Cidade celebra Dia da Consciência Negra





O Dia da Consciência Negra reuniu alunos de 17 escolas municipais e quatro creches na Praça da Matriz no sábado, 21. O padre Luiz Omar Batista dos Reis, da Paróquia Santa Terezinha do Menino Jesus, abriu o evento com missa, seguida por apresentações dos estudantes. A “Marcha das Mulheres Negras” reuniu cerca de 50 pessoas e percorreu dois quarteirões da rua 11 de Agosto, até a praça.

Os estudantes apresentaram atrações musicais, dança, capoeira e teatro. Ao final do evento, foram escolhidos a miss e o mister afro 2015. Ricardo de Oliveira Junior, 8, estudante do 2o ano da escola municipal “Eugênio Santos”, e Lorrany Rafaela Alves dos Santos, 11, estudante do 5º ano da escola municipal “Accácio Vieira de Camargo” foram os ganhadores do concurso de beleza. Eles receberam um tablet e uma faixa comemorativa.

O diretor do Departamento Municipal de Cultura e Desenvolvimento Turístico, Jorge Rizek, destacou a importância do evento para a formação das crianças.

“Acho importante que as crianças tenham conhecimento da igualdade das raças. Precisamos abrir a cabeça das crianças para a importância de se respeitar o outro”, declarou.

A secretária municipal da Educação, Cultura e Turismo, Ângela Sartori, enfatizou que, na infância, “as crianças assimilam melhor os valores morais e éticos, como o respeito às diferenças”.

“Na educação, a gente forma cidadãos. Nessa faixa etária, eles aprendem os conceitos e os valores. No nosso trabalho, o objetivo é a igualdade e o respeito às diferenças, seja de raça, de religião”, disse Ângela.

“Temos que trabalhar com a igualdade, o respeito e a cidadania. Acho que, agora, a gente começa a formar. Quando é adulto, a gente tenta mudar. Estamos formando opiniões”, acrescentou.

Os alunos trabalharam as coreografias e as peças teatrais durante todo o ano. Além das atrações apresentadas na Praça da Matriz, os estudantes tiveram palestras nas escolas.

“Eles trabalharam com palestras, orientações, desenhos sobre o tema abordado. Cada escola escolheu o melhor desenho. Cada unidade fez um desfile com as crianças negras para que fossem escolhidos os representantes para o miss e mister afro. Cada escola está participando com um casal”, contou.

A secretária afirmou que as ações de conscientização aumentarão nos próximos anos. “É um trabalho que iniciamos neste ano para que eles pudessem aprender mais sobre a nossa história e saber a origem do nosso Brasil. A origem negra é pouco trabalhada”.

“Nosso intuito é trabalhar desde o início do ano, para preparar os alunos, e, nesse evento, finalizar esse trabalho e expor tudo o que eles aprenderam durante o ano”, afirmou Ângela.

O prefeito José Manoel Correa Coelho, Manu, afirmou que “o preconceito é antigo e que precisa ser deixado para trás pelas novas gerações, a fim de melhorar as relações entre negros e brancos”.

“Logo na base, na infância, a gente está incutindo na cabeça deles que essas diferenças raciais não existem e que são coisas que vêm de antigamente”, comentou.

“Por que não respeitar a diferença racial? Colocando isso nas nossas escolas, vamos melhorar a nossa cidade e, quem sabe, o nosso país. É um trabalho de longo prazo, mas de extrema importância”, disse o prefeito.

Os responsáveis pelo evento acreditam que, conscientizando as crianças desde cedo, os casos de discriminação racial devem diminuir com o tempo.

Entretanto, a secretária da Educação afirmou que as crianças que ainda tiverem atitudes racistas serão “advertidas” pelos professores e diretores da escola.

“Precisamos conscientizá-las, mas quando, ainda assim, a gente se depara com um caso, chamamos a mãe e explicamos o que está acontecendo. A gente faz a criança perceber que aquela forma de tratamento que ela está dando para a outra criança não é adequada”, explicou.

