Já faz alguns anos que o professor Wilson Bertrami apresenta um programa na Rádio Notícias de Tatuí. É uma programação de músicas antigas direcionada para saudosistas. Uma das músicas mais recentes que Wilson toca em seu programa é “Kalu”, um grande sucesso do final dos anos 40 e início da década de 1950. Antiquíssima, mas se mantém firme na grade do programa dele.
Outra música que se fez presente em seu programa é a outrora famosa “Manolita”. A letra dessa canção fala do romance de um toureiro com uma moça de Sevilha, moça esta que consultava uma cartomante a respeito do amor de Pedro, o toureiro. Fez tanto sucesso na década de 40 em todo o Brasil. Não havia uma festa, um encontro, uma programação de rádio ou um baile em que essa música não fosse exaustivamente tocada. Onde havia uma orquestra, logo aparecia um pedido:
– Toquem a “Manolita”! – em uníssono todos gritavam.
E a orquestra tocava, tocava, repetia, repetia. Ô, música danada! De tanto repetirem a tal “Manolita”, ficou desvalorizada. Até a nota de um cruzeiro, lançada pouco tempo antes da gravação dessa música e que já nessa época valia quase nada, foi apelidada de “manolita”. Tocou tanto, mas tanto, isso em todo o Brasil, que não havia pessoa no país que não conhecesse sua letra.
De repente, alguém espalhou que essa música dava azar e quem cantasse a danada “Manolita” teria sérios problemas. Ih, foi o que bastou! Ninguém mais cantava. Os pais proibiram as crianças de cantarolar em casa. – Isso dá azar! – afirmavam. Em pouco tempo foram deixando de cantar, ouvir, até que todos se esqueceram da” Manolita”. Ninguém mais se lembra da “Manolita”.
Ninguém, vírgula, porque Wilson Bertrami resolveu tocar a tal música em seu programa. Tocar ele tocou, mas não se sabe qual foi a reação de seus ouvintes. Pouca gente gosta de ouvir a “Manolita”, porque ainda se lembram de sua triste sina e de seu final horroroso: a morte do toureiro.
Wilson Bertrami não acredita em azar e, por isso, tocou a danada “Manolita”. Nesse dia, logo depois de voltar de seu programa radiofônico, estava com mil dólares em sua carteira, um dinheiro que sobrou de uma viagem que fez. Como não precisava daquele numerário, resolveu guardar. Mas guardar onde? Os bancos não aceitavam depósito em moeda estrangeira. Mas como sua esposa tinha um belo oratório com algumas imagens de santos de sua devoção, Wilson teve uma ideia:
– Vou guardar no oratório! – resolveu.
Enrolou as notas de dólares e enfiou na estátua de São Judas Tadeu, santo das causas desesperadas ou perdidas. É realmente um ótimo local para guardar dinheiro, dentro do santo, um costume que já vem desde o tempo do Brasil Colônia, com os contrabandos em santos de pau oco. Assim foi feito.
Logo Wilson esqueceu-se daquele dinheiro. Um homem como ele, trabalhador e previdente, não costuma passar apertos. As coisas sempre estão dentro do orçamento.
Pouco mais de um ano depois, quando o câmbio estava bastante favorável para quem possuía a moeda norte-americana, Wilson lembrou-se de seus dólares. Ao procurar o São Judas Tadeu em seu oratório, entretanto, teve uma desagradável surpresa: a estátua não estava mais lá!
– Onde está o São Judas Tadeu? – perguntou à sua esposa.
– Ah, faz tempo que a empregada derrubou e quebrou! – foi a resposta que ouviu, quase sem acreditar.
– E o que foi feito dos cacos? – desesperadamente, perguntou.
– Levei ao cemitério. Naquele local onde as pessoas depositam estátuas e imagens de santos quebradas! – sua esposa explicou.
Wilson pegou seu carro e foi até o cemitério, com a esperança de encontrar os restos do São Judas Tadeu e que nesses restos ainda encontrasse os mil dólares. Nada! Nem santo, nem cacos e nem dinheiro! Logo fez a ligação: ele guardou o dinheiro logo depois de tocar a “Manolita”, a música que dá azar! E não adiantou pedir para o santo, pois os dólares não voltaram.
Quero acreditar que alguém encontrou os mil dólares e deve ser até hoje devoto de São Judas Tadeu, o santo das causas desesperadas e perdidas. E nem sabe que, na realidade, deve tudo à maldição da “Manolita”. Depois disso, Wilson continuou sem acreditar no azar, mas, por via das dúvidas, nunca mais tocou a “Manolita”!