Moradias populares podem não ‘vingar’





Cristiano Mota

Manu pede celeridade para aprovação e diz que Tatuí pode ‘perder’

 

Anunciado como o maior programa habitacional do município, as construções de casas populares por meio do programa Minha Casa, Minha Vida podem não “vingar”. O projeto, que começou com 1.700 unidades, passou para 1.500, 1.000 e, agora, está em 950, provocou impasse. Os dados são divergentes entre o Executivo, o projeto de lei 048 deste ano e o vereador André Norbal (PT) – provocou um impasse.

De um lado, a Prefeitura, que aguarda votação da proposta de desoneração tributária, beneficiando a empresa responsável pela construção, alega que a Câmara está atrasando a aprovação e que pode perder o prazo da assinatura de convênio.

De outro lado, o vereador do Partido dos Trabalhadores, se posicionou favorável ao projeto, mas disse que não vai votá-lo “às pressas, como quer o prefeito José Manoel Correa Coelho, Manu”.

Em meio às discussões ficam as mais de 9.000 pessoas cadastradas pelo Departamento de Bem-Estar Social. São famílias que atendem a critério social para serem contempladas com unidades habitacionais subsidiadas pelos governos.

Com argumentos divergentes, o prefeito e o vereador posicionaram-se publicamente nesta semana a respeito da polêmica em torno do projeto.

Em entrevista a O Progresso, eles apresentaram seus pontos de vista e lamentaram – cada um sobre um ponto específico – a respeito do desentendimento.

À reportagem, o prefeito disse que iniciou o projeto das construções das unidades por meio do MCMV no começo do mandado dele. “Antes de eu assumir, já fui procurado pela empresa Realiza, que tinha interesse em fazer aqui um empreendimento. E nós tínhamos um compromisso com a população”.

Ao assumir o comando da Prefeitura, Manu afirmou que determinou ao Departamento Municipal de Planejamento empenho para com a proposta.

O modelo que pode funcionar no município é realizado com aprovação de órgãos competentes e pela construtora, em parceria com o Executivo.

Conforme o prefeito, a empresa procura diversas áreas e negocia a compra do imóvel diretamente com o proprietário. “A Prefeitura não faz parte, em nada, nessa negociação”, frisou. O Executivo, porém, acompanha a escolha da área para determinar se é viável ou não a construção de um conjunto de novas moradias.

O terreno que pode ser adquirido pela empreiteira é considerado “uma sequência do bairro Tanquinho”. Atualmente, a área pertence a “um empresário” (de nome não divulgado pelo prefeito). Pelo projeto original, lá, a empreiteira construiria 1.700 casas populares dentro do programa do governo federal.

Em fevereiro de 2013, o Executivo chegou a divulgar, em sua página na internet, a construção das moradias. Na época, houve a assinatura de um protocolo de intenções entre a Prefeitura, o Banco do Brasil e a CEF (Caixa Econômica Federal). Os bancos seriam os responsáveis pelos financiamentos.

Por conta do andamento dos trâmites, a Prefeitura encaminhou à Câmara Municipal projeto de lei que alterou a finalidade da área para zona de interesse social. O terreno que teve a classificação modificada mede 902 mil metros quadrados.

A Câmara aprovou a proposta em abril, com votação considerada pela Prefeitura “um trabalho harmônico com o Legislativo”. O objetivo era adequar a região em virtude do “déficit habitacional crescente”.

O prefeito alegou que, após a aprovação, o Executivo e a empresa deram início a um “trâmite totalmente burocrático”. Para aprovar o novo loteamento, a Prefeitura e a Realiza encaminharam projeto a diversos órgãos. Entre eles, o Graprohab (Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais do Estado de São Paulo), pertencente à Secretaria de Estado da Habitação.

Nesse ínterim, o prefeito participou de evento em Itu, onde obteve a promessa de construção de 200 casas por meio da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano).

“Ainda não as começamos porque o município não tem condições de adquirir uma área do tamanho necessário, e vamos consegui-la através de adjudicação”, disse. Sem o processo judicial, o custo estimado para a compra de área pelo Executivo seria de R$ 5 milhões.

