Jardim Gonzaga receberá segunda ação restaurativa no fim deste ano

Ação de grafitagem realizada em 2016 deverá ser replicada neste ano (foto: arquivo O Progresso)

Com quase 1.600 habitantes (1.580, de acordo com o Censo 2010 do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Jardim Gonzaga está localizado em um dos pontos extremos do município. Na região norte, fica a quase quatro quilômetros do centro.

Talvez por isto tenha se desenvolvido pouco no decorrer dos anos, ainda que com a presença cada vez mais constante de pequenos comércios. Aos poucos, a paisagem do bairro está mudando. Em 2012, ganhou a Creche Municipal “Maria Cristina Ferrão Vieira Martins”, com capacidade para 120 vagas.

No ano seguinte, o poder público levou para o bairro um novo equipamento: o Cras (Centro de Referência de Assistência Social). Menos de 24 horas depois da entrega, o prédio que abriga o dispositivo sofreu vandalismo. À época, a mureta que fica na frente da rua João Saulo dos Reis, 90, foi pichada.

Os traços que já foram considerados desrespeito à comunidade e ao Executivo são similares aos que a Justiça Restaurativa está empregando em um projeto mais amplo. A proposta começou a ser trabalhada pelo Grupo Gestor Interinstitucional do Núcleo da Justiça Restaurativa de Tatuí, formado em 2013.

Dois anos depois, em 2015, motivados pelo juiz Marcelo Nalesso Salmaso, os integrantes do grupo voltaram as atenções ao Jardim Gonzaga.

“A ação específica começou a partir de um entendimento que a Justiça Restaurativa tem. É outra faceta, que nós chamamos de dimensão social, visando difundir os valores por toda a sociedade. Para isso, a ideia era pensar em uma ação que permitisse as pessoas a não caminharem para o rumo da transgressão”, explicou o juiz.

Para desenvolver um projeto no bairro, os membros da Justiça Restaurativa procuraram apoio da Prefeitura, por meio das secretarias municipais, das forças de segurança (polícias Militar, Civil e Guarda Civil Municipal), Conselho Tutelar e entidades privadas.

A equipe buscou as instituições que atuam nos diversos campos da sociedade. Cada uma denominou um representante, o qual passou a integrar o grupo de trabalho.

Juntos, os profissionais e os membros da Justiça Restaurativa começaram a pensar em propostas que poderiam ajudar as pessoas que moram no bairro e, na mesma medida, torná-lo atrativo econômica e socialmente.

A ideia inicial era levar, para os moradores, oficinas de artes e práticas de modalidades esportivas, pelas quais eles pudessem expressar-se, de forma a encontrar uma alternativa para a violência.

“Este grupo entendeu que era necessária uma ação objetiva, prática, em Tatuí. Aí, delimitamos a região do Jardim Gonzaga para trabalharmos especificamente lá. Foi quando passamos a nos reunir no Cras Norte”, contou o magistrado.

Durante todo o ano de 2015, o juiz e os membros do Grupo Gestor Interinstitucional trabalharam com dados levados pelo centro de referência de assistência social. A partir deles, a equipe começou a produzir uma série de projetos.

As atividades envolveram dança, capoeira, kickboxing a aulas de alfabetização para adultos. No final do ano, o grupo promoveu uma ação maior, denominada “A Paz a Gente é que Faz”.

Contudo, no ano seguinte, os membros perceberam que somente estas medidas não seriam suficientes para atender às demandas dos moradores e para promover uma transformação.

Por este motivo, em 2016, a equipe mudou os planos de ação. “Percebemos, em nossa reunião de avaliação e de desenvolvimento de projetos, que não era possível nós fazermos por eles, para eles e muito menos sem eles. Nós precisávamos trabalhar com a comunidade”, contou Salmaso.

Conforme o juiz, os envolvidos buscaram uma alternativa de ação. Em outras palavras, começaram a ouvir a população para saber dela o que desejava. “E foi naquele momento que nós chamamos as pessoas”, lembrou o magistrado.

A comunidade começou a ser inserida por meio de círculos de diálogo. O grupo gestor promoveu quatro desses encontros, para divulgar qual seria a proposta. Esta é, conforme o juiz, a maneira que os membros encontraram de preparar os moradores para um novo momento de atividades.

“Esses círculos foram muito interessantes, porque as pessoas tiveram oportunidade de trazer suas angústias e os seus sentimentos mais profundos”, relatou.

Outra característica dos encontros é a de unir todos os envolvidos em um mesmo propósito. Salmaso ressaltou que a parte mais importante foi juntar as diferentes visões de mundo, com o propósito de somá-las em prol de um mesmo ideal.

“Os círculos de diálogo têm uma técnica, que é muito forte e impede que aquilo que se está debatendo torne-se uma discussão. Muito pelo contrário, esses círculos foram hábeis a promover uma conexão humana com o grupo, de maneira que, dessas dinâmicas, saíram vários projetos para o bairro”, descreveu.

Em especial, o que prevê o embelezamento do Jardim Gonzaga. A iniciativa teve o primeiro ensaio em 2016, quando o grupo envolveu a comunidade em uma ação que deu vida aos jardins verticais e a ações de grafitagem.

O grupo elegeu a rua José Pires Corrêa para desenvolver o piloto. A rua número um do bairro foi eleita para ser o ponto de partida exatamente porque grande parte das pessoas que participaram dos círculos de diálogo reside lá.

