Está correto: o preço dos combustíveis, da comida e o desejo por mais efetiva segurança pública têm pautado as expectativas mais urgentes da imensa maioria da população – dizem muitos analistas que, inclusive, determinando-lhe a opção de voto nestas próximas eleições.
Não por outra razão ocorre a histeria por baixar o valor de determinados produtos de necessidade básica agora, ainda que forçadamente e por meio de manobras menos oportunas ao país e muito mais a interesses eleitoreiros.
Não há dúvida, portanto, quanto aos benefícios de se investir contra a carestia neste momento, tanto para aliviar o bolso da população quanto para a proliferação de votos a partir da contaminação pelo vírus populista.
O que não se sabe é exatamente o que acontecerá logo após a contagem dos votos pelas urnas eletrônicas – essas mesmas, sabidamente seguras e respeitadas no mundo todo, onde são tidas como modelos, menos pelo próprio governo brasileiro, por razões indisfarçáveis, a também não mais suscitar dúvidas.
Ou seja, por mais adeptos ao sectarismo ideológico ainda sejam perto de um quarto dos brasileiros, alguém se arrisca, “sinceramente”, a apostar que a crise energética não vai definitivamente explodir em seguida ao fim das eleições?
(As quais, aliás, espera-se que deem posse realmente aos candidatos mais votados e não a quem mais pode ameaçar a população com armas).
Por sua vez, outro aspecto, este de inquestionável certeza, é que a tal democracia não existe sem a “real” – não demagógica, oportunista e novamente eleitoreira – liberdade de informação e expressão.
Quanto a isto, outros dois fatos: primeiro, sim, a democracia tem perdido cada vez mais valor diante das bombas de gasolina e dos pratos mirrados; e segundo, há uma confusão, muito mal-intencionada e proposital, quanto ao conceito de liberdade de expressão.
Simplificando: com a liberdade realmente assegurada, “em tese” (frise-se isto), o cidadão poderia até dizer acreditar que o país estaria “melhor” (ou menos ruim), por exemplo, sem um Supremo Tribunal Federal. Seria a “ideia” dele e, embora absolutamente equivocada, estaria inserida em sua liberdade de ter opinião.
Outra situação – convenhamos, totalmente diversa – seria, por exemplo, um indivíduo (deputado ou não) ir a público para instigar as pessoas a pegarem seus trabucos e seguirem até o STF para matarem os ministros…
Ora, por mais obtusa ainda esteja parte da nação, é impossível crer que não se perceba a diferença – algo tão inacreditável quanto surreal como se testemunhar o “perdão” a um criminoso desses. O fato de ser parlamentar federal só torna a realidade ainda mais tétrica e dramática.
Em meio a tanta confusão e desgraça – com a escalada das mortes por execução até por agentes do estado, aumento da pobreza e das contaminações por Covid-19, caçada explícita aos índios e desmatamento sem cerimônia –, como fica, afinal, a tão fundamental liberdade de imprensa no Brasil?
A resposta é: não fica… “Bem”, pelo menos, não… Fica mal… Razão pela qual, mesmo sendo tão vital à manutenção da democracia, apenas suscitou esperneios em seu próprio meio neste dia 7 de junho, quando se “comemora” (?) o Dia Nacional da Liberdade de Imprensa.
Em uma das poucas iniciativas, para reafirmar a importância da data, o consórcio de veículos de imprensa se uniu em “uma ação que reforça a importância do acesso à informação de qualidade pela sociedade, já que sem informação não há cidadania plena”.
Ela também busca defender a “integridade dos jornalistas profissionais, que sofrem, cada vez mais, com ataques e ameaças no exercício da profissão”.
Todos os jornais impressos e sites do consórcio apresentaram, nesse dia, um anúncio de página inteira e uma tarja preta no alto de suas capas, com o texto “Dia Nacional da Liberdade de Imprensa. Uma campanha em defesa do jornalismo profissional”.
Na publicidade, esteve a frase estampada: “Apoie o jornalismo para que páginas em branco, como esta, não aconteçam. O jornalismo precisa ser livre. Livre para informar, investigar e mostrar tudo o que acontece para que você forme a sua opinião. Quem defende o jornalismo defende a liberdade e fortalece a democracia”.
Só para lembrar, quanto ao consórcio: quando teve início a pandemia e o governo não divulgava as mortes, deixando a população à mercê do vírus, como se ele não fosse mortal, houve a origem desse consórcio de veículos de imprensa.
Desde então, ele passou a totalizar e divulgar os números de casos e falecimentos relacionados à Covid-19, exercendo uma função que seria obrigação do estado brasileiro e pela qual, certamente, muitas vidas acabaram poupadas, dadas as informações corretas terem servido como reais vacinas contra o mortal negacionismo.
Ironicamente, o Dia Nacional da Liberdade de Imprensa lembra um manifesto de 1977 exigindo o fim da censura à imprensa e à restrição da liberdade de informação.
Assinado por quase 3.000 jornalistas, o documento, publicado no Boletim da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), denunciava a apreensão de edições inteiras de periódicos, a omissão de informações por parte do governo e a ameaça representada pelo AI-5, o ato institucional que inaugurou a fase mais dura da ditadura brasileira (e que um pessoalzinho aí com ânsia de sangue quer de volta).
A atual campanha também busca defender a “integridade” dos jornalistas profissionais, que sofrem, cada vez mais, com ataques e ameaças no exercício da profissão.
Isso porque a categoria tem sido vítima de violência crescente: em 2021, foram 145 casos de violência não letal contra jornalistas – quase três por semana, segundo o relatório anual “Violações à Liberdade de Expressão”, da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert).
Ao todo, 230 profissionais de imprensa e veículos de comunicação foram alvo de violência no ano passado – uma alta de 21,69% em relação a 2020.
Ainda segundo os dados da Abert, o número de atentados contra jornalistas dobrou em 2021 em relação ao ano anterior, passando de quatro para oito. Em 50% dos casos, foram utilizadas armas de fogo contra os profissionais da imprensa.
Lembrando o quão dependente é a democracia da liberdade real de informação, fica a pergunta final: não seria a imprensa também um bem essencial a uma sociedade minimamente justa e digna?
E mais: alguém ainda acredita, de verdade, “de coração”, que a gasolina ainda vai baixar e a “nossa” liberdade, aumentar após as eleições?
Seria mesmo sensato descartar de vez as verdadeiras liberdades e apostar em um governo totalitário (tipo ditadura), como se esse fosse mais capaz de garantir combustíveis baratos, segurança e comida?
Se a liberdade de se expressar no futuro já parece incerta, pelo menos a de pensar no presente ainda é totalmente garantida. Portanto, é pensar seriamente a respeito.
Brilhante. É o que posso dizer.