Empréstimos geram atrito na Santa Casa





Cristiano Mota

Centro cirúrgico da santa Casa passa por reforma para transformação de hospital em ‘estruturante’

 

Pronunciamentos do vereador Antonio Marcos de Abreu, o Marquinho da Santa Casa (PP), em sessão da Câmara Municipal no início do mês, geraram atrito entre membros da diretoria da Santa Casa. O parlamentar, que é vice-provedor do hospital, se diz “voto vencido” sobre o que chamou de “ação temerária”: a contratação de empréstimos pela diretoria.

Ao fazer uso da palavra, Abreu apresentou uma série de questionamentos em requerimentos endereçados à provedora da Santa Casa, Nanete Walti de Lima.

No pronunciamento, ele chegou a falar que temia o fechamento do hospital, por conta de comprometimento das finanças em função de empréstimos.

Os argumentos apresentados por Abreu foram rechaçados pela provedora e pelo tesoureiro, João Prior, nesta semana. Os dois solicitaram espaço em O Progresso para apresentarem contrapontos que negam o pronunciamento do vereador.

Apesar de divulgar que o hospital trabalha com um déficit anual de mais de R$ 1 milhão, Prior afirmou que os empréstimos são “perfeitamente administráveis”. Ele relatou que a Santa Casa precisa deles para dar continuidade aos serviços e que cumprirá com todos os pagamentos.

Também afirmou que a situação financeira do hospital não está em risco e que a diretoria está adotando uma série de medidas que provam que a Santa Casa não fechará as portas, como aventou o vereador.

Entre as ações divulgadas pelo tesoureiro e pela provedora, está a reforma do centro cirúrgico. O espaço pode ser usado como referência por meio de programa a ser implantado em convênio com o governo do Estado de São Paulo.

Na Câmara, Abreu apresentou três requerimentos com perguntas sobre medidas adotadas pela diretoria da Santa Casa. O vereador está no quadro de diretores, mas não administra o hospital desde o ano passado, quando houve reformulação.

Durante a discussão dos requerimentos, ele ocupou a tribuna para dizer que a “preocupação era grande”. Abreu questionou a Prefeitura e o Conselho Municipal de Saúde.

Do Executivo, solicitou dados sobre os integrantes do conselho e os servidores que auditam prestações de contas feitas pelo hospital. Do órgão, quer saber se houve aprovação das operações financeiras feitas pelo hospital.

Conforme Abreu, entre o ano passado e este, a Santa Casa já contraiu três empréstimos. Dois, somados, dão mais de R$ 70 mil, e se está viabilizando um quarto, no valor de mais de R$ 3 milhões, na modalidade consignado.

“A Santa Casa já fez um empréstimo de mais de R$ 2 milhões. Tem mais da metade para ser pago e já está falando que vai fazer outro?”, questionou o vereador.

Abreu justificou que está preocupado com a situação financeira do hospital porque a diretoria estaria usando recursos do SUS (Sistema Único de Saúde) de “modo antecipado”.

Conforme ele, o dinheiro a ser empenhado para pagamento das prestações será, ainda, encaminhado pelo SUS como custeio de atendimentos futuros a serem feitos com pacientes atendidos pelo sistema.

Também conforme o parlamentar, o hospital deverá registrar queda de receita. A razão seria a saída do PA (pronto atendimento) do convênio médico Unimed, por conta da inauguração de hospital próprio. Com isso, a Santa Casa deve ter menos R$ 350 mil (em média) mensais no caixa como fonte de receita.

O vereador contestou a decisão da diretoria e disse que, dessa forma, entende que o hospital terá dificuldades. Abreu afirmou que discorda do posicionamento da provedoria e citou que, no final do ano, o hospital terá déficit superior a R$ 2,3 milhões.

“Aonde vamos chegar? Eu estou aqui para abrir os olhos, porque não é possível uma coisa dessas”, declarou durante a sessão.

A maior crítica do vereador é com relação ao comprometimento da receita por parte do hospital, já que as parcelas serão descontadas do dinheiro que o SUS repassará ao Fundo Municipal de Saúde. “Estão antecipando para recursos para cobrir um empréstimo. Não é possível uma coisa dessas”, repetiu.

De acordo com documentos apresentados pelo parlamentar, a Santa Casa contraiu três empréstimos entre 2013 e 2014. Dois deles, feitos via Bradesco, não estariam sendo quitados.

