os setores da sociedade a aprender Libras. Muitas vezes, os surdos entram em lojas da cidade, só olham e vão embora sem comprar nada. Depois, me procuram e pedem para que eu escreva num papel o que querem”, contou.

Como grande parte dos surdos é humilde, eles acabam não conseguindo se alfabetizar. Segundo a professora, muitos desistem de frequentar as salas de aula por não conseguirem ter as demandas atendidas ou não entenderem os conteúdos.

Na avaliação de Tili, este tipo de problema seria resolvido caso uma proposta apresentada na Câmara Municipal tenha resultado prático. Trata-se da criação de um centro de Libras, proposto pelo vereador Miguel Lopes Cardoso Junior (PMDB), em sessão ordinária na noite de terça-feira, 6.

O parlamentar afirmou que vai sugerir ao Executivo a criação de um espaço para o ensino de Libras, visando atender à demanda das pessoas com deficiência auditiva. Junior afirmou, também, ser necessário um trabalho de diagnóstico junto aos servidores públicos, que precisariam ser capacitados.

“Temos muitas pessoas que precisam ser ajudadas, inclusive, casos graves, de pessoas sozinhas dentro de casa, que dependem da boa vontade da professora”, afirmou o vereador.

Junior acrescentou que a interlocução entre os setores do Executivo para a escolha dos profissionais a serem capacitados não exigiria investimentos. Disse, ainda, que fará a sugestão por entender que uma das principais funções dos vereadores é “melhorar a vida das pessoas”. “Ainda mais as em vulnerabilidade”.

O parlamentar deve apresentar a proposta à Prefeitura “nos próximos dias”. Na Câmara, antecipou que tem reunião agendada para tratar do tema. No entanto, não informou quando colocará o assunto em pauta.

“Não fui consultada sobre o projeto, mas acho que seria muito útil para a autonomia dos surdos. Tudo que for para o bem deles eu apoio”, declarou a professora.