Da reportagem
Nascida em 1990, casada e mãe de três filhos, Clarym Luana Holvoks Nunes está escrevendo o segundo livro, participa de um coletivo cultural e cria conteúdo digital em um aplicativo de vídeos virais, utilizando a ferramenta com o objetivo de propagar a leitura.
Lançado em 2017, o Likee, uma plataforma global de criação e compartilhamento de vídeos disponível para sistemas operacionais iOS e Android, tinha Clarym como uma das usuárias, assim como aplicativos semelhantes, como o Tik Tok e o Kawaii.
Em 4 de janeiro deste ano, um dia após o aniversário de 31 anos, a tatuiana realizou a primeira live dela no Likee, dando “vida” à personagem poética “Flora”, uma “e-girl” (uma estética de moda “chamativa” e bastante presente nas mídias sociais online) de olhos coloridos e cabelos roxos.
De acordo com Clarym, imediatamente após a primeira live, ela foi contatada por um agente do aplicativo e, posteriormente, contratada. Ela foi entrevistada, os vídeos passaram por teste de qualidade e o perfil dela recebeu uma coroa do Likee, considerando-a criadora de conteúdo digital.
Atualmente, Clarym segue caracterizando-se como Flora e costuma fazer duas horas de live diariamente. A tatuiana conta que usa o dinheiro que ganha com os vídeos na plataforma digital para comprar livros e, depois, doá-los.
“Gravo dicas de leitura e falo sobre os livros nas lives. Como sou apaixonada por Florbela Espanca, ela é a leitura mais esperada de todos os dias”, afirmou a O Progresso.
A escritora se considera nova no aplicativo e diz ser a única a fazer lives com leitura de poesias. Ela antecipa que, em breve, pretende começar a declamar poemas de Paulo Setúbal.
Apesar de já gravar e fazer lives para outros aplicativos semelhantes, Clarym indica ter começado do zero no Likee. Segundo a tatuiana, em pouco tempo, os seguidores de outras plataformas conectaram-se com ela novamente, passando a ser chamada de “Poetisa do Likee”.
“Tenho uma excelente aceitação e, nas lives, estou entre os melhores do Brasil. Poder ler poemas e resgatar valores, isso é muito gratificante”, garante.
“Durante as lives, geralmente estou lendo para 300 pessoas. Eu falo com cerca de 2.000 seguidores todos os dias, eles se emocionam, se abrem e contam as experiências, mas eu nunca sonhei com isso!”, completa.
Clarym participa do coletivo cultural “Leitura pelos Cantos do Brasil”, recebendo doações e enviando livros aos leitores que não têm condições de comprá-los. O coletivo cultural foi uma das motivações para “propagar a leitura” pela plataforma digital.
Conforme a escritora, ela não costumava utilizar as redes sociais como atualmente, apesar de já ter alcançado, em outra plataforma, 500 mil visualizações em vídeos de humor. Ela também decidiu investir mais no digital porque o período pandêmico deixou-a entediada.
“Incentivar a leitura é um desafio gigante. Como as pessoas sentem preguiça, pensei em ler, declamar poesias e falar sobre os livros para elas”, explica. “Hoje em dia, no ‘Reels’ (ferramenta semelhante ao Likee no Instagram), o público que lê apenas assiste vídeos, não cria conteúdo; eu sou criadora de conteúdo digital”, complementa Clarym.
A escritora revela que sempre sonhou em estudar teatro, mas não obteve sucesso. Ela iniciou no curso de letras e continuou postando os vídeos, tendo até pensado em desistir, mas a pandemia mudou o pensamento dela.
“A literatura precisa ser viva e estar em todos os lugares. Quem olha para uma e-girl e pensa que ela é escritora ou poeta? Ninguém”, destaca a intérprete de Flora.
Nascida em São Bernardo do Campo (SP), Clarym veio a Tatuí com três anos. Ela conta ter estudado somente em instituições públicas do município e garante que a paixão pela literatura se iniciou quando estudava na Escola Estadual “Chico Pereira” e cresceu quando estava no projeto social Lar Espaço Feliz, do Lar Donato Flores.
Em 2019, a tatuiana lançou o primeiro livro, intitulado “Eu Sinto Grito Eu”. O amor pela literatura foi passado aos filhos, que adoram ler gibis. Assim como ela, dois dos filhos têm TDAH (transtorno de déficit de atenção com hiperatividade). Clarym também é disléxica.
“Como eu era muito pobre e não tinha condições de comprar livros, cresci com o desejo de ter uma estante cheia de livros”, afirma a escritora.
Ela reforça que a leitura é uma rotina na casa da família, pois a “literatura transforma e salva vidas”. “Sou a prova viva. Os livros me ensinaram a ser forte e a me dedicar. A leitura vai além de sentar e ler um livro, ela toca no interno das pessoas”, conclui Clarym.