O vereador afirmou que a Santa Casa retirou R$ R$ 36.618,75 para pagar em 36 meses, tendo quitado somente 11 parcelas; e mais R$ 38.296,86 no mesmo prazo, com somente oito parcelas pagas.

Além dos débitos, o vereador questionou a contratação de Prior. Conforme ele, trata-se de um funcionário cedido pelo Executivo para atuar no hospital e não membro levado pela diretoria.

Antes de deixar a tribuna, o parlamentar reforçou que temia o fechamento da Santa Casa por causa dos empréstimos. No entendimento de Abreu, o hospital pode falir. “A tendência é fechar, porque não vai ter receita”, declarou.

O pronunciamento do vereador repercutiu nos meios de comunicação ainda na semana passada. Também provocou “desconforto” na diretoria do hospital, que contatou a reportagem de O Progresso para contradizer o parlamentar.

Em entrevista, a provedora refutou a possibilidade de fechamento do hospital. “Nós não vamos fechar a Santa Casa, em hipótese alguma”, iniciou.

Ela também afirmou que o pronunciamento do vereador trouxe “dor de cabeça” para a diretoria, uma vez que gerou preocupação por parte de fornecedores.

De modo a contrapor as alegações de Abreu, Nanete divulgou projetos que estão sendo iniciados e melhorias. Conforme ela, a Santa Casa vem recebendo inúmeros recursos, como verbas de deputados para obras que permitirão expansão.

O hospital está cadastrado em todos os programas dos governos estadual e federal. Entre eles, o Santas Casas SUStentáveis, do governo estadual, que consiste em verba de auxílio financeiro às instituições filantrópicas para atender pacientes do SUS.

O programa já contemplou entidades na região, como o HFC (Hospital dos Fornecedores de Cana), da cidade de Piracicaba.

A provedora disse que os empréstimos não vão comprometer a receita do hospital, uma vez que a diretoria passará a ter “complementos importantes em 2015”.

Por meio do Santas Casas SUStentáveis, por exemplo, a entidade receberá, mensalmente, verba de R$ 159 mil. “É um valor ótimo”, considerou.

Em outra frente, a diretoria diz estar melhorando as condições de funcionamento da Santa Casa, sem necessidade de uso do valor obtido por meio do empréstimo.

É o caso de verbas destinadas por deputados estaduais e federais que estão sendo aplicadas, já neste ano, para compra de autoclave (utilizada para lavagem e esterilização de roupas da equipe médica, de enfermagem e de pacientes) da Santa Casa, pronto-socorro e maternidade.

Nos próximos meses, o hospital deve receber uma nova autoclave e mais um aparelho de raio-X. A autoclave será destinada exclusivamente para a maternidade. Atualmente, a Santa Casa possui duas máquinas, sendo uma mais antiga.

Com as projeções de investimentos, a diretoria está planejando implantação de ala de psiquiatria, para atender a Raps (Rede de Atenção Psicossocial).

Para isso, no entanto, é necessário que Tatuí tenha implantado o Caps (Centro de Atenção Psicossocial), anteriormente. O centro representa a porta de entrada para o Caps AD (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas).

Outra fonte de receita programada pela diretoria é a transformação da Santa Casa em “hospital estruturante”. Conforme Nanete, o governo do Estado está criando uma rede sustentável de hospitais para realização de cirurgias eletivas.

Trata-se de operações realizadas quando “não há pressa”, sendo opcionais, como uma vasectomia, por exemplo. Para dar conta da demanda, Nanete afirmou que o governo do Estado propôs a criação de uma rede pela qual as operações serão realizadas.

Sorocaba e Itapetininga, que possuem hospitais regionais, são consideradas estratégicas. Tatuí entra na rede como estruturante, para dar estrutura às unidades dos dois municípios. A implantação da rede vai melhorar o atendimento à população, aumentando o número de ofertas das cirurgias eletivas.

Como contrapartida, o governo realiza reforma do centro cirúrgico da Santa Casa. O Estado também pagará 40% do faturamento SUS que o hospital já tem. Com isso, a SC terá aumento no recurso via Sistema Único de Saúde.

O valor contratual recebido pela Santa Casa, por meio do SUS, corresponde a praticamente R$ 650 mil por mês. Esse montante é dividido para atendimento da cota de 460 pacientes, via AIH (autorização de internação hospitalar).

O repasse ao hospital é feito pela Prefeitura. “A nossa cota do SUS nos dá ‘X’ em reais por mês. Com a condição de hospital estruturante, vamos ter aumento de 40% dessa verba, que vamos usar para investimento”, disse o tesoureiro.

