Creas cria projeto para jovens infratores





Nativa Quedevez de Souza

Professor acredita que o hip hop pode auxiliar jovens infratores na reintegração social

 

O Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), em parceria com a Prefeitura, desenvolve o projeto “Vida Ativa” com jovens que cumprem medidas socioeducativas.

De acordo com Nativa Quedevez de Souza, coordenadora do Creas, há 230 meninos cumprindo medidas no local e em outros pontos da cidade.

Caroline Cozer, assistente social da Liberdade Assistida, disse que os projetos desenvolvidos pelo Creas, assim como o “Vida Ativa”, têm como objetivo a reintegração social e a prestação de serviço por horas, determinadas pelo Judiciário.

Ana Cristina do Amaral, técnica de medida socioeducativa de prestação de serviço à comunidade, explica que o trabalho dos funcionários do Creas é auxiliar os jovens a não reincidirem nas medidas socioeducativas e não serem submetidos a internação.

“O trabalho que estamos desenvolvendo é realmente para acolher esses adolescentes e para que as medidas sejam cumpridas de forma efetiva, porque a questão de obrigá-los a participar de algo não faz sentido para eles”, acredita Ana Cristina. Conforme Caroline, a ideia do projeto é fazer algo compatível com a realidade dos adolescentes.

“Não adianta a gente ter projeto só sobre futebol, porque, às vezes, não é a opção deles. O hip hop, hoje, é mais a realidade vivenciada pelos jovens. Foi nessa questão que quisemos inserir o projeto”.

“O professor vai iniciar com a cultura do hip hop, depois vêm as expressões, que é o grafite e dança. Terão módulos a partir do desenvolvimento do projeto”, explicou Caroline.

Nativa disse que o intuito é fazer com que o projeto, que se iniciou em março, funcione e possa auxiliar os jovens na reintegração social.

“Arrumamos uma sala, que está bem bonitinha, e estamos buscando melhorias para fazer com que os meninos sejam bem acolhidos”, afirmou Nativa.

De acordo com Elvis Mendes Leal, professor de hip hop, a ideia de fazer o projeto surgiu em conjunto com um amigo, porque ele já trabalhava com música e desenvolvia trabalhos sociais, mas “nada tão ativamente”.

“Eu desenvolvia algumas coisas na escola, focado na música, esporte, arte, tudo que englobasse a cultura hip hop em si. Então, através disso, o Rafael Prudente (ex-funcionário da Prefeitura) me convidou”, afirmou Leal.

O professor acredita que o Vida Ativa pode gerar resultado positivo aos jovens, porque, segundo ele, o hip hop tem uma forma de expressão muito próxima do jovem da periferia.

De acordo com Leal, a maioria dos casos de jovens infratores que ele conhece envolve pessoas dessa região.

“Para mim, esses jovens não falam a língua da sociedade e a sociedade não fala a língua deles. O hip hop tem o poder de fazer a ligação entre os dois”, argumentou Leal.

O professor disse que facilita trabalhar com os adolescentes a aceitação que eles têm com o rap. De acordo com ele, os jovens “vão abertos a aprender sobre a cultura”.

Leal disse que procura utilizar a vontade deles de aprenderem sobre o hip hop para tentar oferecer conhecimento sobre a própria vida, “porque, muitas vezes, eles procuram o caminho errado por ser mais fácil de obter reconhecimento no mundo em que vivem”.

No entanto, Leal tenta mostrar que também há outros caminhos. Para o professor, a intenção é trabalhar ativamente em cima de cada jovem, de cada história, para fazer uma abordagem diferente com cada um, pois, segundo ele, cada pessoa chega ao Creas com um caso de delito cometido.

“A ideia é que tenha mudança, e, através disso, que a gente consiga não só buscar talentos, porque eu não quero obrigá-los a cantar rap, grafitar, dançar. Falo da questão do conhecimento para a vida em si”, argumentou.

Leal utiliza a história de vida dele para encorajar os jovens. “Eu posso me considerar um jovem salvo por essa cultura, porque eu também vim de origem bem humilde. Todo conhecimento que busquei foi por causa da cultura hip hop”, avaliou o professor.

