Utilizada como recurso pedagógico, a atividade de contação de histórias é bastante conhecida entre os educadores, mas pouco disseminada fora do ambiente escolar. Em Tatuí, a professora de ensino infantil Elaine Cristina Almeida Pires vem trabalhando para mudar esse quadro.
Além das creches municipais e escolas estaduais do município, Elaine tem propagado a atividade pela região. Ela já participou de eventos até em faculdades, voltados para estudantes de pedagogia, como é o caso da cidade de Boituva.
Os convites têm sido feitos para a educadora por duas razões: a proporção do trabalho desenvolvido por ela dentro e fora das salas de aula e a integração com o universo dos profissionais da área. Elaine participa, sempre que pode, de oficinas para aprimoramento de técnicas, oferecidas em seminários e congressos de educação. Boa parte deles custeados por ela própria.
A ligação com a “contação” vem de longa data. Quando criança, Elaine gostava de ouvir histórias, mas nem pensava que um dia poderia instigar outras pessoas ao mesmo hábito. Na infância, aproveitava os momentos em que podia interagir com as outras crianças, fora de casa, para escutar “causos”.
“Eu só podia sair na rua após as 18h, que era a hora que a minha mãe voltava do trabalho. E havia uma senhora, que morava na casa da frente. Ela olhava-nos enquanto brincávamos e, depois, contava fatos. Lembro-me que era um dos momentos mais gostosos e bons da minha vida”, ressaltou.
Além da vizinha, a mãe da professora contava causos “das bandas de Minas Gerais”. Os enredos sempre tinham relação com a cidade de nascimento da mãe de Elaine, Riacho dos Machados, no norte de Minas Gerais.
Outra influência veio do rádio, por meio do programa “Histórias que o Teixeira Conta”. “Eu amava ouvir”, lembra. Mas foi em sala de aula – onde continua a atuar – que a professora teve o primeiro contato direto com a contação. Elaine precisou usá-la como recurso para uma atividade de disciplina didática.
“Depois que terminei a história, minha professora disse-me que eu poderia ser contadora. Aquela foi a primeira vez que eu ouvi o termo e percebi que poderia desenvolver algo nesse sentido, embora desde pequena gostasse daquilo”, relatou.
Como já trabalhava em uma escola particular, ela levou a contação para a prática. Elaine cuidava de crianças do maternal (entre dois anos e meio e três anos e meio de idade). “É uma fase em que os alunos têm o tempo de concentração mínimo, choram muito e é difícil prender a atenção”.
Para fazer com que as crianças se concentrassem nela, Elaine passou a usar histórias infantis, não como leitura, mas como contação. A interação deu tanto resultado que uma das crianças – deixada de lado pelas demais por ser obesa e não ter “jeito para brincar” – começou a ser reintegrada pelo grupo.
Elaine explicou que a menina tinha problemas emocionais e familiares. “Ela chorava bastante na escola e, nas brincadeiras, acabava machucando as outras crianças. Isso fez com que os demais alunos tivessem medo dela”, descreveu.
Fazendo uso da contação, a professora pensou em elaborar uma história que pudesse contribuir para a mudança de comportamento. Com a ajuda de outras educadoras, Elaine improvisou um cenário, feito com lençol e que incluía um castelo, árvores e casas. “Inventei uma narrativa de bruxa”, explicou.
A fábula dizia que a feiticeira raptava crianças para levá-las ao castelo. Contudo, a intenção não era fazer mal, mas conseguir companhia para brincar.
“Isso ajudou muito a menina a se reintegrar ao grupo. A história agiu no subconsciente das crianças. Elas absorveram o conhecimento e mudaram o comportamento. Houve uma sociabilização por meio da história”.
Daquele momento em diante, Elaine percebeu que a contação poderia ser importante mecanismo de ensino. Passou, então, a buscar a profissionalização.
Os estudos levaram-na a modular o vocabulário de acordo com o público. Com as crianças menores, a linguagem mais apropriada é a que faz uso de palavras comuns. Com os adultos, o causo pode vir acrescido de rebuscamento.
Elaine desenvolveu novas técnicas, a partir dos cursos de especialização. De acordo com a professora, mesmo que tenha habilidade, a pessoa precisa aprimorar o conhecimento quando quer atingir determinado objetivo.
“Quando estamos contando, queremos levar a mensagem da melhor maneira. Com os métodos corretos, é possível chegar aonde se quer”, argumentou.
A primeira experiência dela em cursos foi no Lions Clube, antes de ser inserida na rede municipal. O clube de serviços sediou encontro promovido por um grupo de professoras que atuava nas escolas administradas pela Prefeitura.
Depois, já servidora, Elaine participou do “Entre na Roda”, um ciclo de dez encontros sobre a temática. A capacitação contava com atividades práticas. “Era preciso ir até as escolas para contar, abrindo um leque de informações”, contou.
Em 2013, a professora cursou oficina com Carmelina de Toledo Piza, profissional referência na área e que reside em Piracicaba. Já em 2017, Elaine voltou a essa cidade para nova capacitação, com outro oficineiro. Ela concluiu o curso denominado de “Passa Balaio Trançado de Sonhos”.
Desde 2014, a educadora desenvolve projeto próprio, intitulado “Contos Africanos”. A proposta é usar a contação como ferramenta para desenvolver consciência entre as crianças negras, para autovalorização, e, ao mesmo tempo, promover discussão sobre as relações étnico-raciais nas escolas.
Os contos africanos são adaptações de obras lançadas por diversos autores. Elaine compra os livros e estuda as histórias para saber se o conteúdo está dentro da proposta do projeto. “Não é só chegar, ler e contar. É preciso pensar na mensagem, no personagem, e entender a visão dos autores”, ponderou.
Para os contos africanos, a professora usa recursos audiovisuais. Entre eles, as bonecas de pano, que são negras, e produzidas com a ajuda de familiares. Uma das tias dela confecciona as bonecas, as demais cedem tecidos e acessórios.
“Tornou-se um projeto familiar e que está crescendo a cada dia que passa”, encerrou.