Para a implantação dos jardins verticais e a pintura com grafites, os membros da Justiça Restaurativa contaram com apoio de duas instituições de ensino superior.

A Fatec (Faculdade de Tecnologia) “Professor Wilson Roberto Ribeiro de Camargo” contribuiu com a preparação das pinturas das fachadas das casas e a Faesb (Faculdade de Ensino Superior Santa Bárbara), com os jardins verticais.

A Fatec esteve representada pelos professores Luís Antonio Galhego Fernandes e Davison Pinheiro. Eles ficaram encarregados de preparar um grupo de grafiteiros e de artistas plásticos responsáveis pelas artes. Os traços precisaram ser aprovados pelos moradores. “Foi um processo em conjunto”, ressaltou o juiz.

A Faesb capacitou, por meio do professor e engenheiro agronômico Ivan de Maria, os moradores a prepararem os paletes de madeira empregados na criação dos jardins verticais implantados nas fachadas das casas.

O especialista também ministrou oficina de paisagismo aos moradores, ensinando-os a cuidar do meio ambiente, a reaproveitar materiais e a cuidar da própria saúde.

“O mais interessante foi ver como a comunidade participou da construção. Ela mesma se empenhou em preparar as fachadas das casas”, relatou o magistrado.

Conforme o juiz, os moradores se mobilizaram para comprar materiais de construção por conta própria, para receber os grafites e os jardins verticais.

Parte dos materiais utilizados no projeto, realizado no dia 4 de dezembro do ano passado, foi oferecida por parceiros da Justiça Restaurativa. O grupo cedeu os itens para os moradores que não tinham condições de arcar com os custos.

“Quem não pode adquirir, ajudou com a mão de obra. Então, todas as pessoas daquela rua participaram da ação, seja com materiais, seja ajudando”, informou.

O grupo chamou a ação de “Dia D da Transformação”. Além das intervenções, os membros promoveram apresentações musicais, abertas à comunidade.

Para este ano, a equipe programa uma continuidade da ação de embelezamento e retomou, neste semestre, os encontros para discutir quais locais do bairro serão atendidos nesta nova etapa.

“A ação da Justiça Restaurativa é sempre conjunta, na qual o Judiciário é um dos parceiros, mas o município é outro parceiro, as polícias e os demais órgãos”, citou o juiz.

O projeto será discutido com todos os integrantes primeiro para, só então, ser proposto à comunidade e, posteriormente, colocado em prática. A ideia é que os membros retomem a ação de embelezamento, espalhando o projeto para as demais ruas do bairro.

A mais cotada para o segundo ano é a que dá acesso ao bairro e está situada em paralelo à rodovia Mário Batista Mori (SP-141).

O grupo quer fazer da rua uma espécie de cartão-postal para a região norte da cidade. A meta é tornar o bairro atrativo para quem é de Tatuí ou vem visitar o município, como acontece com espaços conhecidos como o “Beco do Batman”, na vila Madalena, em São Paulo, famoso por abrigar uma galeria de grafite.

Entretanto, o foco principal é outro. Ao incentivar o comércio local, que pode se beneficiar com os futuros visitantes, o juiz salienta que o projeto vai mudar mais que a situação econômica dos moradores.

No entendimento do magistrado, a visibilidade vai fortalecer a comunidade, de forma a impactá-la em termos de melhora de autoestima e entendimento do que pode ser autônoma.

“Ela (a comunidade) própria vai poder resolver os seus problemas, ou a maior parte deles, ou, ainda, cobrar que resolvem, trazendo ideias conjuntas”, apontou.

O Jardim Gonzaga foi eleito, especificamente, como bairro modelo pelo grupo gestor por conta da proximidade da equipe com a coordenadora do Cras Norte, a assistente social Débora Cristina Franco Nunes Rosa.

Mas, também, porque os membros entenderam que ele faz parte de uma área de vulnerabilidade, mas com potencial. “Existe uma comunidade ativa ali”, argumentou Salmaso.

O juiz ressaltou, ainda, que o bairro possui dispositivos que permitirão a melhora da qualidade de vida da população, o que faz diferença no objetivo final.

A localidade conta com uma sede do Fusstat (Fundo Social de Solidariedade) e com UBS (unidade básica de saúde). “Então, para além da vulnerabilidade, há, ali, potencialidades. E esta é a ideia do trabalho”, acrescentou.

Como no ano passado, a ação deste ano deverá ser realizada ao final do ano. Para 2017, o grupo pretende antecipar um pouco o calendário, mudando a ação de dezembro para novembro. O cronograma se deve às etapas de construção da programação, que envolvem reuniões e círculos de diálogo com a comunidade.

Também para este ano, Salmaso espera ter maior participação dos moradores. A explicação é que a resistência inicial, que porventura pudesse ter ocorrido, não existe mais.

Tanto que o grupo tem registrado busca espontânea da comunidade. “O resultado do primeiro trabalho gerou uma confiança maior, de maneira que as pessoas estão mais abertas a participar”, acrescentou o magistrado.

A próxima etapa do grupo é reajustar os horários das reuniões, de modo a permitir que todos os interessados participem. Em regra, o grupo se reunia no período da manhã. Contudo, muitas pessoas tinham dificuldades em acompanhar os encontros. Pensando nisso, deverá reunir-se no período da noite.

Os encontros serão mensais até outubro, devendo ser intensificados até novembro. Neste ano, perto de 60 pessoas devem participar da iniciativa. “Tivemos um aumento significativo”, concluiu o juiz.