Liderança sem-terra diz que ‘clima é tenso’





Cristiano Mota

Barracos situados em via pública podem ser demolidos a qualquer momento

 

“A situação é a mesma e o clima, tenso”. Um dos líderes da FNL (Frente Nacional de Luta Campo e Cidade), Luciano de Lima, afirmou a O Progresso que os acampados em Quadra permanecem sem saber quando – e se haverá – confronto com a Polícia Militar, por conta de ação de reintegração de posse.

As famílias que vivem em barracos instalados entre a estrada vicinal (de terra) e a fazenda Paiol aguardam o cumprimento de decisão judicial “a qualquer momento”.

Contudo, elas não têm a intenção de deixar o local sem “brigar”. Pelo menos é o que reafirmou o dirigente. O movimento espera confronto.

“Nós não sabemos quando, mas vamos enfrentar a força do batalhão (da Polícia Militar)”, comentou o dirigente. Por conta da incerteza, Lima disse que os assentados estão passando por momento difícil, uma vez que, no local, estão vivendo não só homens, mas mulheres, idosos, adolescentes e crianças.

Além de lutar para permanecer no espaço, a FNL encampou outro desafio. Lima citou que o movimento quer garantir que a Prefeitura de Quadra matricule crianças no ensino fundamental.

De acordo com o dirigente, o Executivo da cidade vizinha estaria descumprindo ordem judicial e, também, não transportando os estudantes alocados pelo governo do Estado para as escolas.

“De uma coisa nós sabemos, o prefeito (Carlos Vieira de Andrade) vai ser obrigado a matriculá-las (as crianças) e a dar transporte”, declarou o dirigente.

Lima afirmou que a Frente ingressou com ação judicial para obrigar o prefeito a atender às crianças das famílias acampadas. De acordo com ele, o processo prevê que 46 sejam atendidas pela Prefeitura. “Ele vai ter de encontrar um lugar para colocá-las, porque já tem uma decisão sobre isso”, argumentou.

O dirigente disse, também, que a Prefeitura de Quadra não estaria “cumprindo com a obrigação e transferindo a culpa para as pessoas acampadas”.

Segundo Lima, o Executivo deixou de cumprir acordo com o Ministério do Movimento Agrário quando parou de utilizar maquinários para a conservação da estrada vicinal, no trecho que está sendo ocupado pelo movimento.

“O prefeito não está arrumando e não há condições de tráfego porque a estrada está cheia de buracos. Acontece que ele está alegando que não arruma por nossa causa. Está colocando a população de Quadra contra nós”, disse.

A alegação da Frente é de que a cidade dispõe de equipamentos cedidos pelo ministério, mas não estaria os utilizando para os reparos. Lima alegou que os dirigentes realizaram levantamento na região e apuraram que “todos os municípios dispõem de maquinários para serem utilizados nesse tipo de manutenção”.

O dirigente argumentou que, por causa da falta de condições mínimas de tráfego, as crianças e as famílias que vivem no entorno da estrada estão em situação de risco.

Segundo ele, buracos também estariam sendo usados como argumento, pela Prefeitura de Quadra, para não enviar ônibus para transporte escolar dos estudantes matriculados em instituições do Estado.

Mesmo com as dificuldades, o dirigente informou que o número de acampados não diminuiu. Pelo contrário, Lima declarou que, na contagem mais recente, a Frente registrou perto de 1.300 famílias.

Na soma anterior – quando do cadastro feito pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), em outubro de 2014 – a organização tinha 900 famílias.

Por conta das adversidades (falta de energia elétrica e de saneamento básico), o dirigente declarou que uma pequena parte das famílias acabou desistindo. “As baixas foram pequenas e nem dá para considerar, já que entraram várias pessoas novas, e esse número só está aumentando”, declarou.

A última medição do Incra está sendo considerada para fins de reforma agrária. Lima afirmou que o instituto já terminou a medição da área e deve dar parecer até a semana que vem. Representantes do movimento viajaram a São Paulo para reunião com membros do Incra, para se atualizarem.

Para a liderança, a expectativa é de que o órgão já tenha parecer sobre a situação da fazenda invadida. Os sem-terra reivindicam a entrega da propriedade, sob o argumento de que ela é improdutiva ou tenha sido grilada (processo no qual um imóvel é registrado a partir de documento falso para regularização).

No total, 150 pessoas participaram do encontro, que discutiu não só a situação dos acampados em Quadra, mas que estão em outros municípios nos quais a FNL mantém ocupação. O Incra pediu 60 dias para divulgar os pareceres. A data passou a contar a partir do dia 19, quando houve a reunião.

Em Quadra, o movimento interrompeu as negociações com o prefeito por entender que o Executivo não quer que eles permaneçam no município. Porém, no que depender da liderança, os acampados devem continuar em solo quadrense.

Tanto que a FNL já articulou, com o governo federal, a vinda de cestas básicas. A expectativa de Lima é de que as famílias acampadas comecem a receber o benefício para que “possam se alimentar adequadamente” nesta segunda-feira, 23.

“O governo federal vai fazer de tudo para que nós possamos ficar. Junto com o Incra, a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) e o FDE (Fundo de Desenvolvimento para Educação) enviarão as cestas básicas”, comentou.

A Frente considera a ajuda como um reconhecimento de que, em Quadra, existem terras devolutas (terrenos públicos que nunca pertenceram a um particular, mesmo sendo ocupadas) e que as ocupadas também são improdutivas.

De modo a fortalecer ainda mais o movimento, Lima afirmou que a FNL deve criar, em uma das propriedades ocupadas, um “sítio escola”. Trata-se de iniciativa que oferece cursos de capacitação profissional para pessoas que queiram aprender a trabalhar com a terra e para os filhos dos acampados.

O modelo pode ser implantado em uma fazenda em Quadra, oferecida pelo dono ao Incra. Conforme o dirigente, o proprietário está negociando a venda com o instituto e cedeu, antecipadamente, o espaço para ser ocupado pelos sem-terra.

“Existe uma portaria que permite ao Incra comprar terra de particular, mesmo que produtiva ou improdutiva. Nós procuramos alguns donos de terras e conseguimos uma pequena área, que dá 40 alqueires”, comentou Lima.

Na fazenda, o movimento acomodou 25 famílias, mas pode agregar as que ocupam o assentamento considerado irregular pela Prefeitura de Quadra.

Em caso de despejo, por conta da reintegração de posse, Lima declarou que a FNL poderá utilizar toda a área para abrigar as 1.300 famílias do movimento.

Segredo de Justiça

Procurado pela reportagem de O Progresso, o advogado José Dirceu de Jesus Ribeiro informou que a Prefeitura de Quadra não poderia comentar o caso. Conforme ele, o processo de reintegração de posse corre em segredo de Justiça.

Ribeiro declarou que a Prefeitura não pode determinar quando o Judiciário expedirá cumprimento de ordem de despejo. Até o final do ano passado, a administração de Quadra mantinha negociações com os dirigentes dos sem-terra.

Na época, para evitar conflitos, o advogado contou que o Executivo determinou a suspensão da ação, tentando uma desocupação pacífica por parte dos acampados.

Como não houve acordo, Ribeiro afirmou que a Prefeitura retomou a ação na Justiça. O pedido ainda está sendo analisado em juízo, mas com a ressalva do segredo.

Ribeiro acrescentou, também, que não houve diálogo com a liderança do movimento. O advogado alegou que a FNL não quis saber de dialogar e não procurou mais a Prefeitura para tentar novo entendimento.