O professor de educação física e pedagogo José Mesquita dos Santos é conhecido pela militância no movimento negro, do qual participa há mais de 40 anos. Ele destacou que só com a conscientização o preconceito acabará e o Brasil se tornará, de fato, uma democracia racial.

“Acredito que a população negra tem que correr atrás de seus conhecimentos. Quem não sabe de onde veio, não sabe para aonde está indo. Temos que correr atrás de nossos direitos”, afirmou. Mesquita disse que a desigualdade pode ser medida pela dificuldade de se encontrar médicos, bancários e juízes negros.

“Você vê na TV: só tem o Heraldo Pereira como negro apresentando jornal (“Jornal Nacional”, da Rede Globo) e ainda quando é feriado. A Maju (Maria Júlia Coutinho), também da Globo é a única mulher negra que apresenta o noticiário de tempo, e ainda assim ela recebeu ataques racistas nas redes sociais. O Brasil tem que melhorar muito”, criticou.

Segundo Mesquita, em comparação aos Estados Unidos, que tem grandes índices de incidentes raciais, “o racismo brasileiro é pior, por ser velado”.

“Lá, se o cara é racista, ele assume e tem as consequências disso. Lá, o cara que não gosta de você, fala na cara. Aqui, as pessoas fingem que toleram. Eu moro no bairro Nova Tatuí, que é um bairro de classe mais alta, e tem muitas pessoas que não falam bom-dia para mim”, contou.

O professor lamentou o fato de Tatuí não ter feriado da Consciência Negra no dia 20 de novembro. A data lembra o assassinato de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, uma comunidade negra formada por escravos fugitivos de engenhos das capitanias de Pernambuco e da Bahia.

Segundo ele, o evento realizado no sábado poderia ter sido no feriado, caso houvesse uma lei municipal instituindo a data comemorativa na cidade.

O prefeito Manu afirmou que verificará a possibilidade de instituir um feriado municipal no dia 20 de novembro. “Na realidade, Tatuí já tem um feriado municipal, que é o dia 8 (de dezembro). Até onde eu sei, não poderia ter outro feriado municipal. Mas, vou ver a possibilidade e, caso seja possível, enviar o projeto de lei para a Câmara”, comentou.

Segundo o prefeito, apesar de não haver feriado, Tatuí ganhou com o evento. “A nossa cidade teve um grande evento inédito, de se trabalhar a consciência negra nas escolas, e aqui não teve feriado. Em outras cidades, tem feriado, mas não fazem o trabalho que fizemos aqui em Tatuí”, enfatizou.

Os vencedores do miss e mister afro foram apresentados ao final do evento. “Eu não esperava ganhar. Tinha várias meninas que se destacaram no desfile. Gostei do presente, e vou usar ele para entrar no Facebook e jogar ‘Temple Run’”, disse Lorrany.

O menino Silva Junior contou que irá instalar jogos de futebol no tablet que ganhou no concurso. “Estou muito feliz com a premiação”, comentou.

Em uma barraca próxima ao palco, Marisa Estela Silva, conhecida por Marisa “Vagalume”, estava oferecendo tranças africanas e turbantes para as mulheres.

“É tudo de graça”, informava ela. O trabalho em um cabelo longo durava até dez minutos e o tecido do turbante era oferecido gratuitamente pelo projeto.

Além da barraca de tranças, Marisa organizou a Marcha das Mulheres Negras, em apoio ao evento que aconteceu no dia 19, em Brasília.

“O intuito da marcha é a luta pela igualdade e contra o racismo, que acontece ainda no nosso país”, explicou. A marcha percorreu dois quarteirões da rua 11 de Agosto e aconteceu antes da missa na Praça da Matriz.

O evento ainda teve exposição com fotografias feitas pelo professor, fotógrafo e artista plástico Josué Fernandes Pires, morto em 2008. A exposição mostrou várias imagens de pessoas negras em atividades cotidianas. Elas foram cedidas pela família do professor.

“Ele fotografou somente negros tatuianos, e aproveitamos a oportunidade do evento do Dia da Consciência Negra para fazer essa exposição”, contou Rizek.