A quem interessa empastelar?

A tal “mídia” – à frente representada pelos maiores veículos de comunicação do país – é acusada, em meio a um grave momento vivenciado pelo país, de ser parcial, manipuladora, inconfiável, golpista e até “elitista”.

O noticiário em grande volume dos problemas eventualmente enfrentados pelo país – traduzidas pelos governantes como “notícias ruins” -, tal como os consequentes argumentos críticos, incomodam demais a quem está no poder, ao mesmo tempo em que garantem o regozijo da oposição.

Em determinado momento, a Folha de S. Paulo e a Rede Globo (para tomar apenas dois veículos como exemplo) são execrados pela situação – que acusa a mídia de golpista safada – e aplaudidos pela oposição – como arautos da “verdade” e da própria democracia.

As manifestações “contra” e “a favor” proliferam-se tanto quanto intensificam-se. Enquanto o governo tem o apoio da maioria da população, as maiores dificuldades para o status-quo são as badernas nas ruas, não necessariamente a perda do poder.

Contudo, quando os problemas se tornam indisfarçáveis, a população perde a fé e, então, começa a surgir a necessidade de investir mais e mais em mentiras, começando pela própria negação da realidade (dos fatos), do tipo: “não haverá crise financeira”, “a energia elétrica não vai subir”, os “empregos estão garantidos”, “essa tormenta que estão falando não passa de uma ‘marolinha’”…

Aí, vem a tempestade, engolindo a prosperidade da economia nacional feito um tsunami, deixando um mar de desempregados e falências… A imprensa já antecipava a tragédia, mas o governo insistia em um grande pacto da maldade entre megaempresários, políticos desonestos e imprensa “vendida”.

Não faz diferença: a verdade submerge do tsunami e, enfim, todos têm de reconhecer que, sim, havia uma crise por vir. Aqueles minimamente bem informados – justamente por essa imprensa tão criticada – já o sabiam.

Com a perda do apoio popular, o Legislativo e o Judiciário, então, já se sentem à vontade para dar início ao processo de afastamento do governo. Em paralelo, a oposição segue enaltecendo o protagonismo e profissionalismo da imprensa, sempre atenta a denunciar os “desmandos do governo”…

Mais ou menos assim, pode ser descrito o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, ainda identificado por muitos como um golpe contra a democracia.

Sucede que, naquele momento, essa tal imprensa sacana era hostilizada e posta sob sistemáticas tentativas de descrédito por parte do então governo – do PT, em especial.

Quem denunciava as agressões contra Folha, Globo e a imprensa em geral – defendendo a importância vital da liberdade de informação e expressão para a democracia, inclusive – era a oposição, que tinha o noticiário como aliado para ganhar apoio popular a favor da cassação da “presidenta”.

Pois bem, com maciço apoio popular, isso aconteceu. Em seguida – pelas urnas, democraticamente, ressalte-se -, as administrações do Executivo país afora mudaram de mãos, tendendo fortemente da esquerda para a direita.

Para tanto, mesmo os supostos “outsiders” da política – que acabaram vencendo o principal pleito – souberam muito bem tirar vantagem do noticiário, da imprensa “tradicional”, a favor de seus projetos de poder.

Já no novo cenário, com evidentes sintomas autoritários e antidemocráticos, os que tanto elogiavam a imprensa, por até então enxergá-la como aliada, passaram a um processo explícito e sistemático de tentar desacreditá-la.

O que mudou, final? As empresas de comunicação são as mesmas; seus proprietários, os mesmos; seus manuais de redação, idem… Mudou foram os inquilinos do poder.

Portanto, não há dificuldade em, com um mínimo de boa vontade e bom-senso, chegar-se à conclusão sobre quem usa de má-fé para confundir a população.

Seria essa mesma imprensa de sempre – que bem ou mal (porque ninguém é perfeito) segue fazendo seu trabalho, ou os governos da hora, que não aceitam os fatos quando isto não lhes interessa?

É urgente raciocinar com ponderação e justiça, observando quem sempre noticiou as boas e as más informações, independentemente dos governos de plantão.

E, sob o mesmo gabarito, questionar se merece confiança quem, em um momento aplaude – quando alheio ao poder – e, em outro – quando assentado em mandato -, acusa e agride a imprensa. A conclusão óbvia não é difícil.

“Empastelar” é um termo que identifica como antes se “censuravam” os veículos de comunicação – os jornais impressos, no caso. Quando os “poderosos” queriam tirá-los de circulação, calando-lhes, enviava “agentes” para bagunçar os tipos móveis, de chumbo, com os quais eram compostos os textos dos jornais, que iriam para posterior impressão pelo processo tipográfico.

Como na atualidade não é possível agressão à democracia de maneira tão simples, resta o método do descrédito, da mentira, da desfaçatez, não para tirar “do ar”, da “banca”, os veículos de comunicação, mas para torná-los “inconfiáveis”.

Assim, a questão essencial: a quem interessa empastelar a imprensa? Aos governos, hoje e sempre, qualquer um e a despeito de suas pálidas cores ideológicas – claro, se seus desempenhos forem medíocres, desonestos, mal-intencionados e, particularmente, despóticos.

Não obstante, em geral – feito antes e como se diz – a verdade tarda, mas não falha. E, para azar dos líderes a apostar na falsidade, esta avassaladora crise gerada pela pandemia não é apenas rápida na contaminação, mas também em suas consequências.

Sempre respeitando a importância de se reconhecer a queda fatal das vítimas da doença como o aspecto mais cruel da tragédia, outros sintomas ainda podem ser esperados.

Um deles – que só não seria melhor que o advento de uma cura para a doença – pode acabar sendo o contágio da população em massa pela “verdade”, até porque, se vier a estar mais imune às fake news, o povo também pode levar governos à UTI, senão ao cemitério das almas e governos perdidos.