Seria ótimo se todos os prestadores de serviço em áreas vitais à população e os servidores em todas as suas categorias, sejam eleitos ou de carreira, tivessem acima de tudo o interesse muito maior de servir as pessoas além de quaisquer outros propósitos.
Contudo, espécimes desta bela natureza nem sempre são a maioria. Vez ou outra, diante da tamanha importância da ação do estado na vida dos cidadãos, principalmente na área de saúde, seria ainda mais oportuna a predominância da “narrativa” do bem comum na prática.
Há muito que Tatuí aguarda pelo serviço de hemodiálise que a tantas pessoas iria prestar um serviço extraordinário. Na semana passada, o jornal O Progresso de Tatuí deu destaque à clínica particular anunciada para prestar este tão necessário atendimento de saúde.
O chamado Centro de Hemodiálise de Tatuí, edificado pela empresa Nefrotat Cuidados Renais, informou seguir em tratativa com a Divisão Regional de Saúde (DRS-16) para a compra de seus serviços a serem efetivados na cidade.
O médico nefrologista e proprietário da clínica, Alcyr Weller Ferrari, sustentou ter ocorrido recentemente um acordo verbal entre ele e o diretor da DRS regional, Carlos Ribeiro de Moura, sobre a possibilidade dessa compra pelo órgão regional por período de seis meses.
Após esse tempo, explicou Ferrari, a clínica teria os dados históricos de atendimento exigidos pelo Ministério da Saúde para uma possível efetivação de convênio entre o órgão federal e a prefeitura.
“Ele (referindo-se ao diretor da DRS) se animou. Talvez esperasse algo menos atrativo, mas viu que aqui é um dispositivo estrategicamente muito interessante para o DRS, que não dá para ser ignorado”, sustentou.
Ele ressaltou ser importante o convênio entre a clínica e o órgão regional pelo fato de a demanda das clínicas atendidas pela DRS estar “quase com a capacidade total preenchida”.
Construída de forma a atender pacientes de planos de saúde suplementar (particular), Ferrari disse que o empreendimento dele “não poderia deixar de prestar atendimento para o sistema público de saúde em uma cidade que lhe acolheu muito bem”.
“Você monta um serviço de alta complexidade, de alto custo, e você vira as costas para o SUS para atender apenas os pacientes da saúde suplementar? Seria uma covardia”, afirmou.
Ele falou que a proposta não é “elitizar o atendimento na clínica”. “Se a instalação dela no município tivesse sido por esse motivo, a demanda seria pouca”, acrescentou.
Conforme o médico, o lugar abrigaria, além da estrutura clínica, um “centro de convivência humanitário” mantido por ela, “com espaços destinados ao bem-estar dos atendidos, os quais também serão estendidos às famílias deles”.
Dentro desse projeto, segundo ele, seria implantada uma cozinha experimental, na qual, todos os dias, uma família poderia participar da preparação de refeições junto com a cozinheira e a nutricionista do local. “Esse acolhimento, o paciente vai ter todo dia”, afirmou.
Ele anunciou que, além do projeto da cozinha, haveria espaço destinado à fisioterapia e à recuperação aeróbica dos pacientes, ambientes voltados à leitura, informática e “totens destinados à inclusão digital dos atendidos”.
“Depois das sessões diárias, nós teremos a inclusão digital na clínica, com totens de modelos bancários para o treinamento dos pacientes no manuseio de suas finanças, com o intuito de que possam depender cada vez menos de terceiros”, argumentou.
Segundo o médico, a Nefrotat é a primeira clínica de hemodiálise modular do Brasil (construída em módulos), sendo 30% dela voltada para o “regime de humanização”.
Para a compra de serviços de hemodiálise, de acordo com a DRS, a clínica deve “credenciar” no mínimo 130 pacientes. Em Tatuí, há perto de 70 que se deslocam, no mínimo, três vezes na semana para as cidades de Itapetininga e Sorocaba, onde passam pelas sessões de hemodiálise.
Ferrari explicou que a clínica teria de ter a capacidade de atendimento dos 130 pacientes em prazo de um ano. Atualmente, segundo ele, o espaço tem como atender, no primeiro mês, 25% desses pacientes; no segundo, 45%; e no quinto, 50%, até atingir a meta de 100% em um ano.
Neste dia 31 de julho, a Câmara Municipal de Tatuí encaminhou dois ofícios: um destinado à DRS e o outro a Ferrari, questionando sobre um suposto pedido de envio de documentação feito pelo órgão regional à clínica local, com o intuito de dar prosseguimento às tratativas.
Os vereadores buscam saber, a partir dos pedidos, o que até então havia sido formalizado entre ambos, ainda que “verbalmente”.
No entanto, segundo o médico, até a semana passada, o órgão de saúde regional não havia solicitado a ele nenhuma documentação.
“A resposta é não. Não houve nenhuma manifestação da DRS. Irei responder documentalmente (o ofício da Câmara). Mas, ela (DRS) não solicitou nenhum documento a mim”, reiterou.
Ele reforçou que “não se compra um serviço de alta complexidade e de custo com um documento”. “É uma série de documentos. São perguntas descabidas que se estabeleceram fora do contexto de um contrato formal”, reafirmou.
Também acentuou ser o município o detentor do credenciamento junto aos órgãos responsáveis pela compra de serviços de hemodiálise.
“Quando se tem sofrimento e morte, a questão é humanitária. Então, é o município o grande interessado na compra do serviço”, declarou.
Em nota à imprensa, a Secretaria Municipal de Saúde informou ter acontecido uma reunião entre representantes da Secretaria do Estado de Saúde e da DRS-16, entre os quais, o diretor geral do órgão.
Na ocasião, segundo a secretaria de Tatuí, a divisão foi autorizada a realizar um estudo de demanda e viabilidade da fila da DRS na região, para apresentar à Secretaria de Saúde estadual.
Imediatamente em seguida à publicação, muitas manifestações foram observadas pelo jornal, principalmente em suas redes sociais. E não poderia ser diferente, até porque, como acentuado, a questão envolve vidas.
Óbvio, antes de tudo, simplesmente, é de se esperar que o serviço venha a ser iniciado o mais brevemente possível na cidade. Isto reforçado, ficam alguns pontos a suscitar observações com cautelosa retidão.
Uma delas é que, diante de tamanho investimento, já seria extraordinário se a clínica começasse a trabalhar. Havendo nela tantos outros benefícios anunciados, ressaltam-se uma vultuosidade e uma pretensão que é de se esperar, francamente, não estejam tão aquém da realidade tatuiana.
Por sua vez, essa aparente falha de comunicação entre o órgão regional de saúde e o empreendimento local não causa algo nem perto de boa impressão.
Na dúvida, de momento, seria correta a cautela de afirmar-se que apenas com a demanda local pelo SUS a clínica não seria viável, havendo a necessidade da prestação de serviços também à saúde privada e a localidades da região.
Literalmente pela vida de tantas pessoas sofrendo, é urgente que a questão venha a ser resolvida e o serviço, concretizado o quanto antes.