Jabuticaba, a fruta

Mouzar Benedito *

Quando eu tinha uns oito anos de idade, uma vizinha velha tinha uma jabuticabeira que produzia muito, mas não deixava a molecada da vizinhança aproveitar. Um dia, ela me propôs que eu colhesse jabuticaba e vendesse para ela, em troca de uma graninha.

Topei, e fui perguntar ao meu pai quanto eu devia cobrar dela. Ele me falou: “É a porcentagem”. Perguntei que diabo era isso, e ele me explicou: “Se vender dez cruzeiros, você fica com dois e entrega oito a ela”. Quer dizer, ficava com 20%.

Na época, nem pensei que eu faria o trabalho todo e ficaria com só um pouquinho da grana, e ela que não faria nada ficaria com muito mais. E por muito tempo, achei que porcentagem era isso: vinte por cento. Não imaginava que poderia ser dez por cento, quarenta por cento…

Eu tinha um carrinho em que cabiam uns 15 litros e vendia por litro, medido com uma lata de óleo. O preço era ridículo, mas vendi vários carrinhos de jabuticaba e gostei. Mesmo pouco dinheiro, pra mim era uma beleza.

Lembro que não falava que vendia jabuticaba. Vendia fruta. Ou fruita. Assim chamávamos a jabuticaba na minha terra: fruta, ou fruita, na pronúncia caipira.

Sabíamos que banana era fruta, laranja também, abacate… Mas quando falávamos fruta, ou fruita, nos referíamos só à jabuticaba.
E isso me remete a um causo que os velhos me contavam, sobre a Revolução de 1932. Minha região faz divisa com o estado de São Paulo. Soldados paulistas e mineiros, inimigos na Revolução, cruzavam a fronteira direto.

Um dia, um roceiro que tinha um sítio bem na divisa, viu se aproximar um grupo de soldados. Perguntaram se ele era mineiro ou paulista, respondeu que era mineiro. Os soldados eram paulistas e lhe deram uma baita surra.

Mal se recuperou, outro grupo de soldados se aproximou e fez a mesma pergunta. Pensou: “Falei que era mineiro e apanhei…” e respondeu: “Sou paulista”. Os soldados eram mineiros e lhe deram outra surra.

Quando estava quase curado, viu um grupo de soldados se aproximar e ficou apavorado: “Falei que era mineiro, apanhei. Falei que era paulista, apanhei de novo”. Subiu numa jabuticabeira, tentando não ser visto pelos soldados, mas não deu certo.

Eles chegaram debaixo da fruteira e perguntaram se era mineiro ou paulista. Lá do alto, ele respondeu com voz trêmula: “Eu sou fruita”.

Edição: Daniel Lamir.

* Jornalista, escritor e contador de causos.


Livros do Mouzar Benedito pelas editoras Boitempo, Limiar e Terra Redonda.

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