Ainda que a previsão de faturamento aumente, Nanete relatou que o hospital tem de recorrer aos empréstimos por conta do déficit mensal. A Santa Casa opera com prejuízos, que giram em média em R$ 135 mil por mês.

“Além deste prejuízo, ela carrega um ônus mensal em torno de R$ 290 mil para rolar dívidas anteriores”, alegou Prior, em relatório entregue à reportagem.

O déficit é atribuído pela diretoria, principalmente, por conta da defasagem da tabela SUS (valor repassado pelo governo por paciente atendido com emissão da AIH). Conforme Nanete, o SUS não atualiza a tabela há 12 anos.

Por paciente do SUS, a Santa Casa recebe R$ 1.359,50. Entretanto, eles custam para o hospital, em média, R$ 1.721,17, deixando “um prejuízo de R$ 361,67”. Com um número de 465 pacientes por mês, o hospital registra déficit de R$ 168.539,04, segundo calculou o diretor tesoureiro.

Ainda conforme Prior, o “rombo” torna-se maior porque o hospital atende mais que 460 pessoas por mês, que é o número da contratualização junto ao SUS.

“Nós não podemos deixar de atender as pessoas. Não dá para fechar e dizer: ‘paramos de receber pacientes’. Então, temos prejuízos”, disse a provedora.

Dentro do cálculo apresentado pelo hospital, a soma também apresenta resultados negativos porque o custo da maioria dos pacientes extrapola o valor recebido. Nesse caso, o motivo consiste nos dias que os pacientes passam em internação.

De acordo com o tesoureiro, o valor recebido por AIH preconiza internação de um ou dois dias – caso de cirurgias como vesícula e hérnia.

A média de tempo que um paciente do SUS fica no hospital, no entanto, é de 3,7 dias, maior que a de pessoas atendidas por meio de convênio particular (1,9 dia).

Conforme Prior, isso ocorre porque muitos pacientes do SUS são internados mais de uma vez. Na segunda “entrada”, uma nova AIH é emitida, mas não gera repasse caso o paciente seja o 461 atendido, e assim por diante.

Dentro desse panorama, o tesoureiro disse que os empréstimos são necessários para manter o hospital funcionando. Os recursos obtidos pela diretoria junto aos bancos são aplicados, também, no pagamento de dívidas anteriores.

A provedora alegou que esse tipo de operação financeira “não é novidade” para a diretoria. Nanete ressaltou que a atual administração – da qual o vereador faz parte, mas afirmou que não responde pelas decisões – já realizou empréstimos. “Principalmente, para pagar o 13º dos funcionários”, adicionou.

Conforme a provedora, o SUS faz o repasse mensal utilizado no pagamento dos funcionários e demais custos. Entretanto, não há um recurso adicional para pagar os encargos trabalhistas no final do ano. Daí, o hospital recorrer aos empréstimos, também, para poder cumprir com as obrigações.

Além de ter entrada menor que a saída, Prior argumentou que a Santa Casa “carrega um passivo financeiro muito grande”. Conforme ele, como a conta no final do ano fecha em negativo, o saldo é adicionado ao valor devedor do hospital. “Ano após ano, ele vai girando. Estamos em torno de R$ 15 milhões”, comentou.

Até agosto deste ano, o relatório apresentado pelo tesoureiro apontou que o compromisso financeiro até dezembro deste ano (por conta das dívidas que estão sendo renegociadas ou que estão em aberto) totalizou R$ 14.689.815,53.

O valor, no entanto, deve ser bem maior, uma vez que a diretoria precisará somar o déficit anual (pelo acumulado dos 12 meses). Até agosto, esse saldo negativo estava em R$ 1.065.076,93, elevando o compromisso em R$ 15 milhões.

“Para renegociarmos esse passivo, precisamos do empréstimo”, reforçou Prior. O tesoureiro disse, ainda, que o hospital não corre o risco de “se endividar demais” com os empréstimos por conta do limite de comprometimento dos recursos a receber e que serão repassados por meio do SUS.

De acordo com ele, a parcela a ser utilizada no empréstimo não pode ultrapassar 30% desse recurso. Os R$ 3 milhões que devem cair na conta do hospital nos próximos dias serão quitados em parcelas de R$ 74 mil por mês.

