Da reportagem
Papick Richard Bianchi Viscelli, acusado de matar o sogro Eli Benedito Donizetti Badin a facadas, em outubro de 2010, na vila Dr. Laurindo, em Tatuí, foi condenado à pena de 29 anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado.
A condenação entendeu que o crime havia sido praticado por “motivo fútil” e que ainda dificultou a “defesa do ofendido” – ou seja, da vítima. O julgamento passou por júri popular nesta terça-feira, 22, 12 anos após o crime.
Segundo Anna Laura Unterckircher Badin, “o resultado do julgamento foi uma luta vencida. É uma mistura de felicidade com tristeza, pois a justiça foi feita, mas não trará meu pai de volta. Viscelli tem de pagar pelo que fez e pelas sequelas que deixou em nossa família”, disse. Anna Laura é filha de Rosana Unterckircher Badin, a única sobrevivente da tragédia.
“Desde 2010, temos sofrido muito. Quando meu pai morreu, tive de assumir a casa, aos 16 anos, pois minha mãe e minha irmã, Erica Unterckircher Badin, ficaram ruins e eu tinha uma criança para criar”, descreveu Anna Laura. A irmã, Erica, morreu em 14 de junho de 2011, vítima de um acidente de moto. “Parecia que o céu estava desabando sobre nossas cabeças”, comentou.
Tempo depois, Anna Laura começou a estudar direito. Irá se formar no final deste ano. “Me interessei pela profissão com o objetivo de entender o que acontece com a Justiça brasileira e por quais motivos ela é lenta”, conta. Para ela, as diversas “brechas” na legislação fazem com que crimes como o que acorreu com o pai dela demorem para ser julgados.
De acordo com a filha da vítima, o julgamento era para ser realizado em maio, mas o advogado do réu apresentou um atestado médico por depressão, e o júri foi adiado. Para Anna Laura, a condenação já deveria ter saído há anos.
“Inicialmente, ele cumprirá em liberdade. Não queria que ele tivesse saído do tribunal pela mesma porta que entrou”, ressaltou. Viscelli tem direito a recorrer em liberdade. Caso o recurso seja negado, ele vai para a prisão.
“Já era para ter acontecido muito antes porque, em outubro, vão fazer 12 anos, e é um crime hediondo, por motivo fútil e com arma branca. A gente tem medo porque, quando estava no hospital, ele fez ameaças, dizendo que ia terminar o que começou. Minha mãe não dormia quando ele foi solto. Vivemos momentos horrorosos”, desabafa.
Conforme o tempo passou, Rosana melhorou e vive uma vida normal, sem precisar mais fazer uso de remédios, como os antidepressivos, por exemplo, conta a filha. “Minha mãe teve que dar a volta por cima. Ela precisou ser forte para criar a neta, que é filha do Papick”.
“Dificilmente o que aconteceu será superado. A gente aprende a conviver com a dor. Essa tragédia está marcada para o resto de nossas vidas e até fisicamente, por conta das marcas que ficaram no corpo de minha mãe”, lamenta Anna Laura.
Para ela, os momentos mais complicados são as datas dos aniversários do pai e da irmã. “Nesses momentos, tudo vem à tona, e ficamos pensando em como seria a vida deles se estivessem vivos com a gente”, comenta.
“Quando cheguei em casa, a tragédia já tinha acontecido. Me vi sem chão. Fui para o hospital imaginando que todos não tinham resistido”, relembra Anna Laura.
Para ela, “a missão só será cumprida” quando Viscelli for preso e cumprir a pena em regime fechado. O acusado permaneceu detido por seis anos e um mês, mas teve habeas corpus, com pedido de liminar, concedido em novembro de 2016.
A defesa dele pediu, por mais de uma vez, a revogação da prisão preventiva, decretada em 21 de outubro de 2010, sob a alegação de “excesso de prazo na formação da culpa”. A liberdade do suspeito gerou indignação da família.
Após a soltura, Viscelli constituiu uma nova família.
O crime
Na época com 25 anos, Viscelli teria matado o sogro, Donizetti Badin, ferido a sogra, Rosana, e a esposa, Erica, a facadas. O jovem estava separado da mulher e teria ido até a casa dos sogros para conversar.
Após desentendimento, o acusado teria pegado uma faca (que levara ao local) e agredido os três. O sogro recebeu dez facadas e morreu no local.
A jovem e a mãe dela também foram golpeadas. Viscelli ainda agrediu os pais, que correram na tentativa de acalmá-lo. O desentendimento ocorreu no portão da casa das vítimas. O agressor só foi contido após a chegada da Polícia Militar.