Leal disse buscar que os jovens se expressem em sobre a história de vida deles, para canalizarem os problemas que possuem e conseguirem explicitar o que têm a dizer, fazendo com que a música seja um “escape” para evitar crimes ou consumo de drogas.

Mudanças

Em pouco mais de um mês de projeto, os responsáveis pelo Vida Ativa disseram que já perceberam mudanças positivas entre os frequentadores.

Leal disse que, entre os jovens que cumprem medidas, o resultado positivo é perceptível na frequência deles nas aulas e em maior procura para iniciar o projeto.

“O grande trabalho nosso é o de trazer esses meninos para cá, porque eles são obrigados a cumprir as medidas, mas muitos não vêm, porque acreditam que não acarretará problema (faltar)”, afirmou Leal.

Segundo o professor, ele está, junto ao Creas, desenvolvendo eventos para atrair os jovens, e isso está fazendo com que eles estejam mais atentos ao que acontece no projeto e se envolvam mais.

Leal lembrou que o Vida Ativa ainda está no início, mas que, no entanto, ele percebe que as pessoas que frequentaram estão dispostas a continuar, pois não faltam mais.

O projeto

De acordo com Caroline, o projeto foi desenvolvido para os 230 jovens da cidade que precisam cumprir medidas socioeducativas. Portanto, ressalta, é importante que eles procurem o Creas para participar.

Nativa acentuou que a ideia é que nenhum dos adolescentes deixe de participar do Vida Ativa, até porque há espaço para todos os menores infratores.

Leal inicia o trabalho fazendo uma entrevista com cada um dos jovens, para que contem quais acontecimentos da vida que os levaram a cumprir a medida socioeducativa. Em cima de cada história, o professor pretende criar uma música, com a participação de todos.

“Pretendo ensinar a parte primária de escrever música, pegar assuntos para desenvolver letras e as técnicas, passo a passo. Depois vem a parte de produção: como mixar, captar áudio, gravar e fazer vídeo”, explicou Leal.

De acordo com o professor, com o passar do tempo, ele quer que o projeto seja uma oficina, na qual os jovens possam produzir muitas músicas e videoclipes. “Quero que seja uma oficina de expressão, para eles mostrarem como entraram e, depois de certo tempo, qual foi a evolução deles”.

A ideia do professor é utilizar o Creas como espaço para a própria comunidade, para se colocar em prática a cultura do hip hop. Leal disse que pretende levar o Vida Ativa para a sociedade conhecê-lo, seja dentro das escolas ou em eventos promovidos por ele.

“No final do ano, a ideia é fazer um trabalho final, para podermos apresentar um documentário feito por eles, contando a realidade de cada um. Esse é o foco”, explicou o professor.

Segundo Leal, ele não quer que os trabalhos desenvolvidos durante o projeto fiquem “parados”.

“Eu quero formar pensadores, trabalhar com isso. Que eles possam expor o pensamento deles através da arte, porque todos têm alguma coisa a dizer, principalmente eles”, argumentou.

O professor disse que muitos jovens não vão se interessar em ser cantores, DJs, dançarinos ou grafiteiros. Portanto, a intenção é conduzir ao que cada um gosta.

Ana Cristina argumentou ser importante oferecer projetos agradáveis aos jovens, para que eles possam evoluir e conseguir a reinserção na sociedade.

“Pode ser que eles não virem cantores de rap, mas, de repente, identifiquem um potencial para estudarem em outra área, para terem uma qualidade melhor de vida”, acredita Ana Cristina.

Para Ana Cristina, os jovens, às vezes, só veem alternativas na criminalidade, e, com esse projeto, ela acredita ser possível identificar outras possibilidades de vida.

Caroline disse que o projeto é importante para inserir os jovens na sociedade de uma forma “agradável” para eles, pois, se não for assim, não adiantariam as medidas socioeducativas.

“Para mim, é essa questão de eles se mostrarem, de terem voz ativa na sociedade e de terem uma coisa direcionada a eles”, afirmou Caroline.