Crise deve impactar Orçamento até 2019





A inflação alta, somada à queda na renda, tem feito os brasileiros “pisarem no freio” quando o assunto é consumo. Num sentido figurado, as prefeituras deverão adotar essa mesma atitude nos próximos dois anos.

Com menos dinheiro entrando e mais saindo do caixa, Tatuí será um dos 5.570 municípios a sentir “na pele” os efeitos da recessão brasileira. A crise deve impactar na elaboração do Orçamento até 2019, conforme o professor do Departamento de Economia, Finanças Públicas e Política Fiscal da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), de Sorocaba, Geraldo Edmundo Silva Júnior.

De acordo com ele, o momento econômico do país implica em efeitos diretos e indiretos, sentidos por todos e evidenciados no Orçamento municipal. Tanto que a peça orçamentária enviada pelo prefeito José Manoel Correa Coelho, Manu, à Câmara Municipal, prevê aumento de 7,22% para 2017.

O crescimento é “menor” que os anos anteriores no comparativo entre 2014, 2015 e 2016. Também é inferior à inflação acumulada até o mês de setembro, de 8,47%, quando o projeto da LOA (Lei Orçamentária Anual) foi entregue à Casa de Leis.

Na avaliação do professor, para os municípios, os números se traduzem em dificuldades de investimentos e manutenção de serviços essenciais. No caso de Tatuí, criam obstáculos para a recuperação de arrecadação, por conta da “vocação do município”.

A cidade tem na indústria de transformação (principalmente a metalúrgica) um dos setores de maior geração de emprego. Experimentou, por esse motivo, um déficit de postos de trabalho com carteira assinada entre os meses de janeiro e julho deste ano.

Nesse período avaliado pelo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), o maior impacto no déficit de vagas foi causado pela indústria de transformação, com menos 221 postos. Em seguida, vieram os setores da construção civil, com menos 183 postos, e comércio, com 142 empregos a menos.

As demissões causam efeito cascata, conforme o professor. Com menos produção, o município vivencia fase de menos necessidade de emprego, menos renda, menor consumo interno e externo e, portanto, captação de recursos menor.

Entretanto, um dos maiores impactos para as contas públicas advém de outra fonte. “Os municípios dependem de transferência de recursos dos governos federal e estadual. E, à medida que têm menos recursos, enfrentam problemas”, apontou o especialista.

A conta faz sentido quando analisada de forma “aprofundada”. Dos R$ 370.288.131 previstos para o ano que vem, mais da metade (69,09%) vêm das chamadas transferências intragovernamentais, uma parcela da receita corrente.

São R$ 255.829.518 de transferências da União e do governo do Estado. Esse valor inclui, ainda, recursos de convênios firmados pela Prefeitura com “entidades”, como secretarias ou ministérios, e instituições privadas. Entre elas, bancos que realizam empréstimos para investimentos.

Esse dinheiro chega aos municípios de forma indireta. Em outras palavras, não são determinados pela Prefeitura, mas estimados com base nos convênios.

O município pode estimar, com base na arrecadação anterior, somente os tributos locais, como o ISS (Imposto Sobre Serviço) e o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano). As arrecadações diretas, porém, são afetadas pela recessão, conforme avaliou o professor.

Silva Júnior disse que, como a crise acaba reduzindo a atividades de ramos que têm grande impacto na economia nacional, os municípios são “sensivelmente afetados”. “Uma recessão reduz investimentos na construção civil e atinge as cidades de acordo com o ramo de atuação”, analisou.

Como Tatuí tem “forte presença de metalúrgicas” e indústrias ligadas ao mesmo ramo de atividade, o professor afirmou que a cidade sente o impacto da recessão de forma díspar.

Silva Júnior explicou que cidades com vocação para produção de gêneros alimentícios (itens essenciais) apresentam retração, mas menor, em comparação com as que produzem bens não essenciais.

“Se as metalúrgicas vão mal, a cidade, com certeza, vai mal”, analisou.

Dessa maneira, a queda na produção local influi no caixa do Executivo indiretamente. O efeito direto é a retração do “bolo orçamentário”, que resultará em desafios para os governantes até o ano de 2019, quando a economia brasileira, segundo ele, deverá voltar a dar sinais de crescimento.

