Esgotamento mental

Ainda em virtude do Setembro Amarelo – ação mundial de prevenção ao suicídio -, alguns dados precisam ser observados com superlativa atenção. Entre os quais, o de que metade dos brasileiros já experimentou o “esgotamento mental”.

Surpresa? Certamente, não. Afinal, leitor, você está plenamente feliz? Contente com tanta hostilidade? Comemorando com tiros para cima a alegria de ser brasileiro neste momento?

Está esbanjando confiança no futuro de seus filhos, mesmo que eles não tenham acesso à educação básica particular e a futuros incentivos para concretizar o ensino superior?

Não tem nenhuma dúvida de que, após as eleições, os auxílios emergenciais podem diminuir sensivelmente, tal como aumentar a carestia de tudo que vem a ser básico a uma vida minimamente digna de quase toda “família tradicional” brasileira – a de baixa renda, portanto?

Ou, diferentemente de tudo isso, está preocupado, com a “cabeça quente”? Sendo esta a opção, você faz parte desse grande contingente inquieto, tenso, alarmado e, por consequência, quem sabe, desenvolvendo uma úlcera ou uma depressão – entre outros desgostos e adoecimentos. As pesquisas o comprovam.

Uma delas identificou que metade dos brasileiros, de 16 anos ou mais – ou alguém dentro de suas casas – enfrentou o esgotamento extremo que não acabava mesmo após um dia de descanso.

A constatação foi feita pela recente pesquisa do Datafolha Saúde Mental dos Brasileiros 2022, encomendada pela Abrata (Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos) e pela Viatris, nova empresa de saúde global.

O levantamento aconteceu de maneira presencial, entre os dias 2 e 13 de agosto de 2022, em 130 municípios, que abrangem as cinco regiões socioeconômicas do Brasil. Ao todo, as entrevistas tiveram público de 2.098 pessoas, de todas as classes econômicas.

Na pesquisa, cerca de 53% dos participantes responderam que “passaram ou convivem com alguém que passou por um período de cansaço e desequilíbrio emocional extremos, seguidos de uma sensação de desgaste físico e mental que perdurou por mais de um dia”.

Do total, a maioria dos impactados é mulher, somando 57%. Outro fator destacado é que, na faixa etária dos jovens de 16 a 24 anos, 63% tiveram situações de estresse e cansaço por mais de um dia.

A pesquisa faz parte da campanha Bem Me Quer, Bem Me Quero: Cuidar da Saúde Mental é um Exercício Diário, alusiva ao Setembro Amarelo.

“O mais recente retrato da saúde mental do brasileiro revela percepção de esgotamento e sofrimento emocional. A pesquisa também chama a atenção pelo fato de adultos jovens serem mais propensos a terem essa percepção. É preciso olhar para os motivos, mas também propor medidas para mudar esse cenário”, comenta o médico psiquiatra Fernando Fernandes.

Por sua vez, 34% dos brasileiros declararam ter sofrido problemas psicológicos durante a pandemia de Covid-19. O número, a despeito de ser muito significativo, é menor do que o apurado pelo Datafolha no ano anterior, quando chegou a 44%.

“O motivo dessa queda nos resultados pode estar relacionado a uma percepção diferente sobre os riscos à saúde, além de uma eventual melhora no ambiente econômico comparados ao momento mais agudo da Covid-19”, avalia o psiquiatra.

A Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata) é uma entidade civil sem fins lucrativos voltada à necessidade de atender pessoas portadoras de transtornos do humor, como depressão e transtorno bipolar, assim como seus familiares e amigos.

Com sede em São Paulo, a associação reúne representantes de diversas universidades e desenvolve múltiplas atividades com o objetivo de levar conhecimento e informação à sociedade sobre a natureza dos transtornos do humor, além de apoiar psicossocialmente os portadores de depressão, transtorno bipolar, seus familiares e amigos. Mais informações no site da entidade (https://www.abrata.org.br/) e em suas redes sociais (Instagram, Facebook e YouTube).

Especificamente em Tatuí, este mês também é todo dedicado à prevenção ao suicídio, em integração ao Setembro Amarelo, a partir de diversas ações. Os trabalhos são realizados pela prefeitura, por meio da Raps, vinculada à Secretaria de Saúde, com apoio da Rede Intersetorial e da Atenção Básica em Saúde.

“O principal objetivo do Setembro Amarelo é trazer visibilidade para o tema e conscientizar a população para a prevenção de suicídios, sendo a melhor forma através de diálogos e discussões que abordem o problema”, argumenta a diretora da Raps (Rede de Atenção Psicossocial), Cíntia Scaglioni.

Segundo ela, focando no tema “A vida é a melhor escolha, você não está sozinho”, a equipe está realizando diversas ações, entre elas: palestras nas unidades básicas de saúde (UBSs) e nas escolas de ensinos fundamental e médio, além de reuniões nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras).

Sobre os dados referentes ao Brasil, Cintia destaca o registro de aproximadamente 12 mil suicídios em todos os anos.

“Cerca de 96,8% dos casos estavam relacionados a transtornos mentais. Em primeiro lugar, está a depressão, seguida do transtorno bipolar e do abuso de substâncias”, pontua.

Em Tatuí, segundo as informações fornecidas pela Vigilância Epidemiológica e pela Polícia Civil, no período de outubro de 2021 até o momento (meados de setembro), houve 23 casos efetivos e 67 tentativas de suicídio.

Sobre a pandemia de Covid-19, a coordenadora afirma que, com as mudanças ocasionadas pela doença – como o distanciamento social, do trabalho, fechamento de escolas e perda de contato com familiares e amigos -, muitas pessoas passaram a sentir medo, ansiedade e tristeza.

“Observamos que, neste período, os casos de ansiedade e depressão aumentaram em 25% no mundo. Vemos os reflexos até hoje, e é necessário muito trabalho de diversas áreas, como da saúde e da educação, para que essa situação diminua”, menciona Cintia.

Sobre a prevenção, a coordenadora aponta a importância do “esforço colaborativo” da família, amigos, colegas de trabalho, membros da sociedade civil, educadores e líderes religiosos.

Ainda, destaca os profissionais de saúde, ao promoverem “estratégias integrativas que englobem o trabalho no nível individual, de sistemas e da comunidade”.

A coordenadora recomenda que, caso se perceba que uma pessoa está sob o risco de cometer algo relativo ao suicídio, se converse com ela e faça com que perceba que pode “contar com alguém”, encaminhando-a aos órgãos de suporte.

Orientação vital à vida, indiscutivelmente – como da mesma forma também é inquestionável que, se questões absolutamente pessoais podem impactar negativamente as emoções, também as externas não deixam de interferir.

Mais uma vez, portanto, é hora de pensar no futuro e sobre as atitudes possíveis contra esse esgotamento mental que parece não ter fim, evitando mais tragédias como o suicídio, por derradeiro. E nisto, para bem ou para mal, também a política (em geral) e seu voto (em particular) têm sensível influência.