Feira do Doce de Tatuí: reconhecer, agir e potencializar virtudes

Plenamente consolidado como o maior evento de lazer, turístico, cultural e “comercial’ da cidade, a Feira do Doce de Tatuí é um exemplo prático e evidente de como é possível e produtivo se reconhecer as próprias virtudes e, a partir delas, agir e potencializá-las em benefício de um objetivo maior – o qual melhor acaba sendo quando pautado no interesse público.

Tomando apenas um dos aspectos positivos de iniciativa dessa natureza, a beneficiar o turismo, basta lembrar que os locais de interesse – grandes ou pequenos – “atraem” visitantes, obviamente, por seus “atrativos”, os quais, basicamente, podem ser “naturais” ou “artificiais”, resumindo.

Por esse motivo, apesar dos pesares em termos de insegurança pública, o Rio de Janeiro segue como o destino turístico mais procurado no Brasil por visitantes estrangeiros (e por aí se nota o poder da natureza – não a humana…).

Contudo, há exemplos também de virtuoso sucesso em criação “artificial” de atrativo turístico, em meio aos quais, encontra-se Las Vegas, nos Estados Unidos, que costuma receber cerca de 40 milhões de visitantes ao ano em seus cassinos, construídos onde antes só havia deserto (com o perdão de um exemplo estrangeiro, mas que vale a citação pelo tamanho fenomenal da façanha).

Por sua vez, entre a exuberância maravilhosa da cidade do Rio e a inovação ianque, há incontáveis bons exemplos de ações que se concluem em novos patrimônios, sobretudo turísticos, a juntar o reconhecimento e a valorização das peculiaridades e virtudes locais com o empreendedorismo.

Assim, retornando à terrinha Ternura, é oportuno observar a sorte local em alguns aspectos (há azar em outros? Sim, como todos os municípios, mas não vamos aqui azedar a receita dos argumentos).

Entre as alegrias do município, é nacionalmente conhecido como Capital da Música – por virtude intrínseca -, Cidade Ternura – graças a Maurício Loureiro Gama e ao jornal O Progresso de Tatuí – e, agora, também como Terra dos Doces Caseiros.

Portanto, é possível – senão necessário – reforçar que a Feira do Doce é palpável e saboroso exemplo da receita de se criar atrativos com personalidade própria, baseando-se em elementos tradicionais e virtudes naturais.

O resultado desta iniciativa local, fermentada ao longo dos últimos dez anos, é simplesmente o maior evento de Tatuí em âmbitos distintos, tendo chegado em 2024 a um público “passante” de praticamente 300 mil pessoas entre os dias 5 e 9 de julho.

A feira (ainda) aconteceu na Praça da Matriz, com 65 expositores e mais de 250 tipos diferentes de doces, além da programação do Festival Capital da Música “Maestro Antônio Carlos Neves Campos”.

Os cinco dias de evento também tiveram uma série de novidades, como ações inclusivas para autistas e pessoas com deficiência (PCDs), além do apoio reforçado para a chegada das caravanas de várias cidades do estado de São Paulo.

Outras iniciativas em paralelo contaram com a distribuição gratuita da sétima edição do Guia Turístico e Gastronômico “Tatuí Cidade Ternura”, produzido pelo jornal O Progresso, e a segunda edição do concurso “Doce Harmonia”, promovido por meio de parceria entre a Faculdade de Tecnologia e a Associação dos Produtores de Doces de Tatuí (Aprodoce), com apoio da prefeitura.

No encerramento da abertura da programação, na noite de sexta-feira, houve a apresentação de um vídeo comemorativo aos dez anos do evento, destacando homenagem a Jorge Rizek. Nele, o ex-secretário municipal de cultura e turismo comenta sobre a origem da feira.

Em sua coluna no jornal O Progresso, semana passada, Rizek reiterou o depoimento, que em parte resgatamos abaixo:

“É emocionante ver um projeto criado por nós chegar ao décimo ano, sem interrupção.

Quando vereador, já vislumbrava criar um evento com produtos da cidade, que tivesse apelo turístico e levasse o nome de Tatuí além da região. Nossos ‘doceiros’ sempre me chamavam atenção: Belarmina, com os doces ABC; Luxa, com seus bolos de festa; Celina, com seu bolo xadrez; Cida, com suas balas de alfeniz; e outros tantos, com seus doces caseiros, feitos no fogão a lenha e no tacho, no fundo do quintal: goiabada, marmelada, laranja, figo, mamão.

Pesquisei no cadastro da prefeitura e vi que poucos tinham inscrição. Poucos queriam participar.

Aí veio o Departamento de Cultura. Resolvemos fazer uma feira de domingo – a primeira na Praça da Matriz. Reunimos quase 20 doceiros. Na segunda, na Praça da Santa, não mais que seis. E a ideia da feira fracassou. Mas não desisti.

Levei o tema para ser discutido no Comtur, e, durante anos, foi assunto de debate, e a vontade do Conselho de Turismo era fazer outra versão da feira na área de exposições do Centro Cultural.

Foram até criadas as comissões, mas também não saiu do papel.

O primeiro projeto que fiz era para acontecer no clube XI de Agosto. Tinha visto uma feira da Unimed lá e visualizei como o lugar ideal. O tempo passou, mas a vontade de fazer, não.

Em 2013, no governo do prefeito José Manuel Coelho, quando entrei como diretor de turismo e cultura, em conversa sobre o assunto, ele topou e autorizou a realização da feira.

E aí, junto com a equipe da secretaria, planejamos, corremos atrás dos doceiros e fizemos o evento. Entre feira e festa, ficou ‘Festa do Doce’. Paralelo à festa, criamos também as apresentações musicais – afinal, Tatuí é a Capital da Música.

O conceito do evento seria um espaço de negócios, uma vitrine para os produtores de doces, não uma quermesse. Uma feira para desenvolver o trade turístico e trazer recursos para a cidade, além de criar empregos. Era um evento com conceito.

Com o sucesso, sugerimos a criação de uma Associação dos Produtores de Doces de Tatuí (Aprodoce), para fortalecer e responder pela classe. E aí está ela, fazendo seu papel.

O evento tem muito a crescer ainda, hoje já está a nível estadual, mas queremos ele a nível nacional.

Para isso, temos que criar um espaço de eventos para abrigar e fomentar mais produtores e doces diferentes, um local com uma boa infraestrutura para atender aos turistas.

Nossos hotéis estavam lotados. E tem muitos itens a acrescentar na feira: cozinha experimental, troca de receitas de família, concurso de bolo confeitado, ringue de briga de bolo, loja de suvenires…

E contar com grandes marcas que trabalham com doces, como União, Nestlé, Garoto, Lacta, Walita, Arno, Brastemp, Tramontina, Sicao e por aí afora.

Vamos aguardar. Sonhar não custa nada, assim como sonhamos e realizamos a Feira do Doce.”

O registro na abertura, portanto – sem dúvida, justo e necessário –, pode e deve ser compreendido como mais que uma homenagem a Rizek, senão como um exemplo e incentivo exatamente às iniciativas inovadoras, oportunas e, realmente, edificantes em favor não apenas de Tatuí, mas de toda e qualquer comunidade que se preza e dá valor a suas origens e virtudes.

Em outros termos, demonstra que, para o sucesso e o real bem comum, não é preciso possuir as belezas da Cidade Maravilhosa, tampouco partir do deserto, basta, além de boa-vontade, perspicácia, inteligência e se dispor a muito trabalho. Melhor doce receita não há.