Também durante o prazo de aprovações, Manu afirmou que obteve aporte financeiro de mil unidades, por meio do “Casa Paulista”, para o projeto da cidade.

Trata-se de programa do governo de São Paulo criado especialmente para beneficiar famílias de servidores públicos que desejam comprar a casa própria, com objetivo de facilitar a aquisição por meio de financiamento.

De acordo com o prefeito, no ano passado, o governo subsidiava até R$ 20 mil. “Hoje, se conseguir R$ 10 mil é muito. Então, já caiu, praticamente, 50% o aporte que o governo estadual vai dar para essas casas”, argumentou.

A demora na tramitação chegou a preocupar o Executivo. Em julho deste ano, o prefeito declarou, em entrevista a O Progresso, que a Prefeitura tinha até o fim daquele mês para assinar contrato com a CEF e atualizou a quantidade de moradias. Das 1.700, Manu divulgou que o projeto caíra para mil casas.

A aprovação por parte do Graprohab aconteceu um mês depois, por conta de ações que precisaram ser corrigidas no projeto. O prefeito disse que a área do loteamento tem mananciais e áreas verdes que tiveram de ser preservadas. “Depois de toda uma sistemática, o número de lotes diminuiu”, disse.

Dos mil lotes, o loteamento está, no momento, com 950 aprovados. O processo contou com colaboração, à época, do engenheiro civil Marcos Massarani e da arquiteta da Prefeitura, Claudete Maria da Porciúncula Fiúza.

De modo a acelerar os trâmites, Manu disse que acionou contatos junto à Fundação Agência, do CBH-SMT (Comitê de Bacia Hidrográfica dos Rios Sorocaba e Médio Tietê), da qual é presidente. “Não em termos de facilidade, mas para termos agilidade pelo pouco prazo para contratar o financiamento”, afirmou.

Nesta semana, o prefeito citou que o Executivo tem até o final do mês para assinar o convênio. Segundo ele, o novo prazo foi obtido por meio de “influência política e de um contato direto com a assessoria da presidente Dilma Rousseff”.

A pressa da Prefeitura é para que Tatuí possa ser contemplada com casas financiadas por meio da “versão 2” do MCMV. Nessa fase, o programa prevê que 60% das unidades habitacionais construídas em todo o país sejam destinadas a famílias com renda mensal de zero até três salários mínimos. O subsídio do governo federal pode chegar a 95% do valor do imóvel.

Para adquirir a casa própria, as famílias têm de arcar com 10% da renda, por um prazo de 120 meses. Nessa modalidade, o imóvel não pode ser vendido antes de dez anos, a não ser que as famílias quitem o valor total, incluindo a ajuda.

O prefeito destacou que recebeu auxílio do deputado estadual Edson Giriboni (PV) para aprovação do loteamento junto ao Graprohab. “Ele nos abriu as portas para que sentássemos juntos e arrumássemos as coisas”, ressaltou.

Das 950 unidades aprovadas, 652 serão construídas no futuro “Parque das Flores 1”. O segundo loteamento, “Parque das Flores 2”, deve contemplar outras 300 casas.

“O município não entra com um centavo porque a propriedade vai ser adquirida pela construtora”, disse o prefeito. Conforme ele, a compra ainda não se efetivou porque a Câmara Municipal não votou o projeto que cria o “Programa Especial Minha Casa, Minha Vida”, de apoio à habitação popular.

O motivo é que, enquanto não houver a aprovação da lei, o registro do loteamento não ocorre no cartório. “Assim que registramos, vamos levar o loteamento para Brasília e para a Caixa Econômica autorizar o MCMV”, disse Manu.

Na sequência, o prefeito comprometeu–se a trabalhar em prol das outras 300 moradias. Essas devem ser construídas pela “versão 3” do programa do governo federal. Outras 2.500, que estariam previstas num projeto já está em fase de tramitação, devem ser o próximo foco da Prefeitura.

“Eu necessito da aprovação do Legislativo. É isso o meu desabafo”, afirmou o prefeito. Em resumo, o projeto prevê a concessão de incentivos a pessoas físicas ou jurídicas (no caso, a construtora Realiza) que promoverem ou patrocinarem a construção de habitações do MCMV em Tatuí.

