Há 11 anos, as cesarianas respondem pela maioria dos partos realizados em Tatuí. Estudo divulgado neste mês pela Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) mostra que, de 2004 a 2015, esses procedimentos superaram os partos normais.
O crescimento foi de 42,32% entre o primeiro e o último ano do estudo. O levantamento, publicado na segunda-feira da semana passada, 6, apresenta dados de partos cesáreos. Ele inclui panorama dos municípios paulistas e uma síntese dos nascimentos no país.
Em Tatuí, a porcentagem de partos cesáreos vem aumentando desde o primeiro ano de mensuração, com oscilações para mais e para menos. Contudo, somente em 2004, o percentual de partos normais havia superado as cesáreas.
Nos anos seguintes, a quantidade de cesarianas ficou acima de 50%. Em 2005, segundo ano do comparativo, o percentual de cesáreas chegou a 62,43%.
Houve duas quedas consecutivas, no terceiro e quarto ano. Em 2006, as cesarianas responderam por 53,12% dos partos e, em 2007, por 52,37%.
O quadro voltou a mudar em 2008, quando houve ligeira alta, de 2,32%. Em 2009, as cesarianas responderam pela maioria dos partos, com 59,88%, subindo anualmente (60,54%, no ano de 2010; 62,31%, em 2011; e 65,31%, em 2012) até 2013, quando somaram 66,71%.
Nos dois anos subsequentes, os partos cesáreos regrediram, caindo para 65,24% e 64,03%, em 2014 e 2015, respectivamente. Ainda assim, houve elevação na comparação com o ano inicial, de 19,04%.
A diretora técnica da Maternidade “Maria Odete Campos Azevedo”, da Santa Casa de Misericórdia, Maria Laura Lavorato Matias, explicou que não há “fórmula exata” para avaliar se o percentual registrado em Tatuí é “bom ou ruim” para a saúde da criança e da mãe.
Ela acrescentou que o quadro na cidade se deve ao aumento da demanda por parte de grávidas da região. Segundo a ginecologista e obstetra, o panorama tem relação também com o aumento de casos mais graves.
Maria Laura argumentou que a maternidade “cresceu” em termos de atendimento. Especialmente, com a chegada de gestantes que residem em outros municípios, tendo Tatuí como referência.
“Houve um período no qual nós atendemos muitas cidades, inclusive, para as quais não éramos referência, como Cerquilho. As gestantes começaram a vir para cá, o que resultou em uma demanda de alto risco também”, argumentou.
Com número cada vez mais crescente de grávidas “forasteiras”, a equipe da maternidade acaba tendo de realizar procedimentos sem ter o histórico de exames e acompanhamentos do pré-natal. “Tudo isso interfere no tipo de parto que vai ocorrer, resultando nesse aumento”, ressaltou.
De acordo com a médica, o ideal seria que as cesarianas não ultrapassassem 20% do número de partos. Maria Laura enfatizou que esse percentual é preconizado pela OMS (Organização Mundial da Saúde). “Ocorre que essa estatística é de 35 anos atrás. Hoje, não temos mais condições de aplicá-la”, avaliou.
A ginecologista relatou que fatores como idade avançada na gravidez, pressão alta, diabetes e problemas de tireoide não só interferem na gravidez, como incidem no tipo de parto. Também há registros cada vez maiores de gravidez na adolescência.
Somados ao aumento da demanda, esses fatores implicam em crescimento do volume de partos cesáreos. Atualmente, a maternidade atende grávidas de Tatuí e mais três municípios, por meio de pactuação (quando o hospital é contratado para realizar os procedimentos por meio do Sistema Único de Saúde).
Nascem, em Tatuí, bebês filhos de mães de Quadra, Cesário Lange e Capela do Alto. Porém, a médica informou que os partos abrangem outras pacientes. “Acabamos atendendo Boituva, Cerquilho, Guareí e mais algumas outras cidades que vêm para cá. É o caso de Angatuba e Torre de Pedra”, contou.
Conforme a médica, no município, o aumento dos partos cesáreos está diretamente ligado à “diversidade de gravidez”. A maternidade atende desde adolescentes até as chamadas “gestantes idosas”, mães acima dos 35 anos. “Houve um aumento, especialmente, nessa faixa etária”, contou.
Embora haja a vontade da mãe, a diretora clínica citou que os partos cesarianos são realizados com base em uma série de critérios. Além disso, as gravidas também precisam fazer exames para avaliar se há e quais são os riscos.
“Na verdade, a cesárea funciona como se fosse um remédio que o médico prescreve para quem fica doente. Ele avalia e aplica. Com a cesárea, é a mesma coisa. Não tem uma fórmula específica. O que existem são indicações médicas”.
Esse tipo de cirurgia é recomendado para mulheres que “não evoluem” durante o trabalho de parto. A indicação é feita também quando não existe compatibilidade entre o tamanho do bebê e a pélvis da mãe, em casos nos quais uma doença pode influenciar no trabalho de parto e quando há “sofrimento fetal” por ausência de líquido amniótico, ou presença de mecônio (fezes) no líquido.
“Nós utilizamos vários parâmetros. Fazemos o exame físico e de toque para avaliar a paciente, além de monitorar o coração do bebê. Juntando tudo isso, é possível fazer um diagnóstico para ver qual é a melhor indicação para o parto”, contou.
Dependendo do caso, a médica sustentou que a cesariana pode ser a melhor solução para a mãe e para o bebê. Ela também mencionou haver riscos, mas vantagens. “A cesariana foi inventada para corrigir um problema de parto e melhorar as condições de nascimento para o feto e para a mãe”.
Uma das vantagens é que a intervenção cirúrgica, apesar do corte e das cicatrizes, pode evitar problemas como incontinência urinária, mais prevalente em mães de parto normal do que nas que optam por cesarianas, segundo a médica.
Contudo, Maria Laura explicou que a condição não é duradoura, quando aparece em mulheres que optam por realizar o parto normal. “Não vai ficar para o resto da vida. O problema pode ocorrer por um período, mas melhora. Ele fica até o organismo da mulher se recuperar do parto”, acrescentou.
Renda e escolaridade
Segundo a médica, embora não comprovadamente por meio de estudos, há uma relação entre renda e grau de escolaridade com o tipo de parto. Maria Laura explicou que os partos normais são mais comuns (ou ocorrem com maior frequência) em pacientes que não possuem convênio médico e dependem do SUS.
“Se formos analisar bem friamente os dados, sim, geralmente, há uma relação”, apontou. A obstetra mencionou que o grau de escolaridade e a estabilidade financeira contribuem para que as gestantes se decidam mais pela cesariana.
Essa relação é mais evidente em mulheres que buscam atendimento por meio de convênio. Conforme a médica, nas pacientes particulares, os partos cesáreos são realizados em 90% das vezes.
Segundo Maria Laura, a grande maioria das mulheres também opta pela cesárea em função do hábito cultural. A obstetra mencionou que, no Brasil, as cesarianas são associadas à posição social e a benefícios como “não sentir dor”.