
Os efeitos eleitorais dos “puxadores de votos” deverão ser menores nas eleições que acontecem hoje, domingo, 2. O pleito é o primeiro após a “minirreforma” eleitoral, que estabeleceu novas regras para a escolha dos vencedores nas eleições proporcionais, como é o caso da Câmara Municipal.
A avaliação é da cientista política Maria do Socorro Braga, professora da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos). O novo regramento, estabelecido em 2015, institui que, para ser eleito, um vereador precisa, no mínimo, atingir 10% do coeficiente eleitoral do próprio partido.
Na prática, a medida aprovada pelo Congresso Nacional reduz o “poder de fogo” dos puxadores de votos. Situações de candidatos eleitos em pleitos proporcionais com um número escasso de votos tende a desaparecer, pois, para serem eleitos, eles precisam atingir o mínimo.
O método de escolha para os cargos de vereadores é diferente do usado para a eleição do Executivo. Para dar maior pluralidade e poder de representação a diferentes legendas, a legislação eleitoral estabeleceu o coeficiente eleitoral e o quociente partidário.
Quando o eleitor escolhe um candidato a vereador, na prática, ele faz duas escolhas: o partido e o próprio postulante.
A legislação entende que, quando um grande número de eleitores vota em um mesmo partido para a Câmara Municipal, a plataforma política e ideológica daquela sigla está, de certo modo, sendo aprovada pela população. Daí o partido “merecer” representatividade maior no Legislativo.
O cálculo do coeficiente eleitoral é feito da seguinte forma: o número de votos válidos é dividido pelo número de “cadeiras” disponíveis no Legislativo. É considerado válido o voto que não é em “branco” ou nulo. Para garantir uma vaga na Câmara, os partidos ou coligações precisam atingir a taxa.
Após o cálculo do coeficiente eleitoral, é realizada a contabilização das vagas por partido, por meio do quociente partidário. O número de votos da sigla ou da coligação é dividido pelo coeficiente eleitoral. Pelos dois cálculos, é possível determinar a quantidade de cadeiras conquistadas pelos partidos.
Acontece que o modelo adotado até então gerava distorções. Partidos tidos como “nanicos” se valeram de personalidades conhecidas pela população para aumentar o coeficiente eleitoral e garantir mais cadeiras nas Câmaras Municipais, Assembleias Legislativa e na Câmara Federal.
Um caso conhecido de “puxador de voto” é o palhaço Francisco Everardo Oliveira Silva, o Tiririca. Concorrendo pelo PR (Partido Progressista), o deputado federal por São Paulo disputou a reeleição e garantiu mais de 1 milhão de votos. A votação expressiva garantiu mais cinco vagas para colegas de partido dele.
Em eleições passadas, já aconteceram casos de deputados federais serem eleitos sem voto algum. Em 1945, Ermelindo Castelo Branco se elegeu deputado federal pelo Acre nessa condição.
A nova regra estabelece que, para garantir a própria cadeira, o vereador tem de conseguir, pelo menos, 10% do coeficiente eleitoral.
Em uma cidade cujo coeficiente eleitoral seja de 3.000 votos, um candidato só receberá a vaga se atingir, no mínimo, 300. Caso um puxador de votos tenha garantido mais de uma vaga para o partido, o candidato só terá direito se atingir a “nota de corte”.
“Até então, se questionava o sistema eleitoral. Ele deixava passar candidatos que não tinham representação nenhuma, dependendo do tamanho da cidade”, explicou.
A cientista política avalia que as mudanças podem ser “horríveis” para os candidatos com menos recursos financeiros. Eles teriam menos condições de fazer campanha. Os candidatos com maior poder aquisitivo sairiam na frente na corrida eleitoral. Os políticos “de carreira” também estariam em vantagem, segundo ela.
“Penso que essa medida vai pressionar os partidos existentes para colocar candidatos que já tenham certo histórico em participação política eleitoral, o que é bastante complicado, nesse contexto, no qual a classe política é avaliada e questionada. A expectativa era que as legendas lançassem candidatos novos, por causa das críticas aos antigos políticos”, avaliou.
As novas regras também podem ter efeito negativo sobre a participação feminina na política eleitoral, disse a pesquisadora.
Com o estabelecimento de cotas de gênero para as coligações e siglas, o número de mulheres que se candidataram aumentou. Porém, como o novo sistema tende a beneficiar quem já é político conhecido ou tenha maior poder aquisitivo, as mulheres em início de carreira política tendem a ficar em desvantagem, ainda segundo a pesquisadora.
“Essa mudança pode fazer com que os partidos escolham candidatos que já sabem que podem ter mais votos. Essa seleção vai ter um impacto e não vai ser tão democrático, pois tende a dificultar a entrada de mulheres, pelo menos as que não têm experiência ainda”, afirmou.
Outro “efeito colateral” apontado pela pesquisadora envolve as coligações. Como são tratadas como um único partido em eleição, uma determinada agremiação pode perder cadeiras para outra que foi mais votada e que faz parte do mesmo consórcio. “Isso desestimula um pouco as coligações proporcionais”, apontou.
Algumas mudanças, segundo Maria do Socorro, serão sentidas nas próximas eleições. Como as deste domingo foram a primeira com o novo regramento, os líderes partidários terão o pleito como um “laboratório” para estratégias que nortearão as siglas a partir de 2018, quando ocorrerão eleições gerais.
A nova lógica das campanhas legislativas proporcionais tende a enfraquecer os partidos políticos e aumentar a “personalização” da política. Os candidatos tendem a ser mais “autônomos” em relação às siglas, ao “programático ideológico” e em termos de políticas públicas.
“É muito sério isso. Pode ser considerado um retrocesso, do ponto de vista da melhoria da qualidade do sistema político eleitoral. Não sei se o objetivo foi reduzir a fragmentação, mas não sei se a mudança vai dar conta disso, pois tende a dificultar muito a organização partidária”, opinou.