A proposta estabelece que as habitações sejam “exclusivamente destinadas para a faixa de renda familiar de zero a seis salários mínimos”, um dos motivos da controvérsia que resultou no pedido de renúncia do vereador André Norbal da função de vice-líder do governo municipal na Casa de Leis.

O parlamentar solicitou desligamento em “caráter irrevogável” na quinta-feira, 16. Apesar de não ter sido citado nominalmente pelo prefeito, o vereador procurou a reportagem de O Progresso em razão de querer “restabelecer a verdade”.

Norbal teve o nome veiculado em postagem em rede social feita em página da Prefeitura, na noite de terça-feira, 14, após encerramento da sessão ordinária.

O texto dizia que a Câmara havia deixado de votar “um importante programa de habitação popular”, mesmo com uma manifestação de, aproximadamente, cem pessoas. Os munícipes teriam sido impedidos de ficar no plenário e o vereador, usado de “prerrogativas para engavetar o projeto”.

Outro ponto de divergência entre o prefeito e o vereador é a isenção tributária prevista no projeto levado à Câmara em caráter de urgência.

Caso o projeto seja aprovado como está, a construtora não precisará pagar tributos à Prefeitura, como ISS (Imposto Sobre Serviços) e ITBI (Imposto Sobre Transmissão de Bens Móveis), que varia de cidade para cidade. Em geral, ele é calculado aplicando-se alíquota de 2% sobre o valor venal do bem adquirido.

Manu alegou que o projeto de lei municipal está em conformidade com lei federal 11.977 e que se trata de incentivos para viabilização do Minha Casa, Minha Vida. O prefeito afirmou que propostas semelhantes foram aprovadas em cidades como Boituva, Itapeva, Barretos, Mirassol e São José do Rio Preto.

Também destacou que o município pode arrecadar outros tributos, como ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e de produtos que serão utilizados na construção. Sustentou que as obras deverão gerar mais de 2.000 empregos diretos e divulgou estimativas de consumo da empreiteira.

Para construir as unidades, deverão ser gastos 3 milhões de tijolos, 1,5 milhão de telhas, 50 mil sacos de cimento, 5.000 janelas e vitrôs, 3.000 latas de tinta. Deve ser implantado asfalto e contratados trabalhadores para o serviço inicial, de terraplanagem da área dos novos loteamentos.

Como contrapartida, o prefeito afirmou que o Executivo precisa conceder o benefício. De acordo com ele, a isenção seria necessária para que o “empresário feche a conta”. Manu citou que a construtora “perdeu, praticamente, um terço do loteamento por conta dos ajustes solicitados pelo Graprohab”.

Segundo o prefeito, a Realiza só não desistiu da obra em função “do esforço” do Executivo. “É um trabalho de várias mãos, que precisa continuar”, disse.

Como garantia, a empreiteira dará uma apólice de seguro aceita pelo município e, de acordo com Manu, também aceita pelo governo federal e CEF. Esse “seguro” está dentro do projeto de lei que o Executivo quer ver aprovado.

O vereador do PT não questionou a garantia. Norbal criticou a publicação feita pelo Executivo e disse que ela estava “recheada de inverdades”. “Primeiro, que nós temos prazos das comissões para analisarmos os projetos; segundo, que o projeto não está engavetado. Está sendo discutido”, iniciou.

O petista disse que decidiu tomar um cuidado maior com relação à apreciação do projeto de modo a “não errar novamente”. O político citou, como erros, projetos que tratavam de servidores públicos municipais e do reajuste do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano).

Norbal defendeu que a Câmara seja “independente” do Executivo, que não pode ser um apêndice da Prefeitura. Também alegou que os vereadores precisam ter tempo para analisarem os projetos de modo mais criterioso. Ainda levantou dúvida sobre o interesse do projeto.

“Já enfrentamos muitos problemas de projetos que chegam de última hora, para analisarmos correndo, votarmos sem a segurança devida de fazer a coisa certa”, afirmou.

“Nesse caso específico, existem algumas discussões que, num primeiro momento, se olha e se percebe que tem alguma coisa estranha”, adicionou.

