E teve início mais uma edição da Copa do Mundo de futebol. Em geral, salvo a quem é jogador, grande empresário da área, cartola ou corrupto da Fifa, o evento serve, singelamente, para entreter e contribuir com o comércio. Por isto apenas, já seria válido.
Desta vez, contudo, há certa similaridade com relação à Copa dos “90 milhões em ação”, a lendária disputa de 1970, quando o Brasil conquistou o título de maneira mais brilhante, conforme opinião da maioria dos amantes desse esporte e de outros tantos entendidos do assunto.
Naquele momento, como neste, havia uma ebulição política, sustentada pela fervura social. A diferença é que, agora, a crise é ainda mais crítica, dada a devastação econômica.
Antes, aqueles que defendiam a democracia, a liberdade de expressão e os direitos humanos sustentavam que melhor para o país seria o Brasil perder a Copa, então utilizada como marketing para convencer a população de que, a despeito da opressão autoritária, tudo estava bem.
Mais que isto, o discurso oficial pautava-se na mensagem de que ser patriota era não apenas torcer pelo país, mas ser submisso ao poder então imposto. Discordar era antipatriótico, subversão. “Brasil, ame-o ou deixe-o!”.
Ser campeão do mundo, portanto, era confirmação de sucesso da pátria de chuteiras, motivo de orgulho aos patriotas. Politicamente, por conseguinte, seria muito interessante a conquista do título mundial.
Frente a isso, havia o movimento a defender torcida contrária ao Brasil – a qual, por essência, seria contra o regime de exceção, não necessariamente avessa à bola na rede dos adversários.
Há relatos, por exemplo, de brasileiros exilados que chegaram a ir aos estádios para “torcer contra”.
Contudo, em geral, não deu certo… Claro, como pessoas que realmente prezam pela pátria – e não pelo poder que ela pode representar -, mal as partidas começavam e os brasileiros não se continham, vibrando pela seleção. Podiam ter deixado o Brasil, mas não deixaram de amá-lo…
Muito bem, o escrete canarinho venceu a competição e o regime seguiu por mais uma década e meia – não apenas pela conquista, naturalmente, mas, naquele momento, fazendo bom uso político do sucesso de Pelé e companhia.
Com mais de 210 milhões de potenciais torcedores, agora, o país enfrenta mais um período de instabilidade social, marcado, além da crise econômica, justamente pela cisão ideológica, por uma espécie de dérbi dos extremos fanáticos, da direita versus esquerda.
Essa competição besta, no entanto, tem escalado cada vez mais brasileiros para entrarem no campo da política, colocando-os (ou colocando-nos) não só em lados opostos, mas em confronto progressivamente ostensivo e repleto de faltas.
Daí a peculiaridade positiva desta edição da Copa do Mundo: se, antes, ela foi vista como um instrumento para estimular o ufanismo injustificado, a submissão e, até, a resignação diante da ditadura, agora, pode servir a algo de verdadeiro interesse ao Brasil: a união!
Torcer pelo Brasil, neste momento, é uma chance de reaproximar amigos, familiares e a própria nação em torno de um sentimento em comum, de um bom sentimento, com poder de combater a raiva, o ressentimento, o sectarismo.
Torcer pelo Brasil, finalmente, pode representar, de fato, o entoado pelo hino: “De repente / É aquela corrente pra frente / Parece que todo o Brasil deu a mão… / Todos ligados na mesma emoção… / Tudo é um só coração! Todos juntos vamos / Pra frente Brasil! Brasil!”.