Em defesa do Estado Democrático de Direito e de nossos filhos e netos

Lembrando não ser Tatuí uma ilha isolada em águas mornas e serenas em meio ao catastrófico tsunami de extremismos, brutalidade e sistemáticas ondas golpistas a inundar as terras brasileiras por todos os lados, é hora de pensar e agir concretamente pela manutenção da democracia.

Sim, o conceito de democracia pode estar um tanto nebuloso, parecendo um “tempo fechado” para muitos, que olham desesperançosos para o horizonte nacional e, sem enxergarem uma aurora de mais prosperidade, paz e segurança, deixam-se levar pelo canto da seria má, com seu dom de convencer os marujos incautos a erguerem suas espadas em nome de uma nova falsa cruzada, cujo derradeiro destino – como em todas as demais aventuras autoritárias – é um só: a morte!

Neste momento, de maneira alarmante, o fantasma da finitude não assombra apenas a democracia, mas já carrega almas no dia a dia da nação, levando crescente número de brasileiros a se matarem por motivos banais e imbecis – em geral, sob bandeiras de políticas (não raro, “piratas” que ignoram as leis) que em nada lhes garante um porto seguro após as eleições.

Muito distante desse destino, a rota do dissenso, dos ataques a inimigos imaginários (ridículos monstros míticos comunistas “ou” nazistas) e do maniqueísmo tacanho (“bem” contra o “mal”, algo também ridículo), só pode render em ainda mais decepções e “terra arrasada”.

Neste caminho, a se observar a tormenta à frente por meio da luneta da história – pela “bilionésima” vez -, vale relembrar o clássico e cabal ensinamento do ex-primeiro-ministro Winston Churchill (sim, o político bocudo e beberrão que, a despeito disto, salvou o mundo da carnificina promovida pelo abstêmio e “moralista” Adolf Hitler).

Disse o britânico, ponderando o estrago causado pelas então ditaduras: “A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais”.

Talvez, mais do que nunca, esta máxima deva ser levada a sério pelos brasileiros, apegando-se a ela como um bote salva-vidas na direção das urnas, em outubro – senão pelos adultos de hoje, pelo menos para se garantir um futuro menos ruim a nossos filhos e netos.

Com esta convicção, publicamos abaixo a “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito!”, que partiu da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco (SP), convidando a todos que compactuam com os valores da liberdade, da paz e da verdadeira Justiça a assiná-la:

“Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos cursos jurídicos no país, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o estado democrático de direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.

Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.

Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para o país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.

A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição ‘Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição’.

Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.

Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.

Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos.

Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.

Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.

Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão.

Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.

Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos às brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.

No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.

Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona: Estado Democrático de Direito Sempre!!!!”.

Para assinar o manifesto, basta acessar o endereço eletrônico do movimento: https://www.estadodedireitosempre.com/