David Bonis
Conselheiro Tutelar, Luiz dos Santos Netto acredita que investimento em programa de moradia para mães solteiras ajudarai a reduzir casos
Duas ocorrências de abandono de incapaz nos últimos dois meses abriram questionamentos quanto ao provável aumento desse tipo de atitude no município. Em 2014, o Conselho Tutelar de Tatuí registrou entre 15 e 18 casos, de acordo com o conselheiro Luiz dos Santos Netto.
O mais recente ocorreu no domingo da semana passada, 9. Após denúncia anônima, um dos membros dos conselho compareceu a uma casa da rua Ana Ferman, no Jardim Santa Rita de Cássia, às 3h30.
Ele buscava verificar se, de fato, havia um grupo de crianças trancado no imóvel sem acompanhamento dos responsáveis – “onde se podia ouvir gritos e choro das mesmas”, conforme o boletim de ocorrência.
Acompanhada de uma escolta da GCM (Guarda Civil Municipal), a conselheira direcionada ao imóvel constatou, segundo o documento, que quatro menores (de 4, 8, 9 e 10 anos) estariam sozinhos no local.
Conforme o BO, duas crianças eram filhas da proprietária da casa e as outras duas, de uma amiga dela. As mães deixaram as crianças na residência para “passear”, segundo o boletim de ocorrência. Ambas tiveram a prisão decretada em flagrante e estabelecida fiança no valor de R$ 750 para cada uma.
Segundo Netto, nos últimos três anos, a cidade registrou aumento dos casos de abandono de incapaz. Embora não cite números, para ele essa elevação tem relação com o excesso de atribuições às mulheres, pois, na maioria dos casos, essa infração é cometida pela genitora.
O perfil majoritário das pessoas que cometem abandono de incapaz na cidade é formado por mães solteiras, com mais de um filho, em situação de vulnerabilidade, de classe social menos favorecida e envolvida – direta ou indiretamente – com drogas, segundo Netto.
“Quando há o término da relação com o companheiro, a mulher fica, na maioria dos casos, com a guarda dos filhos. Só que isso é um ônus muito grande para as mães, porque, enquanto fica com a guarda, ela precisa ter independência financeira e ir para o mercado de trabalho”, explica.
Isso significaria que, nesse período de várias atribuições, a mulher tem que ser mãe, dona de casa e profissional.
Segundo Netto, esse acúmulo gera consequências quando a mulher “não tem estrutura psicológica, familiar e material para lidar com as adversidades”. Uma delas seria o envolvimento com as drogas.
“Às vezes, esse envolvimento se dá como usuária e, até, como traficante para sustentar a casa. Como usuária, normalmente ela pratica o abandono pela deses-truturação e, como traficante, quando acaba presa”, complementa Netto.
Ainda segundo ele, a falta de moradia adequada é uma das ca-racterísticas que o conselho também constata quando averigua os casos de abandono de incapaz na cidade. Isso significaria que, na maioria das ocorrências, as famílias que apresentam casos de abandono vivem em situação de submoradia.
Por isso, Netto acredita que um dos pontos que ajudariam a diminuir os índices de abandono de menores seria a criação de um programa de moradia que beneficiasse, sobretudo, mães solteiras.
No entanto, ele ressalta que esse projeto deveria ser atrelado a outros serviços, principalmente de acesso às vagas em creches para que a mulher que precisa trabalhar não tenha de deixar os filhos sozinhos em casa.
Normalmente, o conselho fica sabendo das ocorrências de abandono de menores por meio de denúncias telefônicas, seja para o número do próprio departamento (3251-4505) ou para o 199, da Guarda Civil Municipal.
O penúltimo caso de abandono de incapaz não foi, no entanto, denunciado via telefone. O caso aconteceu no dia 4 de outubro, após denúncia de um transeunte, a dois guardas municipais, de que duas crianças (de 1 e 5 anos) estariam trancadas em um Corsa verde, estacionado à rua Coronel Aureliano de Camargo. Segundo o BO, os guardas constataram o fato.
Os menores estiveram presos no automóvel por vários minutos antes da chegada dos oficiais, segundo o BO. Num primeiro momento, os oficiais teriam tentado convencer a menina, de 5 anos, a abrir a porta do carro, mas ela se negou.
Na ocasião, ela afirmou que a avó havia ido a um supermercado próximo ao local. Um dos GCMs foi ao estabelecimento, mas não a encontrou.
Conforme o BO, a responsável teria retornado ao veículo cerca de 30 minutos depois do horário em que os guardas municipais foram avisados. A avó foi presa em flagrante e teve fiança estabelecida em R$ 1.500.
Quem acompanhou essa ocorrência foi a presidente do Conselho Tutelar, Elisa Bernadete Teixeira Pinto. Ela lembra que o caso foi uma “fatalidade”, porque “as crianças estavam bem cuidadas” e a avó teria se atrasado para retornar ao automóvel porque, supostamente, teria ido ao banco naquele período, em que as agências bancárias teriam decretado greve.
Conforme ela, sempre que não há outro familiar que possa estar junto às crianças envolvidas nas ocorrências de abandono de incapaz, o conselho, formado por quatro membros, é acionado.
Os conselheiros podem tomar duas atitudes: encaminhar a criança a um familiar ou para um abrigo. No penúltimo caso de abandono, por exemplo, as crianças foram entregues a um avô.
As crianças que não tenham outro responsável para cuidar são encaminhadas para abrigos. Maiores de sete anos são direcionados à Casa de Acolhimento Institucional, que é pública. Garotos de 0 a 6 anos vão para a Casa do Bom Menino. Já as meninas dessa mesma idade são encaminhadas ao Lar Donato Flores.
Essas outras duas instituições são privadas, mas recebem recursos da Prefeitura, segundo o diretor do Departamento do Bem-Estar Social e Cidadania, Márcio Fernandes Oliveira. Conforme ele, há 16 menores morando na Casa de Acolhimento, “menor número de atendidos na história do município”.
Oliveira lembra que, no começo deste ano, havia 55 menores vivendo na entidade. No entanto, um trabalho em conjunto entre Executivo e Judiciário fez com que 40 crianças deixassem o local. Desse total, 25% foram adotadas. O restante teria sido encaminhado à companhia de familiares.
Para ele, a ação foi positiva porque, além de levar as crianças de volta ao convívio familiar, a redução possibilitou uma economia de R$ 80 mil para os cofres da Prefeitura. A administração gastaria cerca de R$ 2.100 para manter cada menor abrigado no local.
Embora o município venha conseguindo diminuir o número de crianças que moram em abrigos públicos, a realidade das famílias que precisam de interferência do Estado para garantir o bem-estar das crianças continua, de modo geral, a mesma, segundo ele.
Conforme Fernandes, a maioria dos casos que resulta em encaminhamento das crianças aos abrigos acontece em famílias “desestruturadas”. “São pessoas que formam uma estrutura familiar vulnerável. Às vezes, com pais alcoólatras ou usuários de drogas.”