Moradores não são preparados para fogo





Os moradores de condomínios residenciais de Tatuí – especialmente os que vivem em prédios – não estão preparados para ação de evacuação em casos de incêndio, emergência ou desastres. Ao menos é o que apontou o comandante do Corpo de Bombeiros da cidade, o primeiro-tenente Paulo Vinicius dos Reis.

Conforme ele, a situação não é exclusiva do município e está vinculada a educação. Ao comentar sobre a situação vivenciada pelos moradores de um conjunto localizado no Parque San Raphael, na sexta-feira da semana passada, 17 (reportagem nesta edição), Reis afirmou que a questão passa pela cultura.

Conforme ele, a educação pública brasileira na área da segurança está “atrás de países mais desenvolvidos”. O primeiro-tenente deu como exemplo os Estados Unidos.

“Nós até vemos filmes nos quais se mostram que existe programação de simulado de evacuação de prédios e instrução, dentro da grade curricular de alunos, voltados a essa área”, argumentou o comandante.

Para ele, a pessoa tende a não aprender a lidar com situações como essa na fase adulta. “São gotas de conhecimento que vêm desde o ‘jardim de infância’. Nesse aspecto, o Brasil, de maneira geral, é mais atrasado”, comentou.

Reis destacou que, no país, a presença do DEA (desfibrilador externo automático), usado para reanimação cardíaca, é mais rara que em países europeus.

Conforme ele, em alguns locais, esse tipo de equipamento pode ser encontrado em cabines telefônicas. “Já no Brasil, isso não faz parte da cultura. É raro ver um estabelecimento com esse aparelho”, afirmou.

Essa é uma das razões pelas quais os simulados de incêndio não surtem tanto efeito. Ações como essa acontecem em condomínios e outras localidades (como empresas e entidades), a partir de solicitação ao comando.

O primeiro-tenente explicou que a corporação promove orientações, por meio de palestras, tanto a convite como por conta dos planos particulares de intervenção.

Neste último caso, a iniciativa da corporação é de conhecer os locais que poderão, eventualmente, necessitar de atendimentos por parte dos bombeiros.

Em empreendimentos residenciais, por exemplo, os bombeiros realizam apenas vistorias. Reis afirmou que o CB não trabalha com formação de brigada, uma vez que esse é um dos itens obrigatórios do projeto técnico que os empreendimentos precisam apresentar para que obtenham alvará e licenças.

A formação da brigada compõe o sistema de segurança juntamente com os extintores, hidrantes, iluminação de emergência e sinalização. No caso de condomínios como o do Parque San Raphael, pela construção seguir um padrão existente em outros municípios, os bombeiros já têm conhecimento da estrutura.

Mesmo assim, caso os moradores sintam necessidade, a corporação poderá realizar simulados ou palestras. A iniciativa é oferecida tanto para empreendimentos habitacionais como para comunidades, e fica condicionada à disponibilidade de horário da corporação para as instruções.

O risco de incêndio em locais como esse, conforme o comandante dos bombeiros, não aumentou. De acordo com ele, não há indicador de crescimento do número desse tipo de ocorrência na cidade. Reis disse, também, que não há “uma regra, mas uma tendência no período de estiagem”.

Conforme ele, o que pode dar a sensação de que os incêndios aumentaram é a repercussão. Os casos atendidos pela corporação, desde o início do ano, incluem fogo em residências e comércio no centro (perto do largo do Mercado Municipal) e, o mais recente, no condomínio residencial.

“Como tem um número maior de pessoas que moram no local, esse tipo de ocorrência acaba se tornando mais vista, mas nada que possamos dizer que tenhamos encontrado algo destoante. São casos com mais notoriedade”, descreveu.

Para ele, a notoriedade pode implicar em “falsa impressão” de que os casos de incêndio aumentaram. Em média, os bombeiros registram duas ocorrências de fogo em residência por mês. Contudo, Reis afirmou que o cálculo não é exato, uma vez que há meses em que nenhum incêndio ocorre.

Outros atendimentos são feitos em fogo em mato, lixo, caçamba e veículo. Também há registros de incêndios próximos a depósitos de cerâmicas.

De modo geral, os bombeiros não registram “grau de complicação” nos atendimentos prestados na cidade. A dificuldade pode ocorrer por vários motivos. Entre eles, a falta de uma fonte de abastecimento (hidrante) ou edificação elevada.