Prior afirmou que o valor corresponde a 15% do limite, deixando uma folga ao hospital. Isso significa que a Santa Casa poderia, ainda, contrair um novo empréstimo no mesmo montante, prazo de pagamento e parcela que estaria dentro da margem de segurança.

O vereador contestou a alegação, afirmando que mais empréstimos devem comprometer ainda mais o caixa da Santa Casa. Abreu afirmou que “recebeu informações de que o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) dos funcionários não estaria sendo depositado”, e afirmou que o hospital tem ainda outros débitos que não estão sendo pagos pela atual administração.

A intenção da Santa Casa, porém, é quitar os dois empréstimos feitos junto ao Bradesco em 36 meses. Dos R$ 3 milhões, a metade deve ser aplicada para a quitação e a outra metade, para quitar parcelamentos de “dívidas”, segundo Prior.

Em entrevista a O Progresso, Abreu disse que não só a ideia é ruim, como “temerosa”. Afirmou, também, que a solução poderia ser a inclusão de novos convênios.

Segundo o vereador, duas empresas tentaram negociar com o hospital, sem sucesso. Em julho do ano passado, a Amil chegou a anunciar projeção de captação de 15 mil clientes em três anos e a implantação de um centro médico 24 horas, em parceria com a Santa Casa. Os projetos, no entanto, não vingaram.

Também conforme Abreu, outra empresa procurou o hospital para fazer credenciamento. O vereador afirmou que a MediSanistas não concluiu o projeto por conta de uma exigência que teria sido feita pela diretoria: o pagamento de uma complementação de R$ 757 diretamente aos médicos (por médico).

A informação consta em troca de e-mail entre o vereador e o diretor comercial da empresa que fazia a intermediação da MediSanitas com a Santa Casa. Abreu cedeu uma cópia do documento impresso para a reportagem.

Sobre os convênios, a provedora afirmou que o hospital está, sim, buscando novos investimentos. Também afirmou que a diretoria vem renegociando com as empresas valores a serem pagos de forma a melhorar a receita e reduzir o déficit.

Tudo isso deve ocasionar em um “respaldo” a ser sentido a partir de 2015. “Importante ressaltar que esse déficit também se deve a alguns acertos trabalhistas, de contas antigas, que estouraram agora, nessa gestão”, disse o tesoureiro.

Como exemplo, citou processo movido por uma empresa que fornecia médicos para o serviço de retaguarda do pronto-socorro.

Segundo Prior, houve rompimento de contrato “antes da hora”, o que fez a empresa entrar na Justiça para receber R$ 1,4 milhão. Além disso, o hospital também deve, aproximadamente, R$ 1,1 milhão em conta de água.

“Tudo isso forma nosso passivo financeiro. Mas, o nosso sonho, o que nós precisamos, é que a Prefeitura suplemente em 100% a deficiência do SUS”, falou ele.

Caso isso aconteça, a Santa Casa poderia utilizar os recursos obtidos junto a convênios para equilibrar as contas, quitando parcelamentos ou dívidas vencidas.

Independentemente disso, o hospital vem recebendo outros repasses. Neste ano, a diretoria captou R$ 1 milhão, sendo R$ 500 mil de antecipação de devolução viabilizada pela Câmara Municipal, por meio da Prefeitura; e R$ 500 mil em emenda parlamentar, a pedido do prefeito José Manoel Correa Coelho, Manu.

Prior afirmou, ainda, que a Santa Casa de Tatuí, como todas as demais do Brasil, enfrenta um “problema congênito”. O tesoureiro destacou que elas, originalmente, eram tidas como um patrimônio das comunidades e tinham as necessidades supridas quase que na totalidade com filantropias (doações).

“Ocorre que, com a interferência cada vez maior do governo na saúde pública e mais notadamente partir da lei 8.080, de 1990, da criação do SUS, as Santas Casas passaram a ser prestadores de serviços suplementar de saúde, com contratos realizados através das prefeituras”, argumentou o tesoureiro.

Com isto, Prior afirmou que “vêm ocorrendo problemas que instabilizam financeiramente as instituições”. O principal é que a população deixou de apoiar financeiramente as Santas Casas, por entender que o serviço oferecido por elas passou “definitivamente a ser um compromisso do governo”.

“A Santa Casa de Tatuí não está imune a este mal. É uma entidade antiga, fundada em 1895. Nunca teve problemas de continuidade operacional, ou seja, nunca parou. Mas, luta com dificuldades para manter-se”, encerrou o tesoureiro.