As vítimas foram atendidas na Santa Casa. Entretanto, Badin não resistiu aos ferimentos. Erica permaneceu internada, mas fora de perigo, e Rosana passou por atendimentos.
O casal residia perto de um mercadinho e, no imóvel, teria as brigas como rotina. Rosana disse que a filha permanecia muito tempo sozinha e que o ex-genro voltava tarde do trabalho.
A filha teria contado à mãe que Viscelli a maltratava verbalmente. “Os vizinhos falavam que era muita gritaria. Ela nunca comentou comigo que ele batia nela, nunca vi, mas era agressão verbal”, disse Rosana a O Progresso de Tatuí.
O casal permaneceu junto por cinco anos, tendo se separado em decorrência dos sucessivos desentendimentos. No dia do rompimento, ocorrido em julho de 2010, o jovem teria “tomado vários comprimidos e tentado esganar a esposa”, segundo Rosana.”
Depois desse episódio, Rosana disse que a filha deixou o marido. Quatro meses depois, ela reatou o relacionamento. A mãe da vítima conta que Viscelli teria pedido perdão e dito que estava doente, acometido por um câncer.
No mesmo dia em que o casal reatou, Viscelli teria agredido a mulher e jogado a filha na cama, declarou Rosana. Na época, ela lecionava na rede municipal da educação.
“Saí do HTPC (horário de trabalho pedagógico coletivo) correndo, porque ela estava pedindo socorro e disse que ele havia tomado comprimidos”, narrou.
O casal havia brigado por volta das 11h do dia 20 de outubro. Depois de ter tentado enforcar a mulher, Viscelli teria se trancado no banheiro da residência.
A ex-sogra contou que guardas civis municipais precisaram estourar a porta para retirá-lo de lá. O jovem, então, foi levado ao Pronto-Socorro Municipal, para lavagem estomacal.
No dia seguinte, Viscelli teria ido com os pais até a casa dos sogros. Antes, teria proferido ameaças e, conforme Rosana, dito que, caso Erica não reatasse o relacionamento, “mataria todo mundo”.
Badin acabou esfaqueada logo depois de ter aberto o portão da casa e de Viscelli ter retirado a filha do colo de Erica e tê-la colocado no banco do carro dos pais dele. “Ele já veio com intenção. Estava com o olho todo vermelho, paralisado”, sustentou.
De acordo com Rosana, para pegar a menina, o agressor havia esfaqueado os braços da mulher. “Ele cortou todos os nervos radiais. Ela perdeu o movimento do braço direito. Meu marido levou facadas na barriga, no peito e nas costas”, descreveu.
A moça precisou ser transferida a Sorocaba, urgentemente, porque corria o risco de ter o braço amputado. Já o pai dela faleceu enquanto era atendido pelo Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência). Rosana, que estava menos ferida, foi levada à Santa Casa em um camburão da PM.
O crime ocorreu no período da tarde, perto das 17h30, antes de a família da professora aposentada deixar a casa. Rosana conta que ela e o marido levavam a cunhada diariamente até a casa da sogra dela, no Jardim Santa Emília, para tomar conta da idosa. “Foi nessa hora que os pais dele o trouxeram”, relatou.
A professora ainda revelou outro detalhe sobre o crime: conforme ela, uma das facas teria sido “puxada” de dentro de uma boneca que pertencia à filha do suspeito.
“Quando vi que o Eli tinha levado muitas facadas, ergui a mão dele (Viscelli) para cima e peguei na cintura. Senti outra faca, não encontrada. A Erica me disse que ele tinha tirado a primeira de dentro de uma boneca”, afirmou.
Durante a agressão, Rosana levou uma facada nas costas e caiu ao chão. O suspeito ainda desferiu um golpe que atingiu uma das pernas da professora. “Depois é que eu levantei e vi meu marido correndo e um rio de sangue no chão. O Eli não aguentou e caiu (à frente de) umas duas casas depois da minha”, recordou.
Segundo a professora, o jovem não atingiu a filha dele porque “alguém pegou a criança e correu”. Rosana afirmou que Viscelli ainda correra atrás da pessoa, mas não a alcançara. “A menina ficou na casa da família dessa pessoa por uma semana. Se existe anjo da guarda no mundo, é ela”, argumentou.
Transferida ao Hospital Regional de Sorocaba, Erica recebeu tratamento para evitar a perda do braço em outra unidade de saúde. “Ela foi levada a outro local, pelo convênio Apas (Associação Policial de Assistência à Saúde)”, contou Rosana.