Reduzir ou não reduzir





O poder persuasivo exercido pela mídia, ao martelar certas opiniões acerca de temas polêmicos, pode ser arrasador. Há de se levar em conta que veículos de comunicação de massa – TV, rádio, internet – produzem desejos, opiniões e visões da realidade, pois apresentam os fatos ou as histórias de forma mutilada e, muitas vezes, manipulada, ora pela necessidade de adequar o conteúdo às programações, ora para atender a certos interesses políticos, mercadológicos, religiosos, etc.

Suspeitar da veracidade das notícias veiculadas pela grande e tradicional mídia é vacina contra a manipulação. Um desses veículos midiáticos divulgou pesquisa de opinião na qual 87% dos entrevistados colocavam-se a favor da redução da maioridade penal para 16 anos no Brasil. Pesquisa sem explicitar a metodologia da consulta e  perguntas feitas  que induzem os entrevistados a respostas desejadas deturpam  o resultado auferido. Logo, esse número, 87%, não condiz com a verdade, pelo menos integralmente. O assunto, tão delicado e importante, não está sendo debatido de maneira equilibrada e nem relativizando prós e contras de se aprovar a redução da maioridade penal.

Pronunciamentos eloquentes de políticos e discursos calorosos de apresentadores de TV não caracterizam amplo debate tampouco equilíbrio na análise diagnóstica e prognóstica da matéria em questão. Esses monólogos de palanque e midiáticos de cunho sensacionalista e policialesco, que buscam audiência a  qualquer custo, provocam o “estouro da manada”. As opiniões  do público, em geral, motivam-se por esse fenômeno sociológico coletivo. E os políticos embarcam nesse mesmo estouro da manada na ânsia de aproximar-se do eleitorado e dos votos futuros.

Duas perguntas devem ser feitas para tentar conter o inconsciente coletivo catastrófico e escatológico. São: “Por que crianças e adolescentes praticam crimes?” e “Para que serve reduzir a maioridade penal para 16 anos?”.

Perguntas que tiram qualquer um da zona de conforto e do senso comum. Neste caso,  atacar as consequências não garante solução da criminalidade e violência no país.  Dever-se-ão discutir amplamente as causas da violência por parte de crianças e adolescentes. Haver ações governamentais mais contundentes e efetivas, propiciar condições excelentes de convívio na sociedade, contar com escolas que escolarizem de fato, produzir e divulgar arte e cultura, construir caminhos e ofertá-los para o desenvolvimento individual ou coletivo. Essas são algumas sugestões que a sociedade como um todo poderia abraçar. Um filósofo da Grécia Antiga disse algo assim: “Educar cedo para que mais tarde não precise punir”.

Num vídeo da internet, o autor de Carandiru, o médico Dráuzio Varela, comentou o seguinte: “Imagine um garoto de 16 ou 17 anos que tenha praticado crime e então é preso junto a outros presos adultos. Será abusado sexualmente, procurará proteção em alguma facção criminosa que opera naquela prisão e se tornará devedor. Quando  sair depois de alguns anos de cárcere, terá que pagar a dívida à facção e será, certamente, um criminoso mais profissionalizado”. No futuro, o problema será ainda mais  agudo. E daí? Será reduzida a maioridade penal para 12 ou 7 anos ? A solução não é cadeia, é escola. Ops… desde que os professores não apanhem da polícia.

O projeto de alteração da Constituição reduzindo a maioridade penal para 16 anos está no Congresso Nacional e quiçá a lucidez  tome conta das mentes políticas dos parlamentares engavetando essa proposta.

Seria mais pertinente dedicar esforço numa discussão aberta e democrática na revisão do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Alguns postulados do Estatuto poderiam sofrer alguma alteração a fim de atualizá-lo e ajustá-lo aos nossos tempos. Claro, com muito cuidado, ouvindo especialistas, consultando a sociedade, sob o guarda-chuva protetor chamado democracia.