Nascido em novembro de 1915, em plena 1ª Guerra, foi contemporâneo da revolução bolchevique, da depressão de 1919, do stalinismo, da 2ª Guerra, de Mussolini e Hitler, nove papas e 27 presidentes da república, entre tantos fatos. Autodidata na clarineta, completa 75 anos de música. Em São Paulo, foi desde professor e diretor da Escola Roosevelt até músico de “dancings”, clubes onde homens com ternos aprumados se exibiam como dançarinos. As moças usavam os tíquetes dos rapazes para cálculo do valor a ser pago.
Com a regularização profissional no Conservatório de Tatuí, Juca, mesmo recém-operado do coração, reconfirmou-se na posição que já exercia havia décadas, a de professor de instrumento. Como os demais interessados, prestou processo seletivo, chamando atenção por sua musicalidade e experiência. Seu registro do emprego em carteira (CTPS) aos 93 mereceu destaque na imprensa regional e no “Estadão”: segundo o Ministério do Trabalho da 15ª Região, não havia ali caso semelhante, quem sabe seria o único no país. Preocupava-me vê-lo atravessar a rua com seus óculos de lentes grossas, e, claro, muito mais sua família, quando pegava o carro e ia dar suas “bandas”, como diz a rapaziada.
As aulas do “Seu Juca” não se resumiam à técnica, ele falava do funcionamento das chaves, ajustes na boquilha, escolha da palheta, controle do diafragma e postura ao tocar – ou seja, além de dar aulas era um verdadeiro mestre, dono da calma e da sabedoria que apenas esses têm. E era rigoroso, diziam os alunos. Belo dia, resolveu se aposentar, dar lugar a alguém mais jovem.
Em 2006, em um congresso em Richmond (EUA), David Walter, ex-professor da Juilliard de mais de 90 anos, ouviu um jovem tocar, ao contrabaixo, o prelúdio da “Suíte 3” de Bach para violoncelo. Ao terminar, houve longa pausa, e Walter abriu os olhos. Contou o que um grande músico havia lhe dito sobre aquele prelúdio: “Pense nas ondas do mar, umas mais cheias, outras mais suaves, tudo fluindo no vai e vem harmonioso da natureza. Quem me disse isso foi Pablo Casals” – o maior nome do violoncelo, modelar na interpretação das suítes. Pediu então que o jovem repetisse a peça, e, pasme, tudo mudara da água para o vinho. Fortes aplausos, emoção geral. Não basta aprender a mexer nas teclas, chaves ou cordas, há que se respirar o mesmo ar do mestre, tentar sentir o que ele sente! Às vezes, poucas palavras bastam. Ou o silêncio e um olhar. Bravo, “Seu Juca”. Salve!