Direitos humanos não são sinônimos de palavrão

Ainda perdura uma das piores consequências do dissenso político que contaminou o país há alguns anos – além, obviamente, das mortes precipitadas durante a pandemia de Covid-19 (certamente, o mais trágico efeito) -, manifestando-se pela insensibilização, algo como o menosprezo ao “próximo”.

A ideia essencial e realmente “cristã” de amor aos próximos encontra-se persistentemente claudicante, embora buscando reerguer-se após tantas rasteiras do extremismo que ergue as mãos em louvor aos tiros e à porrada e não mais efetivamente para orar a favor de todos, tampouco pela paz.

Não admira, dentro dessa realidade medieval, que os tais “direitos humanos” tenham se tornado verdadeiro “palavrão” para significativa parcela da população, a qual, embora em declínio no momento, resiste a não deixar de ter seus hipoteticamente “diferentes” como inimigos a serem abatidos com escopeta e não seres humanos com direito à palavra (e a viver) como todos os demais.

A insistente opção de muitos pela interpretação paralela da realidade – por meio de um mundo “realmente virtual”, cuja constituição se sustenta em mentiras, paranoias e ignorância -, suscita o receio de não haver o despertar à luz do bom senso e da humanidade para tão breve…

Daí porque a atenção para com as chamadas “novas gerações” é tão primordial a um futuro menos ruinzinho – levando em conta que todos, de maneira unânime, desejam mesmo um país próspero e pacífico a seus filhos e netos.

Pois bem, este mês marca exatamente aquilo que, bem ao contrário de um palavrão, de um xingamento, precisa ser revalorizado em benefício da humanidade em amplo sentido: os direitos humanos. E não há melhor espaço para isso começar a ser concretizado do que as escolas.

Em 12 de agosto, é celebrado o Dia Nacional dos Direitos Humanos, cuja essência não deveria incomodar em nada e a ninguém meramente por defender a garantia de direitos, seguridade e proteção social, além de combater os preconceitos e todo tipo de discriminação.

Conforme o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), “os direitos humanos regem o modo como as pessoas individualmente vivem em sociedade e entre si, bem como sua relação com o Estado e as obrigações que este tem em relação a elas”.

No Brasil, o Dia Nacional dos Direitos Humanos foi instituído por lei em 2012, em homenagem à líder sindical Margarida Maria Alves, assassinada em 1983, nessa data, por um matador de aluguel a mando de latifundiários.

O crime foi denunciado à Corte Internacional de Direitos Humanos, tornando-se símbolo da luta pelos direitos dos trabalhadores rurais.

Margarida nasceu em 1933, no município paraibano de Alagoa Grande, e foi a primeira mulher na presidência do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, no início dos anos 70.

Enquanto esteve à frente da instituição, moveu 73 ações contra as usinas de cana-de-açúcar da região em defesa dos direitos dos trabalhadores. Além disso, fundou o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural para combater o analfabetismo.

No passado, não por acaso, nota-se a aposta na Educação, contra o “analfabetismo”. E agora, mais uma vez, como não raro diante dos maiores desafios, a Educação coloca-se como o caminho – senão “suave” – mais capaz e produtivo para se mitigar as adversidades do momento.

Portanto, ótimo que os educadores em sua grande maioria atuem neste caminho. “Pensando no âmbito educacional, temas voltados aos direitos humanos são relevantes em diversas etapas e marcam presença, inclusive, no Enem e nos vestibulares”, observa a gestora de projetos didáticos BEĨ Educação.

“Esses temas costumam fazer parte de questões mais voltadas para as Ciências Humanas e para as Linguagens, mas marcam presença, sobretudo, nas redações desse tipo de prova”, afirma Áquila Nogueira, gestor da BEĨ Educação.

Em 2021, o tema da redação foi “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”. Três anos antes, os estudantes escreveram sobre “os desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”.

“Os direitos humanos são centrais em pelo menos duas das competências avaliadas na redação do Enem: a elaboração de proposta de intervenção para o tema, que cita expressamente a necessidade de respeito aos direitos humanos, e a competência da compreensão da proposta de redação, já que os temas de dissertação do Enem estão diretamente ligados à questão dos Direitos Humanos”, afirma Nogueira.

“Em épocas de grande polarização, é central entender que todas as pessoas têm acesso aos direitos humanos e não apenas as que concordam ou que se parecem comigo”, acrescenta.

“Se queremos uma sociedade que respeite essa premissa, precisamos ensinar e discutir esse tema nas escolas, para que os estudantes cresçam tendo clareza de que todos devem ter acesso aos direitos e valorizem isso acima de opiniões pessoais”, acentua Nogueira.

Nesse contexto, a escola exerce um papel fundamental de apresentação da temática aos alunos, o que pode ser feito logo na formação infantil, orienta a BEĨ Educação.

“Focar na igualdade de direitos e oportunidades, não somente no discurso, mas na prática, é central para as crianças entenderem isso desde pequenas”, reforça Nogueira.

“À medida que crescem, começam a ter um panorama um pouco mais claro do funcionamento da sociedade e, ao longo dos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, podemos guiá-las em discussões mais específicas sobre a importância dos direitos humanos em seu dia a dia”, defende o educador.

Para que esses assuntos sejam discutidos da melhor maneira, Nogueira indica que as escolas tenham atenção à qualidade dos materiais que apoiam a atividade pedagógica.

“É necessário fazer uma boa seleção de materiais didáticos e paradidáticos, pois eles pautam muito do que será ensinado e discutido em sala de aula”, sugere.

Além disso, Nogueira considera relevante “criar espaços de debate tanto para os profissionais da escola quanto para os alunos, bem como mecanismos de participação”. Eventos como debates, congressos, mostras culturais, festivais e feiras também podem estimular a discussão e o engajamento.

Mesmo que, no mundo, o Dia Internacional dos Direitos Humanos seja em 10 de dezembro, o educador vê como fundamental existir a data nacional.

“Creio que as violações aos direitos humanos acontecem ao redor do globo, mas lugares diferentes tendem a ter problemas mais específicos”, explica Nogueira.

“Neste ano, talvez um dos grandes temas de direitos humanos sejam as violações ocorridas na Guerra da Ucrânia, um problema grave, que precisa ser observado. Porém, sem uma celebração nacional, talvez deixássemos de lado a luta pelos direitos dos trabalhadores rurais simbolizada no assassinato da Margarida Alves”, conclui o gestor.

Em outras palavras, é vital sensibilizar as novas gerações quanto aos direitos humanos, pela Educação, garantindo-lhes, para sempre, a convicção de que ser “do bem” é, antes, ser “humano” – até porque o avesso disto o desumano!