Em certa coincidência, as pessoas com deficiência ganharam atenção elevada nestes dias – e não apenas graças às Paralimpíadas, que tiveram início nesta semana em âmbito mundial.
Também nos cenários local e nacional houve novidades: uma muito boa e outra nada surpreendente – a considerar-se que o inacreditável, o sobrenatural, tem se materializado diariamente na política brasileira.
Na esfera local, nesta segunda-feira, 23, ocorreu a inauguração do Centro Municipal Integrado de Reabilitação “Pedro Justino Tavares”, o primeiro CIR da região a atender, pela municipalidade, pessoas com deficiências temporárias ou permanentes.
Já no panorama delirante nacional, o ministro da Educação Milton Ribeiro – sincero pelo menos – compartilhou com a nação que vê os alunos com deficiência em salas de aula “normais” como atrapalhos…
Sim, mais uma vez salienta-se a similaridade com as idolatrias à suástica, sob a qual propugnava-se não apenas a separação dos “diferentes” e “normais”, mas a pura e simples eliminação dos “imperfeitos”.
Neste caso, contudo, é preciso ser justo com o ministro, lembrando que a afirmação indicou a aversão ao chamado ensino “inclusivo”. Ou seja, inclusão não é mesmo algo do apreço desse governo, mas do episódio não se deve concluir alguma nova suspeita de intenção genocida.
Não, a ideia é “só” separar mesmo – no caso, os supostamente perfeitos (como se todo ser humano não tivesse defeitos) dos imperfeitos, os deficientes.
Problema é que, daí, não há como deixar de questionar a sapiência e expertise educacional de mais esse peculiar representante do governo. Afinal, até hoje, ouve-se insistentemente que a inclusão, com a “mistura” de alunos os mais diversos possíveis, contribui exatamente com… a Educação!
A própria pandemia, com a imposição do isolamento que fez os estudantes passarem a supostamente estudar em casa, evidenciou ainda mais esta realidade, dado já ser inquestionável “a falta que faz” ir à escola – e isto também pelo tal convívio social, sem menor importância quanto ao próprio ensino presencial.
Mas, a inclusão parece ser mesmo o grande problema (para os “perfeitos”, ressalte-se). Por essa visão, estavam errados os que pensavam haver ganho para seus filhos – de humanidade, civismo (verdadeiro) e educação (efetiva) – justamente a partir da convivência com o coleguinha “diferente”.
Não, na verdade, ainda conforme a cartilha educacional do Brasil de hoje (de caninho nada suave), as crianças e adolescentes perfeitos estavam é sendo prejudicados, atrapalhados pelos “párias” (palavra, aliás, pela qual o Brasil tem sido denominado mundo afora).
A solução? Os novos discípulos do extremismo destro, já empunhando suas bandeiras fascistóides, podem estar pensando: “campos de concentração!!!”. Mas, calma! Nada disso.
A solução seria – surpresa! – mais uma volta ao passado, com a reativação do ensino “especial” – tipo, um apartheid educacional eufemista, algo como chamar golpe de intervenção, um negócio tosco assim…
Até porque, convenhamos, se o ensino público no país está longe de ser especial, alguém crê que o seria para crianças e adolescentes com deficiência?
Estranho, ainda, o uso do termo pernóstico “especial”, algo politicamente correto, coisa de “esquerdista”, tão abominada pela soberba “direitista”.
Na sequência, frente à indignação maciça de educadores, o ministro explicou melhor a opinião educacional dele, dizendo que, na verdade, os deficientes tornam “impossível a convivência” em sala de aula…
Certamente, a ideia era tentar minimizar a situação constrangedora, mas aí parece ter ocorrido alguma falha de didática na comunicação. Mas, como já se observou, nada de sobrenatural, mesmo para um educador…
O retrocesso, em mais este inacreditável episódio, seria o seguinte: segundo o Censo, em 2005, o total de pessoas com deficiência matriculadas era bem menor (492.908), sendo que a maioria (77%) permanecia em espaços exclusivos para alunos com “necessidades educativas especiais”.
Até então, portanto, apenas 23% eram incluídas nas salas regulares. Por sua vez, no momento, são 86,5%. Desconsiderar esse avanço em “inclusão” não é apenas o avesso de “especial”, é retrocesso brutal!
Por outro lado, Tatuí dá motivo para alento e esperança. Por iniciativa do ex-vereador Rodinei Rocha e com empenho da ex-prefeita Maria José Vieira de Camargo, concretizou-se o novo espaço voltado a deficientes na cidade.
A Secretaria Municipal de Saúde inaugurou o CIR junto ao conhecido “Postão” e, nele, duplicará a capacidade de atendimentos voltados à reabilitação de pessoas com deficiência (temporária ou permanente).
As obras de revitalização da unidade básica de saúde da área central foram iniciadas em junho do ano passado, com recursos disponibilizados pelo Ministério Público Estadual, que atendeu projeto apresentado pela prefeita Maria José.
O equipamento concentra os atendimentos neurológicos, serviço de tecnologia assistiva, oficina de cadeira de rodas e governança, apresentando nova infraestrutura e metodologia de trabalho com protocolos de atendimento diferenciado.
O espaço possui diversos profissionais de saúde e atende recém-nascidos de risco ou com deficiência estabelecida e pessoas com deficiência física intelectual, auditiva, visual e múltipla (temporária ou permanente), além de transtorno de espectro autista (TEA), sem restrição de faixa etária.
No local, a população tem à disposição – mediante encaminhamento médico da rede municipal da saúde – serviços de intervenção e estimulação precoce, habilitação e reabilitação, atendimento médico, tecnologia assistiva, coleta e compilação de dados para formulação de políticas públicas voltadas à pessoa com deficiência.
O objetivo da administração municipal, por meio do CIR, é unificar a equipe multidisciplinar de atendimento para prestar serviços necessários a esse público, principalmente aos que possuem agravo neurológico.
Claro, o novo serviço local não se trata de uma escola, tampouco tem objetivo de “misturar” o público “especial” com os demais, mas guarda o princípio básico de atenção e sensibilidade para com quem mais precisa, que é exatamente a “inclusão”.
No caso, como usuário de um serviço de saúde realmente “especial”, o qual busca respeitar o cidadão deficiente, facilitando-lhe o devido tratamento, não mais o levando a dirigir-se a vários lugares da cidade para ser atendido.
Por este aspecto, pode-se afirmar que Tatuí, diferentemente do país, não está jogando seus deficientes para os cantos.