Até lá, as prefeituras terão de lidar com um caixa menor. O de Tatuí não registrou queda. Pelo contrário, aumentou no comparativo deste ano para o ano que vem, mas ficou menor que a inflação. Em consequência, a cidade perdeu “poder de fogo”.

“Em termos reais, o Orçamento de Tatuí caiu, porque os custos aumentaram”, explicou o professor. Na “mesma direção”, os gastos com a Previdência Social devem abocanhar uma fatia cada vez maior do parco Orçamento, por conta da queda de arrecadação. Esse cálculo, porém, não é preciso.

Silva Júnior disse que, junto com a Saúde, os custos de pensões e aposentadorias podem “pesar no bolso do Executivo”. Na composição do Orçamento, a receita é formada pelo orçamento fiscal e o da seguridade social. Este último inclui a Saúde, a assistência social e a previdência.

Em Tatuí, como nos demais municípios do país, a seguridade social é a peça que menos traz recursos, mas a que mais gasta. Em 2017, o Executivo espera arrecadar R$ 140.769.536 dessa parte do Orçamento.

O custo atual, porém, desequilibra a matemática, considerando-se o montante aplicado, neste ano, pela administração. A Prefeitura destaca a aplicação de 34% do Orçamento na Saúde. Esse percentual corresponde a R$ 117.419.956,08 dos R$ 345.352.812 estimados para o ano fiscal de 2016 (que não terminou).

Entretanto, a Saúde pode não ser o calcanhar de Aquiles de Tatuí, no entendimento do professor da UFSCar. Silva Júnior afirmou ser necessário verificar uma série de fatores. Entre eles, a pirâmide etária da população.

“À medida que as pessoas vão envelhecendo, as despesas com a assistência social, com os idosos, vão aumentando. Da mesma forma, se a pirâmide tiver a base maior, com mais crianças, os gastos são maiores na Educação”, comentou.

Em Tatuí, o peso maior de custos é de serviços que atendem pessoas com idades entre 15 e 64 anos. Eles representam 61,9% da população, de 117.823 pessoas, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Os idosos (com 65 anos ou mais) compõem 7,3% da população, não exigindo aporte maior de despesas para assistência social. Entretanto, com o envelhecimento da população, nos próximos anos, a conta deverá se inverter.

“Cada cidade tem sua especificidade, mas todas obedecem a um padrão nacional que estabelece um piso para os gastos. A aplicação se diferencia entre elas, e as prefeituras precisarão encontrar outras fontes para fazer frente aos serviços”, comentou.

Conforme o professor, uma solução para resolver questões pontuais seria o estabelecimento de parcerias com outros municípios para fusão de algum programa. No caso da Saúde, a estratégia poderia ser aplicada no uso de ambulância ou na prestação de atendimento especializado em locais comuns.

Desta forma, os municípios poderiam suprir necessidades mutuamente. É o caso, por exemplo, da unidade de hemodiálise. As obras tiveram início em junho do ano passado.

O centro deverá ter 1.400 metros quadrados de área construída e capacidade para atender até 180 pacientes, após credenciamento junto ao SUS (Sistema Único de Saúde), para referenciamento.

Na análise do professor, a medida pode ser uma solução para o equilíbrio nas contas públicas do município, dada a queda de 51,56% no crescimento do Orçamento entre 2014 e 2017 – ou seja, o “ritmo” no aumento orçamentário perdeu força no período.

“As administrações terão que cortar despesas. Eu entendo não ser possível fazer algumas delas, como os investimentos. Praticamente, o recurso terá de ser usado para as despesas de custeio e atendimento de saúde”, projetou Silva Júnior.

Conforme o especialista, obras como revitalizações de prédios públicos (salvo as de manutenção) e recapeamento de vias públicas deverão ser “deixadas para depois”. “A prioridade vai ser pagar funcionário e manter a Saúde”, reforçou.

Posturas como estas precisarão ser mantidas até a recuperação da economia. Silva Júnior avalia que a melhora deve acontecer após as eleições presidenciais, que acontecem em 2018.

“Existe uma série de situações políticas que precisam ser definidas. Penso que somente após 2019 o país vai tomar um rumo e melhorar, até porque, o Orçamento federal está todo direcionado para os próximos anos”, concluiu o professor.