Eu vou taxar a rua e seus pés





De graça, só o chão pra dormir e a concessão pra sorrir

“Se você dirigir um carro / eu vou taxar a rua / se tentar se sentar / eu vou taxar seu lugar / se ficar muito frio vou taxar seu calor / se você for andar / vou taxar seus pés”. “Taxman” é uma beleza de letra de George Harrison do LP “Revolver” (1966). Os Beatles, grupo formado por quatro jovens da cidade portuária inglesa de Liverpool, não eram politizados – Lennon, apenas mais tarde, por influência da esposa e guru Yoko Ono, abraçou as causas libertárias gênero “paz e amor”.

O imposto de renda básico (fonte: www.gov.uk) na Inglaterra é de 20% para quem ganha até o equivalente a R$ 15.800,00 ao mês (e ainda há o chamado “personal allowance” de R$ 5.300,00, que é algo parecido com a nossa “parcela a deduzir”). Desse patamar até R$ 75.000 mensais, lá, diga-se, um belo salário, são descontados 40%. A próxima faixa vai desses 75 mil em diante, com acréscimo de 5%. Ao se comparar taxações sobre renda, é leviano dizer que no Reino Unido elas são de 50%. E isso tem sido dito e publicado por alguns próceres da nossa república, em defesa do aumento de impostos em nosso já sofrido país, hoje malvisto pelo investimento externo. Não existe “INSS inglês”, coisa similar vem embutida no Imposto de Renda. Mesmo assim, há uma imensa contrapartida: transporte público exemplar, um sistema de saúde pública (NHS) que é considerado o melhor do mundo, nível dos nossos melhores hospitais e clínicas particulares. Se você aqui paga um convênio médico, veja o seu custo-saúde, que para os cidadãos britânicos é zero. Esse custo seria renda a mais para a classe média brasileira!

Nos EUA, a primeira faixa de imposto, de até R$ 13.300,00 mensais, é de 10% até R$ 3.025, e daí em diante, o que restar, em 20%. Para quem ganha até R$ 137.733,00 mensais, salário para classe A nenhuma botar defeito, o imposto é de 35% (fonte: “Federal Income Tax”) – exatamente a maior alíquota que nossos tecnocratas tupiniquins querem agora arrancar a fórceps já a partir de renda muitíssimo menor. Hoje, no Brasil, se você recebe R$ 4.664,00, o corte será de 27,5% (compare com RU e EUA!). E somem-se os 11% de INSS: são 38,5%. Nos EUA, o “Social Security” desconta 6,2% do cidadão e o mesmo tanto paga o empregador. Nossa carga tributária total esbarra nos 40% do PIB!

Em Boston, meu contracheque destinava cada parte do imposto já dividindo-o entre união, estado e município, de forma que as taxas não tenham como escorrer, como aqui, por dutos e ralos misteriosos diversos (hoje bem conhecidos) até seu destino. Nossas verbas públicas tornam-se moeda de troca para favores via emendas parlamentares, ou benesses generosas do Executivo sob a famosa ética de Getúlio Vargas: “Aos amigos, tudo. Aos inimigos, a lei”.

No Brasil, desde muito antes da “derrama” dos inconfidentes, sempre houve cobranças extorsivas. Hoje, há impostos que embutem outros, indiretos, em uma equação em espiral: entre os federais, o II (sobre importações), o IE (exportação), o IPI (produtos industrializados, que o governo quer aumentar!), o IOF (operações financeiras), o ITR (rural) e o IGF (grandes fortunas, ainda não regulamentado).  Fora o JCP, PIS/Cofins e os que podem ser reajustados com uma “canetada”, sem passar por lei, como o Cide (importação e venda de combustíveis). Já os impostos estaduais são: ICMS (mercadorias e serviços), o IPVA (veículos) e o ITCMD (causa mortis e doação), hoje em 4% em SP, e que o ministro da Fazenda quer equiparar ao de alguns países do primeiro mundo: 40%! Se vingar, para receber uma herança de um imóvel de 100 mil (vale a tabela do imposto, não o valor venal), o cidadão terá de desembolsar 40 mil, ou tentar vendê-lo por um contrato particular, prometendo saldar o imposto após o recebimento do sinal, ou deixar leiloá-lo, um péssimo negócio. Por sua vez, os impostos municipais são o ISS (serviços), o IPTU (propriedade predial e territorial urbana) e o ITBI (transmissão de imóveis “intervivos”).

O IPMF foi uma “contribuição provisória” instituída em 1993 por Itamar Franco. Voltou como CPMF a pedido do cirurgião Adib Jatene, então ministro da Saúde de FHC, para erguer a medicina pública claudicante no país. Triste médico sonhador, seu imposto foi usado para cobrir gastos outros, e durou um ano, sendo enfim rejeitado pelo Senado em 1997 (um ano antes, frustrado, Jatene já havia largado o cargo). O ICMS ressurgiu como IOF em 1999. O atual governo quer emplacar novamente o imposto, para gerar caixa (porém, creia, sem revogar o IOF, seu substituto!). O coro dos contrários e a base política em franca oposição mataram na praia a volúpia arrecadadora, que ainda resiste. O atual ministro da Fazenda é um tecnocrata, homem de banco privado que pelo costume de ofício vê as verbas públicas como cifras de contas bancárias e balancetes, expurgando da equação as consequências sociais e econômicas de mais tributação. Impostos, ora, impostos… são números, apenas. Os anunciados cortes de gastos públicos são como um curativo em uma fratura exposta.

O subtítulo deste artigo devo a “Deus lhe pague” do Chico: “Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir / a certidão pra nascer e a concessão pra sorrir / por me deixar respirar, por me deixar existir / Deus lhe pague”.  O pãozinho e a certidão de nascimento estão mais caros para os pobres. Mas restam-lhes de graça o chão, o sorriso e o poder existir.

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