Dane Avanzi *





Que tudo na vida tem começo, meio e fim, não é novidade para ninguém. Também não é novidade a efemeridade com que modismos vão e vêm, principalmente no mercado das tecnologias digitais. O que de fato impressiona – e assusta – é a disposição de gigantes da indústria como Apple e Google criarem aplicativos (que pela inutilidade, em verdade são desaplicativos, porquanto não servem pra nada útil) que têm como finalidade única o incentivo aos crimes de calúnia, injúria e difamação. Assim presumo porque se as informações veiculadas nos aplicativos em questão, verdade fossem, não quereria (ou precisaria) o autor se esconder no anonimato.

Refiro-me especificamente ao aplicativo Secret, que permite ao usuário divulgar (fatos verídicos ou não) segredos dele ou de amigos anonimamente por meio do Facebook. Tudo ocorre sem precisar se identificar, o que constitui atentado ao recém-aprovado Marco Civil da Internet, cabendo nesse caso responsabilidade integral aos administradores da página da web e aos responsáveis pelo aplicativo. Assevere-se que o acobertamento dos “pseudoafirmadores” de atos e fatos da vida alheia, confronta princípios consagrados do direito civil, como o da boa-fé, do ônus da prova caber a quem alega, dentre outros cujo lastro se ancora no direito civil romano, e tem sido o timão de pretores desde priscas eras.

O aplicativo gratuito lançado em janeiro passado para smartphones com sistema operacional iOS e Android, começou a ficar em evidência no Brasil. Eis o desafio de uma nova e fascinante página do direito que se descortina num mundo internáutico globalizado. O direito cibernético. Nascido a forceps, e a reboque da tecnologia, muito ainda existe para ser regulamentado, com vistas a proteger a sociedade dos cybercriminosos que atuam em um mundo sem fronteiras, protegidos pelo anonimato da rede, essência do Secret.

Por conta disso, acertadamente a Justiça do Espírito Santo determinou, em decisão liminar, a retirada do “Secret” das lojas de aplicativo da Google e Apple e do “Cryptic”, de funcionamento similar, da loja da Microsoft. A Justiça acolheu o pedido do MP, que protocolou uma ação civil pública. Valerá a decisão para todo o território nacional? Infelizmente não. Porque o Estado não tem como controlar esse tipo de situação. Em suma, não houve efetividade na ordem judicial, sintoma crasso da crise do Estado enquanto Instituição cuja a autoridade fucra-se em sua força coercitiva.

Os usuários de tais aplicativos dedicados ao ofício vil da maledicência, ora produzindo, ora imaginando se tais fatos são reais ou não, se equiparam ao que podemos chamar de “Neo Dom Casmurros”, ao mesmo tempo vítimas e algozes da própria dúvida e curiosidade, que instilam e consomem. Tal qual Bentinho atormentado pelo imaginário adultério de Capitu vivem encarcerados em uma gris realidade paralela, atormentados pela angústia daquilo que nunca saberão e, supondo que soubessem, de que (e pra que) valeria saber?!

Em fase de desaceleração, o Facebook, segundo estudos da Universidade de Princeton, deverá perder até 2017, 80% de seus usuários, numa taxa média de 20% ao ano. Penso que com esses aplicativos, a meu ver ilegais, devem encurtar (mais ainda) o ciclo de vida do Facebook. Qual o sentido ético que movem os executivos dessas empresas? Como esses aplicativos podem melhorar a sociedade em que vivemos? Em que sentido o incentivo a covardes e falastrões engrandece a sociedade? Penso que ao criar um aplicativo que será usado por milhões de pessoas em todo o mundo os dirigentes dessas empresas deveriam fazer essas reflexões.

* Empresário do setor de radiocomunicação e vice-presidente da Associação das Empresas de Radiocomunicação do Brasil.

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