Mais que os 200 anos, a vida é a melhor escolha

Seria algo digno de celebração histórica e motivo de festa, alegria incontida, o bicentenário da independência de um país – do nosso país! O Brasil! Contudo, na comemoração, de maneira já pouco surpreendente – como se tal efeméride ocorresse banalmente e não após dois séculos! -, deixou-se de lado o 7 de Setembro em favor do 2 de outubro…

Com certeza, todos os brasileiros, das crianças aos mais idosos (salvo os recém-nascidos, quem sabe), não terão em vida outra oportunidade de acompanhar um novo centenário da independência do país – vez que, como já disse alguém, “todos vamos morrer um dia mesmo”, e raros são os a ultrapassar os cem anos…

Consequência: uma data tão significativa – também como se diz – jogada na lata do lixo da história. Mas, enfim, é o Brasil da atualidade. É sacodir a bandeira empoeirada do mofo autoritário e seguir em frente.

A tristeza, não obstante, faz crescer sua sombra além de datas cívicas, infelizmente. Portanto, talvez seja menos lamentável usar este espaço para observar uma das consequências – entre tantas outras -também influenciadas pelo desânimo, pela desesperança, pela decepção, pela dor: o suicídio.

Pode parecer dramática a colocação, assim, sem cerimônia, mas o perigo é real e o momento não colabora, dado o clima de dissenso, agressividade e incertezas.

Com esta consciência, pode ser muito pertinente o foco na mais importante iniciativa na área de saúde a marcar este mês, o Setembro Amarelo, dedicado justamente à prevenção ao suicídio.

Nesta semana, uma divulgação do Hospital Pequeno Príncipe, de Curitiba (PR), abordou o assunto junto à imprensa, aprofundando-se ainda mais no problema ao enfatizar o dramático volume de jovens e crianças vítimas dessa tragédia que é o atentado contra a própria vida.

Questiona a entidade: “Por que falar sobre prevenção ao suicídio? Ainda que seja um tabu, o assunto é considerado um problema de saúde pública”.

A entidade lembra, em seguida, ocorrerem cerca de 14 mil casos por ano no Brasil, além de o suicídio se configurar na quarta causa de morte entre os jovens de 15 a 29 anos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Somente no ano passado, informa o Hospital Pequeno Príncipe (que é o maior exclusivamente pediátrico do país), atendeu 52 crianças e adolescentes por autoagressão.

O número é 173% maior que o total realizado no ano anterior. “Além disso, o paciente com a menor idade atendido pela instituição por causa de idealização suicida tinha apenas sete anos”, acentua a entidade.

Por causa da seriedade do drama, durante o Setembro Amarelo, mês em que se coloca o tema em destaque, o Hospital Pequeno Príncipe informa estar reforçando a importância de se falar sobre o assunto, além de ressaltar a necessidade do cuidado com a saúde mental desde a infância.

A tentativa de suicídio normalmente ocorre após a pessoa já ter manifestado sinais de depressão, ansiedade ou outra questão de saúde mental. “Por isso, é tão importante manter um canal aberto de comunicação entre as crianças e os adolescentes”, reforça a entidade.

“As dificuldades e os transtornos mentais existem e são genuínos. Incentivar que se fale sobre o assunto é assumir que esse tipo de problema existe na sociedade, inclusive na infância e adolescência”, observa a psicóloga Angelita Wisnieski da Silva, do “Pequeno Príncipe”.

E enumera o hospital: “Existem diferentes situações que podem ser um fator de risco, como bullying na escola, violência doméstica, perda de um ente querido, uso de drogas e outras substâncias, divórcio dos pais e dificuldade no aprendizado”.

Entretanto, segundo a OMS, 90% dos casos de suicídio poderiam ser prevenidos pelo simples fato “de se ter alguém com quem conversar”. “Por isso, informar-se para aprender e ajudar o próximo é a melhor saída para lutar contra esse problema tão grave”, acrescenta o “Pequeno Príncipe”.

“É muito importante que as pessoas próximas estejam atentas às mudanças repentinas de comportamento e alterações de humor dos meninos e meninas, ajudem oferecendo uma escuta ativa sem julgamentos e auxiliem no encaminhamento a um psicólogo ou psiquiatra sempre que necessário”, orienta o hospital.

“Cada fase da vida tem seus conflitos, dúvidas e questões que podem gerar sofrimento, por isso é preciso olhar para essas questões e buscar estratégias de abordagem e tratamento”, reitera a psicóloga Angelita.

A campanha Setembro Amarela é promovida anualmente pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM). Em 2022, tem o tema “A vida é a melhor escolha!”.

Como maior objetivo, a ação pretende “mostrar que é fundamental falar sobre o assunto para que as pessoas que estejam passando por momentos difíceis e de crise busquem ajuda e entendam o valor da vida”.

Com um pouco de boa-vontade, finalmente, é possível reconhecer a similaridade, neste momento, entre os dois temas: desestabilização social e suicídio.

Como prevenção – senão como um remédio –, é fundamental a revalorização do diálogo, da “conversa” e, muito além (mas muito além mesmo!), de voltar a se dar o “devido valor à vida”!

No mais, vital é ter em mente (sã) que não apenas as pessoas individualmente atentam contra a própria vida, mas que um país todo também pode buscar o suicídio, mormente quando começa a buscar a saída para seus problemas através das armas, as quais, existem, fundamentalmente, para matar.

Como muito bem aconselha o tema do Setembro Amarelo, pelo verdadeiro bem-estar físico e mental de todos os brasileiros e brasileiras e em favor do maior sintoma de saúde de um país, que é a sua democracia, jamais nos esqueçamos: “A vida é a melhor escolha!”.