“Os incêndios em Tatuí não são complicados. O que temos é um número que acaba elevando muito do meio do ano (junho e julho), que é o fogo em mato”, disse. Nesse caso, as ocorrências tendem a crescer por conta da estiagem.

Outra dificuldade enfrentada pelos bombeiros diz respeito à duplicidade de atendimentos. Reis explicou que os bombeiros sentem mais pressão quando há mais de uma ocorrência no mesmo momento. “Isso acaba sendo um complicador”.

Também destacou que, dos casos registrados em Tatuí neste ano, nenhum teve vítimas. O último, que resultou na morte de duas crianças, uma menina de dois e um menino de três anos, ocorreu em abril de 2013, no distrito de Americana.

Os irmãos haviam sido deixados sozinhos num dos quartos da residência. A casa, situada à rua Joaquim Lourenço, 90, pegou fogo. Conforme testemunhas, as chamas não chegaram a se alastrar pelo resto da residência porque a porta do quarto onde as crianças permaneceram havia sido trancada.

Causas comuns

Em geral, o primeiro-tenente explicou que há causas consideradas “mais comuns” para os incêndios. No entanto, elas mudam conforme o tipo de ocupação.

Nas indústrias, o fogo costuma ser provocado por superaquecimento de maquinário. Isso porque a rede elétrica de uma empresa é superdimensionada para comportar equipamentos que demandam de grande potência.

“Empresas que mexem com grãos, muitas vezes, têm superaquecimento do secador. O calor acaba passando para os grãos e originando o incêndio”, comentou.

Os fatores principais de fogo em residências são instalação elétrica inadequada e uso de vela. “Um terceiro motivo é a cozinha, com vazamento de GLP (gás de botijão) ou aquecimento de óleo no fogão”, disse o primeiro-tenente.

Problemas na cozinha – com superaquecimento do fogão – também são apontados como causas mais comuns de incêndio em estabelecimentos comerciais. Nesse caso, os voltados à alimentação (como restaurantes e bares).

No comércio, quase que a totalidade dos incêndios tem como causa a instalação elétrica. Para evitar esse tipo de situação, os bombeiros fazem diferentes recomendações. Todas elas, entretanto, incluem cuidados e prevenção.

Periodicamente, a corporação recomenda que haja revisão na instalação elétrica. O indicado é que o serviço seja realizado por um profissional da área, com utilização de conduítes com “retardantes de chama” e instalação de limitadores de rede, como fusíveis e disjuntores que cortem corrente no caso de falha.

O uso de vela (como fonte de iluminação ou para fins religiosos) deve ser feito “sempre com vigilância humana”. Caso a pessoa deixe o imóvel, os bombeiros recomendam que a vela seja apagada, mesmo se tiver na chamada “área fria”.

Quando acesa, a vela deve permanecer afastada de objetos inflamáveis, como sofá, cadeiras, estofados e cortinas. A chama deve ser sempre “vigiada”.

Na cozinha, os bombeiros pedem para que os moradores tenham atenção no cozimento. Conforme Reis, em geral, os incêndios ocorrem sempre que há descuido.

“A pessoa deixa o feijão na panela e vai ao supermercado comprar alguma coisa que faltou para o almoço ou pagar uma conta. Acontece que ela acaba se esquecendo de que deixou um objeto no fogo, e esse é o problema”, disse o comandante.

Quando possível, os bombeiros pedem uso de filtro de linha para ligar eletrodomésticos nas tomadas. Conforme ele, esse equipamento pode evitar a propagação do superaquecimento da rede elétrica em caso de pane, por contar com resistência interna (um fusível) que pode se desarmar quando uma falha ocorre.

O primeiro passo quando se constata princípio de incêndio é desligar a energia elétrica. Nos estabelecimentos comerciais ou empreendimentos, a norma dos bombeiros exige que eles disponham de extintores. Esse tipo de equipamento, no entanto, deve ser utilizado somente em caso de princípio de fogo.

Na dúvida, Reis ressaltou que a população deve sempre acionar os bombeiros pelo telefone 193. “Se a pessoa não tiver confiança e não souber o que está fazendo, é primordial que não faça nada”, citou ele, mencionando uma regra básica da corporação: a de que não se deve expor ao risco.