Recentemente, duas propostas de tombamento no município retornaram aos noticiários, ambas de maneira fundamentada e justa. Uma envolve o Conservatório de Tatuí e a outra, a Semana Paulo Setúbal.
As iniciativas correspondem às expectativas sustentadas pelo Condephat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico e Artístico de Tatuí), o qual tem executado um trabalho efetivo de atenção para com a preservação dos valores locais em suas mais variadas especificidades.
Com esse propósito, o conselho promoveu no Centro Cultural Municipal, no começo deste mês, reunião para novamente deliberar sobre os patrimônios históricos da cidade.
Entre eles, mais uma vez, esteve o processo de tombamento do Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos” como patrimônio cultural do município. O presidente do conselho, Antonio Celso Fiuza Júnior, informou que o processo, iniciado em 2020, segue para a etapa de conclusão.
No entanto, o maior desafio do tombamento, segundo os conselheiros, seria o destino dos prédios anexos à escola de música – entre eles, o antigo fórum e o alojamento dos alunos. Este particular foi observado em razão do anúncio de fechamento do espaço pelo governo do estado.
Conforme os conselheiros, com o tombamento dos prédios, o uso deles ficaria restrito às atividades relacionadas à cultura, não sendo possível utilizá-los para qualquer outra finalidade que não a já executada por eles.
“O assunto sobre o alojamento surgiu por conta do que está sendo falado pelo governo do estado, mas nós temos de focar no projeto principal iniciado há dois anos, que é fortalecer a importância do bem cultural”, comentou Fiuza Júnior.
Entretanto, esclareceu que o conselho não poderá deixar de citar o alojamento como parte do projeto. Já o diretor do Departamento Municipal de Cultura e gestor do Museu Histórico “Paulo Setúbal”, Rogério Vianna, explicou que o alojamento fora construído em razão de o terreno ter sido doado para o uso irrestrito do Conservatório.
Para a produção do processo de tombamento, foram criadas três comissões, divididas para os estudos que compreendem o edifício, os bens e patrimônios integrados e a memória.
A comissão de edifícios analisou o Teatro “Procópio Ferreira”, o setor de pianos e o Salão “Villa Lobos” (que já foi sede da Câmara Municipal e da Biblioteca Pública) e a Unidade II do Conservatório, antiga sede do fórum de Tatuí.
A segunda comissão cuidou do levantamento dos patrimônios e bens integrados ao espaço da escola. Já a terceira cuidou da memória da instituição.
Como suporte documental do processo de tombamento, Fiuza Júnior reuniu a documentação existente no arquivo da prefeitura. O material apresenta o histórico de demolição do antigo Theatrão e plantas do Conservatório, que serão anexados ao histórico.
Os próximos passos envolvem a finalização dos estudos e a aprovação do tombamento. Depois, o documento segue para a prefeitura, para ser oficializado em forma de decreto municipal.
Na mesma reunião, também foi finalizado o projeto de conclusão do tombamento imaterial da Semana Paulo Setúbal, cuja origem teve franco apoio e participação do jornal O Progresso de Tatuí.
De fato, O Progresso esteve à frente das mobilizações para iniciar homenagens ao escritor Paulo Setúbal. Além de divulgar a ideia da celebração e incentivar os líderes locais a fazê-la, o periódico deu amplo espaço às primeiras iniciativas.
Em edição datada de 24 de outubro de 1943, o jornal publicava: “Os nossos meios sociais e culturais movimentam-se neste instante a fim de concretizar uma ideia felicíssima e altamente simpática, que bem merece a unânime aprovação dos tatuianos, a de render homenagem a Paulo Setúbal – o escritor imortal que é um padrão de orgulho para o Brasil e particularmente para Tatuí, sua terra natal.”
Já na edição seguinte, de 7 de novembro, O Progresso de Tatuí divulgou, em nota de capa, a ação que duraria até os dias atuais: um concurso literário entre os alunos locais, a fim de preservar a obra de Setúbal.
“Por iniciativa do Grêmio Paulo Setúbal, acaba de ser instituído um concurso literário entre os alunos do Colégio e Escola Normal, versando os trabalhos sobre o tema ‘Paulo Setúbal e Tatuí de hoje’”, anunciava-se.
Os prêmios: ao primeiro colocado, coube 100 cruzeiros e ao segundo, 50 cruzeiros. O vencedor do primeiro prêmio foi Jorge Ferreira (integrante da própria equipe de O Progresso de Tatuí).
Na edição de 14 de novembro, a ideia é elogiada: “As primeiras reações à ideia de se fazer anualmente uma homenagem a Paulo Setúbal vão surgindo. O Grêmio ‘Paulo Setúbal’, por iniciativa de seu presidente Lazaro Geraldo Pacheco, organizou um concurso que será, sem dúvida, o marco inicial de uma competição que, nos anos vindouros, irá demonstrar a capacidade literária de nossos moços”.
Desde essa época ficou determinado que as comemorações seriam anuais – sempre próximas a 11 de agosto (mas a primeira edição ocorreu em dezembro de 1943, no Clube Recreativo).
Logo nessa edição, conferencistas foram convidados para ministrar temas relacionados a Setúbal, sendo o embaixador José Carlos de Macedo Soares convidado a abrir o evento.
A partir do ano seguinte, páginas inteiras foram dedicadas à divulgação das atividades da já denominada Semana Paulo Setúbal, em agosto. O Progresso de Tatuí, até a atualidade, divulga os trabalhos vencedores dos certames resultantes do maior evento cultural do município.
Agora, o estudo, apresentado por Fiuza Júnior, reúne, em centenas de páginas, documentos históricos sobre a vida e a história do escritor que deu origem, segundo Vianna, ao maior bem cultural do município.
“Nós temos um cidadão que está imortalizado na Academia Brasileira de Letras. Temos que ter esse reconhecimento, e isso chegou, no mínimo, 50 anos atrasado”, declarou.
Por sua vez, ele lembrou que o “sentimento” de Capital da Música surgiu em 1967, pelo grupo de seresta “Paulo Ribeiro”, mas que, antes disso, já existia a literatura.
“Vou falar da Semana Paulo Setúbal a vida inteira, porque ela é o meu fundamento de vida; da história de Paulo Setúbal e a literatura dele, e transformar essa semana em patrimônio imaterial é fundamental para a cidade”, concluiu Vianna.
Segundo Fiuza Júnior, assim que o decreto do bem imaterial da Semana Paulo Setúbal for aprovado pela prefeitura, o Condephat enviará o documento ao estado e ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para o reconhecimento deles ao “patrimônio imaterial de literatura de Tatuí”.
As duas propostas de tombamento não são apenas justas, como apontado: são também necessárias! Preservar as riquezas materiais e imateriais de uma comunidade, basicamente, é manter sua identidade própria, reforçando suas virtudes e peculiaridades.
Em outras palavras, não é “só” como guardar uma foto de família, como a dos avós, por exemplo. Muito mais, é guardar “memória” de nossos entes queridos; é garantir que não vamos esquecê-los, assim respeitando seus legados e, pela memória, mantendo-os, de alguma forma, vivos!
Quando relacionado a uma comunidade, tudo isso tem o mesmo peso, a mesma importância – pelo menos a quem, realmente, também sente sua cidade como um “ente querido”. Vale muito mais, portanto, a quem possui empatia – um outro patrimônio que, infelizmente, não se pode conquistar por decreto.