Ora, raios!





Os personagens da Tatuí de tempos atrás são inesquecíveis. Parece que o tempo não passa nas conversas dos tatuianos, quando se recordam das aventuras ou desventuras daqueles que marcaram sua presença na cidade.

Conversando nesta terça-feira com o Luiz Carlos Ramos, lá em seu “Alambique dos Ramos”, lembramos de seu sogro, Eurides, mais conhecido como Oridão.

Pessoa conhecidíssima na cidade, Oridão inicialmente foi barbeiro, depois entrou no comércio com uma mercearia e, nos últimos tempos, estabeleceu um bazar na rua 11 de Agosto, quase na esquina com a Praça da Matriz, no mesmo prédio onde hoje funciona a Lotérica do Oscar Salum.

Oridão, pai do Zezo (José Roberto) e da Maria José, em seu primeiro casamento com a Amorzinho Adum, e pai da Solange, esposa do José Carlos, no segundo casamento, com dona Anésia Oliveira e Silva, trabalhava todos os dias da semana. De segunda a sábado, em sua loja, e aos finais de semana, na feira livre. Em sua pequena loja, só não fazia chover. Mas, se chovesse, coisa que detestava, ele tinha guarda-chuvas para vender.

Quando o comércio ficava parado, ele saía pelas redondezas capturando os funcionários das empresas dos quarteirões mais próximos e dava um jeito para “empurrar” alguma mercadoria. As pessoas que entravam em sua loja saiam com algum pacote. Era comerciante nato, um dos maiores amigos do Jonas Teles, da Casa dos Presentes.

Quando uma pessoa ia até sua loja buscando um determinado produto que ele não tinha, não se apertava e pedia ao cliente que aguardasse uns minutos que ele ia pegar em seu depósito. Enquanto o cliente esperava, ele corria até a Casa dos Presentes ou na Tatuí Elegante e pegava lá o tal produto. As pessoas ficavam maravilhadas com o possível estoque do Oridão em seu “depósito”. Tinha de tudo, desde que tivesse nessas citadas duas lojas. Ah, mas o cliente ele não perdia.

Quando um homem passava lá comprar uma camisa, ele colocava o tal em frente a um pequeno espelho de sua loja e, com uma das mãos, puxava por trás a camisa para que se ajustasse ao corpo.

Certa vez, ao aparecer por lá um cliente com um pescoço bastante grosso, que nenhuma gola fechava, Oridão, rapidamente, fechou a gola não com o botão apropriado, mas com o primeiro de baixo. Olhando naquele miniespelho, parecia que estava certo. O cliente comprou. Quando foi experimentar em casa e, ah… não fechou, claro. Voltou à loja reclamar, e Oridão, com ar inocente, dizia:

– Puxa! Quando experimentamos fechou direitinho! – lamentava-se frente ao cliente. – Mas a praxe da casa é não devolver o dinheiro, mas pode trocar por outra mercadoria! – completava.

De qualquer forma, o dinheiro do seu bolso não saía mais e o cliente ia embora com um pacote qualquer.

Quando chegava o Carnaval, ele era o maior distribuidor de confetes e serpentina da região. Era incrível o que esse homem vendia nos dias carnavalescos. Vendia tanto que foi com o que ganhou em abastecer os clubes da cidade e a venda avulsa de artigos carnavalescos que conseguiu comprar o prédio de sua loja. Homem batalhador.

Torcedor fanático do “Leão do Sul”, o time do São Martinho, clube do qual era diretor, ficou conhecido na cidade toda. Até a sua casa pintou de azul e branco depois que o time adotou essas duas cores. Apostava nos jogos do time, ganhando algumas vezes e perdendo em muitas outras, como acontece em todo tipo de jogo, mas sempre apostava.

Nos jogos, cada vez que o time levava um gol, nas arquibancadas todos gritavam:

– Oridão! O São Martinho levou um gol! Vai perder, Oridão! – em uma só voz, todos gritavam.

Quando os jogos aconteciam no estádio do XI de Agosto, era uma farra só, pois juntavam alguns gozadores que gritavam a cada passe errado do São Martinho, chamando o nome do Oridão. Um drible bem dado já era comemorado como se fosse um gol, com todos gritando seu nome.

Zezico, Mozart, Chico Fiuza, Geraldo Sombra, Bijulim, Ari Gordo eram alguns dos que adoravam “pegar no pé” do Oridão nos jogos. A gozação era tanta que, quando o São Martinho estava perdendo, Oridão ia embora antes do final do jogo e o pessoal do XI de Agosto gritava:

– É cedo, Oridão! Fique mais um pouco! – rindo, todos gritavam.

– Já vai, Oridão? – continuavam.

Era um homem econômico, mas não pão-duro, pois comer bem era seu ponto de honra. Comprava carne em peças inteiras, laranja e mexerica em caixas, duas ou três melancias de cada vez, sempre as maiores. Em sua casa sempre havia abundância.

Enfrentava tudo e todos em sua labuta diária, sempre com sucesso. Mas, como ninguém é perfeito, tinha um medo incrível de tempestades com raios. A cada clarão de raio que via ou trovão que ouvia, sempre exclamava, temeroso: “Nossa Senhora!”.

Sabendo disso, na Foto Menezes, logo em frente, quando anunciava chuva, o Ari Gordo, famoso fotógrafo tatuiano dessa época, corria para a janela da Foto e, mirando a loja do Oridão, disparava algumas vezes o flash de sua câmera.

Pronto! Ao perceber o lampejo do flash, imaginando ser um raio, sem perceber a brincadeira do danado fotógrafo, Oridão fechava imediatamente sua loja e ia embora, exclamando “Nossa Senhora!” a cada disparo do flash que o malvado do Ari Gordo lhe apontava.

– Nossa Senhora! Nossa Senhora! – com isso, Oridão imaginava estar protegido do que supunha ser raios, mas, na maioria das vezes, era apenas malvadeza do Ari Gordo.

Oridão, como muitos outros tatuianos, foi uma figura carismática. Faleceu muito cedo, aos 52 anos, mas enquanto viveu fez muitos amigos e deixou seu nome para ficar registrado na história de Tatuí.