Um dos assuntos a ser debatido pelo vereador diz respeito ao “impacto financeiro”. Norbal afirma que há controvérsias sobre perda de arrecadação de tributo por conta de isenção. Conforme ele, existem estudos indicando que isso poderia caracterizar renúncia de receita e pesquisas que dizem o contrário.

“Eu queria que a Prefeitura elucidasse isso para votarmos o projeto, mas ela veio, por meio de rede social, acusar um vereador de engavetar um projeto que está na casa”, disse.

Norbal também afirmou que a proposta não deixou de ser votada por três sessões, conforme a publicação, uma vez que a Câmara suspendeu uma das reuniões por conta do falecimento de um dos filhos de Antonio Carlos Prestes (PSB).

Apresentando cópias de notícias divulgadas pela Prefeitura e pelo jornal, o petista criticou o Executivo. Conforme os textos produzidos com base em entrevistas e declarações do prefeito, a viabilização das construções teve início em 2013.

“O prefeito já tinha conhecimento de que isso deveria vir para a Câmara. Aí, a gente nota falta de competência, também, ou algum interesse para que não fosse analisado da melhor forma. Não quero acreditar nisso”, declarou o vereador.

Norbal afirmou, ainda, que o discurso e projeto apresentado pela Prefeitura junto à Câmara são “controversos”. A começar pela faixa de renda familiar determinada pela proposta.

O projeto estipula renda de zero a seis salários mínimos (faixa que pode incluir imóveis comercializáveis por construtoras e não cedidos por sorteio).

O vereador citou que, em declarações públicas, o prefeito evidenciou apenas benefício de zero a três salários mínimos (faixa de renda de imóveis que teria destinação exclusivamente social). Norbal também contestou o número de habitações.

Ao jornal, o prefeito contabilizou 950 moradias, tendo 650 sido autorizadas e 300 ainda a autorizar. Cópia de ata da quarta reunião do Complat (Conselho de Planejamento e Desenvolvimento Territorial de Tatuí) entregue pelo vereador e anexada ao projeto cita que serão construídas 580 unidades residenciais e 65 comerciais, no projeto de loteamento “Parque das Flores”. “Então, não serão mil, como mentiu a Prefeitura”, contestou o vereador.

Norbal refutou, também, dado constante em nota divulgada em rede social pelo Executivo. O texto citou a presença de cem pessoas. Conforme o parlamentar, apenas 20 teriam comparecido à ordinária. “A pedido de quem, não sei”, disse.

Também conforme o vereador, as cidades mencionadas pelo prefeito como já tendo aprovado projetos semelhantes teriam isentado de tributos apenas construções que atendessem pessoas com renda entre zero e três salários mínimos.

Para evitar que a cidade perca as moradias e a população mais carente deixe de ser atendida, Norbal disse que apresentará emenda ao projeto.

Seria uma correção ao artigo 1º, destinando as moradias exclusivamente para famílias que tenham renda mensal entre zero e três salários mínimos.

No entendimento do parlamentar, a isenção somente “beneficiaria a empreiteira e penalizaria a população mais carente”. Norbal disse, também, que a aprovação do projeto como está seria um “contrassenso”.

“O prefeito solicitou o aumento do IPTU para recuperar a capacidade de investimento da Prefeitura e, em contrapartida, nós isentamos construtoras?”, indagou o petista.

“Então, vemos que tudo está recheado de uma coisa um pouco estranha”, reiterou. “As pessoas estão pagando seus impostos com sacrifício, a duras penas, para isentar empresário que vem de fora e vai levar dinheiro da cidade? Essa é uma injustiça, e eu quero reestabelecer a verdade”, concluiu o vereador.

O projeto responsável pelo primeiro atrito entre o PT (base do governo municipal) com o prefeito deve ser votado na noite de terça-feira, 21. Caso a Câmara atenda pedido de inclusão de emenda, o projeto não poderá ser votado em segundo turno em extraordinária na mesma noite, apertando ainda mais o prazo do Executivo para a contratação do financiamento.

A expectativa é de que a votação final aconteça até a sexta-feira da semana que vem, em reunião extraordinária.